O TEMPO

Sobre o ‘quando’ e o ‘onde’

Veja o depoimento da jornalista Ludmila Pizarro, que atua na cobertura da tragédia de Brumadinho


Publicado em 01 de fevereiro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Quarto dia de cobertura do rompimento da barragem l da mina de Córrego do Feijão da Vale, terça-feira, 29 de janeiro. Pela primeira vez, desde a sexta-feira, quando o desastre ocorreu, não fui enviada para Brumadinho, na região metropolitana de BH, onde aconteceu aquele que pode ser o maior crime socioambiental do país. Desta vez, cobria uma audiência de conciliação, no Tribunal de Justiça, entre advogados da companhia e procuradores estaduais. A Advocacia Geral do Estado havia conseguido bloquear R$ 1 bilhão para uma ajuda emergencial aos atingidos pelo desastre. Um dia antes, cerca de 72 horas após o rompimento, minha pauta era outra reunião. Na associação de bairro do Parque da Cachoeira, uma das regiões mais atingidas pela lama em Brumadinho, moradores e representantes da Vale, do Ministério Público estadual e da Defensoria Pública da União discutiam demandas. O sol nutria ânimos já exaltados. A lona plástica, onde mais de 150 pessoas se acomodavam, piorava o calor. Enquanto uma jovem queria informações sobre a irmã desaparecida, uma família com mãe, filhos e avó questionava a representante da mineradora onde dormiria naquela noite. Utensílios para montar uma cozinha comunitária eram alvo de negociação, já que as marmitas fornecidas pela empresa para alimentar famílias chegavam tarde, frias e, muitas vezes, azedas. As demandas eram diversas e se sobrepunham. Mas uma pergunta foi feita por várias pessoas: por que a Vale havia demorado tanto para aparecer?

Minha primeira visita ao Parque da Cachoeira aconteceu na própria sexta-feira, por volta das 17h. Pequeno paraíso verde de 1.200 famílias. Essa poderia ser minha descrição do local se eu tivesse chegado cerca de cinco horas mais cedo lá. Naquele dia, na hora do almoço, a região foi atravessada, cindida, por um mar de lama. Segundo moradores, cerca de 45 casas foram totalmente soterradas. Conforme a Defesa Civil do Estado, na última quarta-feira, 176 pessoas da região estavam desabrigadas. Naquela primeira noite, cheguei em casa mais tarde que o habitual, mas em segurança, abracei minha filha e mal dormi, pensando onde a dona Antônia, 59, que havia perdido a casa onde viveu por 25 anos, passaria a noite.

No fim da audiência de conciliação, fui informada de que as partes não tinham chegado a um acordo. O valor de R$ 1 bilhão continuaria nos cofres do banco Santander, e as ações, que deveriam ser emergenciais, vão aguardar. Faltavam informações sobre quem eram os atingidos, e a Vale deveria providenciar os dados. Na hora, em uma sala com ar-condicionado, eu me lembrei da representante da mineradora um dia antes explicando para uma plateia extenuada a quilômetros da confortável sede do Tribunal de Justiça sobre cadastros que deveriam ser preenchidos. Uma nova audiência foi marcada para a próxima quarta-feira, dia 6 de fevereiro. Sei que a Justiça tem seus ritos e que eles devem ser respeitados. À mente, porém, só vinham imagens do senhor Aldino Durães, 65, do “professor”, como os vizinhos chamam Edmar Mendes, 53, da dona Antônia e de tantas outras pessoas que tinham perdido havia menos de cem horas não apenas suas casas, mas suas camas, poltronas confortáveis, chinelos preferidos, vasos de flores e álbuns de retrato. Quando se perde tudo, o sentido de urgência é outro. Espero que os senhores dos gabinetes, onde e quando o futuro de centenas de pessoas é decidido, tenham sensibilidade.

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