Sem quadra para prática de educação física e um contexto em que 60% dos alunos precisam trabalhar para sobreviver. Mesmo que pareça o contrário, essa é a descrição da realidade de uma escola mineira que está entre as cem melhores do Brasil.
A escola Professor João Alves Figueiras Campos, em Pedra do Indaiá, no Centro-Oeste do Estado, está em um seleto grupo de apenas 2% das instituições de ensino brasileiras com resultados satisfatórios no Enem e na Prova Brasil e com taxas de aprovação acima de 95%. Em Minas Gerais, apenas duas atenderam esses critérios.
O estudo “Excelência com Equidade no Ensino Médio: a dificuldade das redes para dar um suporte efetivo às escolas”, da Fundação Lemann, do Itaú BBA e do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), avaliou 5.042 unidades de ensino que atendem alunos cuja renda familiar é de até três salários mínimos no país. Além da de Pedra do Indaiá, foi destaque em Minas a escola Estadual Coronel Antonio Domingos Ribeiro, em Bom Jesus da Penha, no Sul de Minas.
A reportagem tentou, sem sucesso, contato com essa segunda escola. Mas esteve na instituição de ensino de Pedra do Indaiá, que é a única de ensino médio na cidade de quase 4.000 habitantes. Cravada no centro do pequeno município, a escola tem 50% dos 103 alunos moradores da zona rural. Para muitos deles, com a ajuda de um ônibus da prefeitura, o caminho é longo para estudar: mais de uma hora.
Segundo a diretora da escola, Arlete Maria Coelho, quase 60% dos alunos trabalham enquanto dividem as atenções com os cadernos. “É um trabalho incansável, o aluno quer parar de estudar para ganhar dinheiro, a gente vai à casa dele, busca. Tenho que convencer todos os dias que eles podem ter um futuro promissor e são capazes de estudar. Eu preciso entender a realidade de cada um deles para saber como eu e toda a equipe podemos ajudar. Os alunos e os professores são muito dedicados também”, explica.
“Como eles (estudantes) trabalham, preciso aproveitar o tempo deles da melhor forma na escola, o aprendizado tem que ser aqui. Às vezes, a gente abre a escola à noite, depois do trabalho deles, para fazer monitoria, mas eu tenho que fazer com que eles vejam utilidade no que eles aprendem”, conclui.
No segundo ano do ensino médio, Vitor Pedrosa, 17, é o primeiro da família a chegar tão longe no ensino. Os pais não completaram o ensino fundamental, e os irmãos também pararam antes. Acordando às 5h todos os dias para ir para a escola e trabalhando até as 21h, a vontade de desistir é grande, ele confessa. “Minha mãe queria que eu fizesse faculdade, mas isso é coisa para gente inteligente.
Preciso ganhar dinheiro. Estou aqui por ela”, confessa.
Os professores também tentam somar. “A gente tem que ser amiga deles, é uma estratégia para eles quererem voltar também. O ambiente tem que ser bom, porque o que esses meninos passam em casa é muito difícil”, conta a professora Joelma Pedrosa, 32, que viaja quase todos os dias mais de uma hora para lecionar.
Acesso ao estudo é um entrave
De acordo com o coordenador da pesquisa, Ernesto Faria, das cem escolas de ensino médio com índices satisfatórios de aprendizado, 82% são de período integral. O Ceará é, disparado, o Estado com mais representantes: 55. Na contramão, Estados considerados mais ricos, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo, têm, no máximo, três escolas bem-avaliadas cada.
“Percebemos que Minas tem poucas escolas que conseguem fazer um bom desempenho com alunos de baixa renda. Falta uma intencionalidade em se pensar essas políticas”, explicou Faria. “O diferencial dessas escolas é que elas possuem professores que têm tempo para se dedicar a elas, não precisam de outros empregos para complementar a renda, são instituições cujas estratégias focam a realidade do aluno”, completou.
Para a doutoranda da Faculdade de Educação da UFMG, Camila Benevenuto de Andrade, o problema do ensino médio está na dificuldade de acesso e de permanência dos jovens na escola, na pouca qualidade do ensino oferecido e na falta de identidade e objetivos claros para a escolarização. “Podemos acrescentar a falta de infraestrutura das escolas, os desencontros entre as propostas curriculares, o pouco investimento na formação dos professores e a baixa remuneração desses docentes, além dos problemas de gestão e das políticas”, afirma. (LF)