Gabriel de Fuziyama, de 20 anos, preparou-se durante todo o ano para o seu segundo Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Com o objetivo de ingressar no ensino superior, no curso de matemática computacional, ele abandonou o trabalho para conseguir dedicar a maior parte do seu dia ao curso preparatório para o exame de uma rede privada de ensino, em Belo Horizonte. “Eu trabalhava e não conseguia estudar”, justifica. Foi a oportunidade que não teve Elisângela de Oliveira Cardoso de Souza. Aos 39 anos, a autônoma, que acumula experiência como vendedora e sonha em cursar uma faculdade, teve que abandonar o curso preparatório oferecido de forma gratuita na ocupação Dandara, na região da Pampulha. A decisão foi tomada depois do falecimento do seu pai e do consequente aumento das responsabilidades. “Desisti devido ao luto, perdi meu pai e não consegui permanecer”, conta.

Nos dois próximos domingos, 13 e 20 de novembro, além de Gabriel e Elisângela, outros 3,4 milhões de pessoas deverão participar do Exame Nacional do Ensino Médio em todo o país, sendo 301.350 somente em Minas Gerais. As provas, que reúnem questões de quatro grandes áreas do conhecimento, têm como objetivo avaliar o desempenho dos estudantes ao término da educação básica e, desde 2009, são também como a principal ferramenta para ingressar no ensino superior. Durante os dias do exame, participantes com realidades distintas serão colocados em condições de disputa com um mesmo objetivo: o de conseguir uma vaga em uma universidade e, com isso, mudar sua realidade e de sua família por meio do acesso ao ensino de qualidade.

Para o professor João Pedro de Oliveira, voluntário no curso preparatório para o Enem ofertado na ocupação Dandara, o exame, que tradicionalmente é marcado pela desigualdade em condições de disputa, devido à diferença entre as redes pública e privada de ensino, pode ter essa condição de desequilíbrio ainda mais acentuada por causa dos impactos da pandemia da Covid-19. “A grande questão é que as ferramentas que foram utilizadas no período de ensino remoto são excludentes por si sós. Muitas vezes ficamos presos em nossas bolhas e esquecemos que no Brasil a internet não é uma realidade para muitas pessoas, assim como um celular com boa memória, que permite aos alunos um melhor acesso aos aplicativos, vídeos, entre outros”, alerta o professor. Oliveira acredita que os anos de crise sanitária, em que as escolas ficaram fechadas como forma de enfrentamento do coronavírus, afetaram de forma desigual aos estudantes, e isso, segundo ele, deverá impactar o desempenho deles nas provas, principalmente entre os estudantes de escolas públicas e aqueles que não tiveram oportunidade de frequentar um curso preparatório. “A rede privada tem um suporte de ensino online e uma assistência que as escolas públicas não possuem”, justifica. 

Em setembro deste ano, o Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) divulgou um estudo, realizado a pedido do Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef), sobre o impacto da pandemia na educação no Brasil. O levantamento revelou que quase 2 milhões de crianças e adolescentes, de 11 a 19 anos, estão fora da escola no país. Essa realidade de evasão escolar, conforme o estudo, afeta principalmente a população mais vulnerável. Enquanto 4% das crianças e adolescentes das classes AB estão fora da escola, 17% das classes DE abandonaram o ambiente de ensino.

A pesquisa mostrou ainda que, durante os anos de pandemia, 25% dos estudantes acreditam que não aprenderam o que deveriam durante as aulas remotas. Esse levantamento, que é um dos principais realizados após os dois anos de pandemia, revelou, porém, que os estudantes estão preocupados em recuperar o conteúdo que não foi assimilado durante o isolamento social. Entre os entrevistados, 31% afirmaram ter participado de aulas de reforço oferecidas pelas escolas, e 68% consideraram que essas atividades contribuíram para a evolução do aprendizado.

Esse cenário de déficit de aprendizagem foi observado pela professora de biologia e coordenadora do pré-Enem do Chromos Colégio e Pré, Denise Arão. “A gente percebeu que os meninos ficaram mais ansiosos. Muitos questionavam que o ensino médio não havia sido bom por causa das medidas sanitárias e tinham medo que isso pudesse impactar o Enem. A verdade é que não estávamos preparados para essa realidade de pandemia, e, por isso, muitos apresentaram essa condição, também com quadro de ansiedade”, relata Denise Arão. Segundo a coordenadora, ao longo de todo o ano, este foi um dos desafios para os professores que fazem parte do curso preparatório. No entanto, para ela, o desejo dos alunos de recuperar os conteúdos comprometidos foi um ponto positivo. “Por mais que eles tenham passado por dois anos de pandemia, eles chegaram com muita vontade de aprender. Já no primeiro contato físico, eles começaram a interagir mais e, consequentemente, ficaram mais dedicados aos estudos”, explica. 

Foi o que fez Gabriel de Fuziyama. Além de deixar o trabalho para se dedicar ao curso preparatório do Enem, ele adotou uma rotina de estudos em casa, a fim de conseguir assimilar melhor os conteúdos e recuperar aqueles que ficaram comprometidos durante o período de aulas remotas. “Essa pandemia atrapalhou muito por causa do estudo remoto, foi uma situação atípica. Então o que eu tenho feito é prestar muita atenção e tirar as dúvidas durante as aulas no cursinho e, quando estou em casa, assistir a videoaulas na internet, com mais diversão”, conta. Fuziyama acredita que, mesmo diante de todas as adversidades, está preparado para as provas. “Minha principal dificuldade é com interpretação de textos, e, por isso, eu venho me preparando, tentando corrigir essa minha deficiência. Tenho lido mais textos e feito mais exercícios para ver onde ainda tenho cometido erros”, conta. 

Para além das salas de aulas

O estudo realizado pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) revelou que, entre aqueles que estão fora da escola, praticamente metade parou de estudar devido à necessidade de trabalhar para ajudar a família. Dos entrevistados, 48% abandonaram o ambiente escolar para procurar alguma fonte de renda imediata a fim de ajudar nas despesas domésticas no período de pandemia, marcado também pela crise econômica. 

Este foi um dos motivos pelo qual Elisângela de Souza deixou o cursinho preparatório para o Enem, oferecido na ocupação Dandara. “Foi uma grande oportunidade que nós, da comunidade, tivemos, só que perdi o meu pai e não consegui permanecer. Mas eu pretendo voltar a fazer o curso nos próximos anos”, relata a autônoma, que precisou assumir algumas das despesas da família por causa da perda do pai.

Além de Elisângela, outros alunos deixaram esse programa de estudos. Da turma que iniciou o ano, apenas um dos 15 estudantes continuou a frequentar as aulas. “Teve uma evasão muito forte. Um dos principais motivos é a relação que eles travam entre estudar e trabalhar, já que muitas vezes eles não conseguiam chegar a tempo da aula porque estavam trabalhando. Outros não mantiveram a frequência porque precisavam substituir o horário da aula pelo trabalho”, explica o professor João Paulo de Oliveira, voluntário no curso preparatório oferecido na ocupação Dandara.

O professor recorda que no começo das atividades, quando o número de alunos era maior, havia também maior empolgação, o que se perdeu com o passar das semanas, diante dos compromissos dos estudantes com o trabalho, a família, entre outros. “No primeiro momento, as turmas estavam cheias, e os estudantes, empolgados. Só que ao mesmo tempo havia sensação de que estavam perdidos, sem saber por onde começar, como se organizar”, descreve. Para ele, entre os vários motivos que justificaram o abandono do cursinho, um lhe causou maior preocupação: a descrença na educação. “Alguns não achavam mais interessante porque não viam nisso uma oportunidade. Quando a gente vê jovens dizendo que a universidade não é um ambiente para eles e que estudar não é o ideal, isso preocupa”, pontua.

O estudo realizado pelo Ipec diagnosticou esse mesmo problema nas crianças e adolescentes de 11 a 19 anos. Entre os entrevistados que confessaram ter pensado em desistir de frequentar as aulas, 38% justificaram que consideravam a escola desinteressante. “Infelizmente, esta é uma realidade no país e que é mais comum nas famílias em que poucas pessoas tiveram acesso ao ensino superior. Como a questão do estudo leva mais tempo, exige mais dedicação e os jovens entram no mercado de trabalho mais tarde, o que atrasa o retorno financeiro, eles acabam optando por um caminho que não o da educação”, explica a professora de biologia e coordenadora do Chromos Colégio e Pré, Denise Arão. Segundo a docente, esta é, no entanto, uma concepção que precisa ser desmistificada. “A educação é o melhor e o principal caminho para se conquistar qualidade de vida. Existem artigos científicos que provam isso. Pessoas que possuem ensino superior, por exemplo, ganham o dobro de quem não tem. Ou seja, a educação é o melhor caminho para ascensão profissional”, conclui.  

O Enem em Minas Gerais

Minas Gerais é o segundo Estado com o maior número de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, em 2022. São esperados 301.350 mineiros nas provas dos próximos domingos, sendo 295.667 para os testes que serão aplicados na versão impressa e 5.683 para a digital. São Paulo é o Estado com o maior número de inscrições, com 527.097. 

As mulheres são a maioria, com 188.713 inscrições, e os homens são 112.637. Desse total, 152.571 se autodeclararam pretos e pardos; 137.912, de cor branca; 4.708, de cor amarela; 789, como indígenas; e 5.370 não declararam. Entre os mineiros que se inscreveram, 137.310 têm até 18 anos e estão cursando ou já concluíram o ensino médio. 

A taxa, no valor de R$ 85, foi paga por 143.141 participantes do exame em Minas Gerais. Outros 83.276 puderam fazer a inscrição de forma gratuita, e 74.933 tiveram a declaração de carência aprovada. Tiveram direito ao benefício os inscritos que estão no terceiro ano do ensino médio em escolas públicas ou aqueles que recebem bolsas em escolas particulares, cujas famílias possuem renda de até 1,5 salário mínimo por pessoa. Os candidatos que fazem parte do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) também foram isentos.

Cronograma 

As provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2022 serão aplicadas nos dias 13 e 20 de novembro. O exame, instituído em 1998, tem como objetivo avaliar o desempenho dos estudantes ao término da educação básica. Desde 2009, o Enem é utilizado como ferramenta de acesso à educação superior.

  • Primeiro dia de provas (13/11)

- Linguagens, códigos e suas tecnologias (45 questões)
- Ciências humanas e suas tecnologias (45 questões)
- Redação
Período da prova: das 13h30 às 19h
 

  • Segundo dia de provas (13/11)

- Ciências da natureza e suas tecnologias (45 questões)
- Matemática e suas tecnologias (45 questões)
Período da prova: das 13h30 às 18h30

  • O que levar?

Os inscritos devem levar documento de identificação com foto e que esteja dentro da validade, além de uma ou mais canetas esferográficas de tinta preta e tubo transparente. Alimentos e água são opcionais. 

O Cartão de Confirmação de Inscrição, disponível na página do participante, é imprescindível. Ele é fundamental para que o participante saiba o horário e o local de aplicação do Enem 2022.

  • Não se atrase!

Os portões serão abertos às 12h, pelo horário de Brasília, e fechados às 13h. A aplicação das provas será às 13h30.