Rua Congonhas

Esquecidas, casas tombadas se perdem atrás de tapumes

Construtora tem aval para assumir patrimônio desde 2016, mas até agora não fez nada

Por Clarisse Souza
Publicado em 09 de maio de 2019 | 03:00
 
 
 
normal

Eternizadas no imaginário de antigos moradores como um pedacinho do interior na capital, 12 casas tombadas como Patrimônio Histórico de BH, localizadas na rua Congonhas, no bairro Santo Antônio, na região Centro-Sul, estão tomadas por mato, destelhadas, esburacadas e com paredes e janelas quebradas. Sete anos após terem sido vendidos para a construtora Canopus, os imóveis coloridos, que deveriam ajudar a contar a história da cidade, estão sendo destruídos aos poucos. O conjunto serviu de cenário para o longa “Menino Maluquinho” (1995), de moradia para o escritor Guimarães Rosa, que viveu em um dos imóveis no século XX, e de sede para tradicionais bares.

Os tapumes instalados para evitar invasões não impediram a deterioração do patrimônio, mas ajudam a esconder as consequências do abandono. Segundo vistoria feita nessa terça-feira (7) pela Diretoria de Patrimônio da Fundação Municipal de Cultura (FMC), o bem tombado está em mau estado de conservação. “É uma falta de respeito com o patrimônio”, lamenta o arquiteto João Pedro Salomão, 50, que passou a infância em uma das casinhas da rua.

O destino do conjunto gerou impasse entre a construtora, que planeja erguer uma torre residencial com 27 andares no fundo do terreno, e a prefeitura, que acionou o Ministério Público sobre o caso. Enquanto as partes brigavam na Justiça, pedaços das edificações foram corroídos pelo tempo. No entanto, desde 2016, não há entrave para que a Canopus reforme as casas, uma vez que “todas as questões relacionadas à compra dos imóveis e ao alvará de construção da edificação no miolo do lote já foram sanadas”, diz nota da fundação.

A FMC informou que cabe à Canopus definir como as casas vão ser usadas e que a construtora “se comprometeu a dar início imediato” à restauração”, que é viável e de responsabilidade da empresa. 
A reportagem entrou em contato com a Canopus nessa quarta-feira (8), por meio de dois e-mails e dois telefonemas, mas a construtora não tinha retornado até o fechamento da edição. A assessoria de imprensa informou que não estava localizando o diretor responsável pela demanda.

Preservação. A Lei Municipal 3.802/1984 determina que os bens tombados não podem “ser destruídos, demolidos ou mutilados” e prevê que o patrimônio protegido deve estar sempre sob vigilância do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural.

Obras. O órgão pode assumir os reparos, caso seja constatada a urgência.

PBH tem 30 dias para dar esclarecimentos

A visível deterioração do patrimônio da rua Congonhas tombado pelo município levou a Câmara Municipal da capital a cobrar esclarecimentos da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). O pedido, realizado pelo vereador Gabriel Azevedo (PHS), foi aprovado na última quinta-feira pela Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo da Casa.

“Estamos falando de construções que remetem às primeiras décadas da nossa capital. Preservar isso é fundamental para respeitar a história da cidade”, avalia Azevedo. Para o vereador, a administração municipal tem sido negligente ao não agir com mais rigor na defesa dos imóveis.

No requerimento, Azevedo pede informações sobre a licença para construção de um empreendimento no local, esclarecimentos sobre pendências judiciais ligadas ao patrimônio e detalhes acerca de vistorias nos imóveis.

A administração municipal tem 30 dias para responder aos questionamentos. “Vamos aguardar o retorno da PBH para definir os próximos passos para proteção desse patrimônio”, disse o parlamentar.

Minientrevista

João Pedro Salomão
Arquiteto e ex-morador da rua Congonhas


Quais são as lembranças que o senhor guarda do período em que viveu na rua Congonhas?

Morei lá até meus 10 anos. Eram casas de família. Eu estudava no grupo da esquina, brincava na rua. Era uma cidade do interior dentro da capital. Com o tempo, se tornaram casas comerciais, que eu também frequentei.

O que o senhor sente ao ver que as casas estão em ruínas?

Essa invasão desenfreada é uma falta de respeito com o patrimônio e com a arquitetura antiga. Mesmo com os imóveis tombados, as pessoas sempre acham um jeito de infringir a lei e construir torres. É o que vai acontecer aqui, na rua Congonhas.

Qual deveria ser o destino desses imóveis, que são tombados pelo Patrimônio Histórico?

Eles têm que ser preservados. Isso é lei, e dá cadeia se alguém fizer alguma coisa contra as casas. Mas vão descascá-las por dentro, deixar só a fachada, o rótulo.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!