O Sindicato dos Centros de Formação de Condutores de Minas Gerais (Sindicfc-MG) demonstrou preocupação com a proposta do ministro dos Transportes, Renan Filho, que prevê o fim da obrigatoriedade de aulas em autoescolas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A entidade teme demissões em massa no estado, que possui 2.051 autoescolas distribuídas em 610 municípios e gera cerca de 20 mil empregos formais. A preocupação se intensifica diante da média de 835 acidentes de trânsito por dia em Minas Gerais, conforme levantamento da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) — foram 150.471 entre janeiro e junho deste ano, quantidade 4,3% maior que os 144.223 do mesmo período de 2024.
"A fala do ministro é muito preocupante e desconexa com a realidade não só em Minas. Tornar facultativo o processo das autoescolas não é só colocar em risco esse setor da economia, como também ignorar o único processo educacional de trânsito no país. Isso pode acentuar ainda mais o índice de acidentes", expõe Alessandro Dias, presidente do Sindicfc-MG. No estado, conforme o representante do sindicato, há cerca de 400 mil novos candidatos à CNH por ano, com 1,4 milhão de exames realizados. "O ministro fala que essa medida pode baratear em até 80% o processo de habilitação. Mas se o candidato for reprovado? Ele vai continuar tendo que pagar as taxas do Detran. Por que esse assunto não é discutido?", questiona Dias. Em Minas, a média é de três exames por candidato até a aprovação.
Em entrevista ao podcast C-Level Entrevista, o ministro dos Transportes, Renan Filho, afirmou que a proposta de flexibilização do processo para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) deve abranger as categorias A (motos) e B (carros). A medida prevê a dispensa das aulas teóricas e práticas obrigatórias, permitindo que o candidato se submeta diretamente ao exame do Detran. Atualmente, o processo exige 45 horas/aula de curso teórico e 20 horas/aula de prática por categoria, incluindo cinco horas no período noturno. Segundo o ministro, a proposta pode reduzir em até 80% o custo da habilitação — hoje estimado entre R$ 3 mil e R$ 4 mil —, ampliando o acesso para pessoas de baixa renda. Ainda de acordo com ele, os candidatos poderiam escolher entre as autoescolas convencionais ou profissionais autônomos, sem necessidade de vínculo com instituições de ensino de direção.
"Acabando com a obrigatoriedade das autoescolas, certamente teremos o fechamento de algumas empresas e, consequentemente, demissões de instrutores. Quem ainda continuar como instrutor vai ter que ser autônomo. É como se estivessem fazendo a 'uberização' da categoria", aponta o instrutor de autoescolas Aurélio de Abreu Paiva, de 73 anos, que há 25 anos exerce a profissão. A possibilidade de mudança também é vista com preocupação pelo superintendente da Delegacia Regional do Trabalho de Minas Gerais (DRT-MG), Carlos Calazans. “Você não pode adotar uma facilitação precarizando o serviço e colocando empregos em risco. Como será a fiscalização para garantir que aquele autônomo é um profissional capacitado?”, questiona.
Para o presidente do Sindicfc-MG, Alessandro Dias, os argumentos apresentados pelo ministro de Transportes — que pode entrar em vigor sem a necessidade de passar pelo Congresso, por se tratar de uma resolução e não de uma lei — ignora as reais necessidades de discussão sobre o processo de habilitação no país. “Quando ele cita que o custo é o maior dificultador, ele ignora que a maior parte dos inabilitados sequer iniciou o processo. E isso ocorre mais por burocracia do que pelo preço. O governo deve evitar que mais pessoas sem educação no trânsito cheguem às ruas. Nós temos um alto índice de acidentes envolvendo pessoas inabilitadas”, avalia Alessandro Dias.
Um levantamento da Sejusp indicou que seis acidentes com condutores inabilitados ocorrem por dia em Minas Gerais. O estudo mostrou que foram 1.136 entre janeiro e junho deste ano, o que representa um aumento de 3,1% em relação aos 1.102 registrados no mesmo período de 2024. "Quando você considera a função do instrutor de uma autoescola, precisa ter consciência de que ele não ensina só a dirigir. É também sobre educação no trânsito, praticar a gentileza urbana, adotar uma direção defensiva e respeitar o espaço do outro. Esse comportamento é algo que os condutores inabilitados geralmente não possuem", afirma o instrutor de autoescola Aurélio de Abreu de Paiva.
De acordo com a especialista em trânsito Roberta Torres, o governo precisa rediscutir o modelo de habilitação no país, como foi feito na elaboração da Resolução 726 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), publicada em 2018. A medida previa algumas modificações, como o fim da mudança de categoria, que passou a ser considerada apenas como adição. A resolução também estabelecia prazos para o processo de habilitação, uso de equipamentos nos exames e realização dos cursos teóricos. No entanto, acabou sendo suspensa e posteriormente revogada, após pressão popular.
“Na ocasião, com base em muitos estudos, discutimos o perfil do condutor que queríamos na formação. A gente precisa discutir, urgentemente, o que está sendo ensinado e a forma como está sendo feita. O ministro cita, por exemplo, que o processo é burocrático. Mas só é burocrático porque existe uma resolução que determina que seja assim. Se o aluno é reprovado, ele pode remarcar o exame depois de 15 dias. Isso faz o processo ser burocrático, e não necessariamente a obrigatoriedade da autoescola”, argumenta.
Para Torres, o governo também precisa cumprir a determinação do artigo 76 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que prevê a promoção de educação no trânsito “na pré-escola e nas escolas de 1º, 2º e 3º graus”. “São poucas as escolas que contam com esse tipo de programa, que ensina a criança a se portar como pedestre, ciclista. A pessoa começa a ter noção do trânsito ainda na infância. Quando completar os 18 anos, vai aprender na autoescola como ser um motorista”, acrescenta.
A necessidade de rediscutir o processo de habilitação no país também é compartilhada pelo presidente do Sindicfc-MG, Alessandro Dias. “Nós estamos com um mesmo processo há 15 anos, que não sofreu mudanças efetivas, que ainda ignora o uso de tecnologias como sensor de ré, câmera e outras. A única mudança efetiva foi a baliza, que passou a ser feita entre cones, sendo que antigamente era entre carros. Então esse debate precisa ser feito, mas sem precarizar, colocando empregos e o trânsito em risco”, complementa.