O Comitê de Enfrentamento à Covid-19 em Belo Horizonte, conforme antecipado por O TEMPO, será extinto nesta quinta-feira (31). A decisão ocorre devido ao fim do decreto que determinava cenário de calamidade pública estabelecida pela pandemia entre março de 2020 e março deste ano. Apesar do fim do grupo – composto por três dos principais epidemiologistas de Minas Gerais e do Brasil –, a circulação da doença não acabará com a canetada. “Se pandemia acabasse por decreto seria uma maravilha”, diz Carlos Starling, um dos membros.

A atuação dos médicos foi articulada em conjunto com o corpo técnico da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), e membros da Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão (SMPOG) e da Secretaria Municipal de Política Urbana (SMPU), além do então prefeito, Alexandre Kalil (PSD), e com discussões expandidas, também, ao Conselho Municipal de Saúde (CMS).

Em uníssono, Starling, Estevão Urbano e Unaí Tupinambás – os epidemiologistas voluntários que compunham o grupo –, além do ex-secretário de Saúde da cidade Jackson Machado e da presidente do CMS, Carla Anunciatta, afirmam que o fim da pandemia está, ainda, longe de ocorrer. Entretanto, a atuação fervorosa – considerada, inclusive, a melhor do país em um levantamento realizado com 14 capitais pelo Imperial College de Londres, na Inglaterra – foi determinante para que, ao menos, 7,6 mil vidas fossem salvas.

“Fico muito feliz com o resultado que BH alcançou, mas principalmente com a quantidade de vidas que foram salvas. A pandemia não acabou. A população de Belo Horizonte entende o que a gente fala, o que está acontecendo. Na rua, muitas pessoas estão ainda usando máscara, mesmo com a liberação. [Salvamos,] no mínimo, a mesma quantidade de pessoas que morreram [7.663, conforme boletim epidemiológico divulgado nessa quinta-feira (30). Podia ter sido catastrófico, mas não foi. Foi, sim difícil, perdemos muita gente, mas muitos que poderiam ter morrido foram salvos”, avalia Machado.

“Eu acho que uma das decisões mais acertadas que tomei no meu tempo de secretário foi na escolha dos nomes [para o Comitê]. [Alexandre] Kalil pediu que eu indicasse um grupo, e escolhi três. Não apenas pelas instituições que representavam, mas também pela qualidade técnica. São pessoas de qualidade técnica indiscutível. Muito do sucesso [do combate à pandemia] se deve às sugestões que eles deram”, acrescenta.

Carlos Starling pontua que, em sua visão, a extinção do Comitê não é “um erro”, mas “uma possibilidade de gestão diferente” promovida por Fuad Noman (PSD), que assumiu o cargo de prefeito após Kalil ter se afastado para concorrer ao governo do Estado.

“A pandemia está longe de acabar. Se pandemia acabasse por decreto seria uma maravilha. Temos um longo período pela frente. A SMSA possui uma equipe altamente competente. Cumprimos nosso papel. Todo trabalho que foi feito culminou em uma das melhores avaliações que foi feita pelo Imperial College, uma instituição independente, que considerou BH uma das cidades com o melhor desempenho em relação à redução de mortalidade dentre 14 capitais brasileiras analisadas. Foi uma honra poder ajudar a cidade, o Estado, em um momento tão crítico”, narra o médico.

Starling diz, ainda, que, na tarde da próxima segunda-feira (4), há uma reunião marcada com a prefeitura da capital “para ver qual tipo de contribuição que podemos continuar dando para o sistema de saúde”.

Estevão Urbano ressalta que, aquém de possíveis erros que ocorreram durante a gestão do Comitê, o principal legado deixado foi uma máquina e uma série de mecanismos epidemiológicos que permitem que, hoje, a prefeitura consiga, sem a orientação dos médicos, conduzir os caminhos da pandemia. 

“A cidade já tem mecanismos e técnicos muito bem treinados para continuar a tocar a pandemia sem a necessidade do Comitê. Mas, por outro lado, se houver necessidade, estaremos sempre abertos para atender às demandas. Não vejo necessidade de uma prorrogação do comitê com os dados atuais. Mas como a pandemia vai e volta, se for necessário, e se o prefeito e a secretária quiserem, estamos disponíveis”, diz.

“Se tratando de uma pandemia, uma doença completamente desconhecida, as coisas foram feitas dentro do que a ciência, em cada momento, indicava. Quando saíam novas informações, poderiam mudar os rumos baseados nessas novidades. Empregamos a ciência enquanto ela acontecia. Acertamos e erramos, mas sempre com base nas melhores evidência científicas. Olhando os números, foi uma gestão que teve muito mais coisas positivas do que negativas. Isso reconhecido por pesquisas internacionais. Tem muito a ver também com a adesão da população, da preparação do SUS e do sistema privado. Os números falam mais do que opiniões.”, acrescenta Urbano.

Conselho Municipal de Saúde vê riscos em extinção do Comitê

Presidente do CMS, Carla Anunciatta alerta que há riscos epidemiológicos com a extinção do Comitê de Enfrentamento à Pandemia em Belo Horizonte. “Eu acho que pode ser um risco. As ações são todas tomadas de acordo com parâmetros epidemiológicos. Com a extinção do comitê, meu medo é que fiquemos sem dados para tomar as ações necessárias. A despeito da secretaria ter uma equipe técnica muito boa, a centralização [que ocorria com o Comitê], de estudar os dados e informar a população diariamente e exclusivamente sobre a pandemia, é muito importante”, classifica.

Carla afirma, ainda, que poderia ter havido uma transição durante a troca de gestões no Executivo municipal que mantivesse, por algum tempo, o Comitê em atividade. “A pandemia ainda não acabou. Extingue-se um comitê eminentemente científico, com três grandes epidemiologistas, que nos informavam diariamente, com as quais programávamos nossas ações. Uma ação que poderia ter tido uma continuidade durante um tempo, independente da extinção do decreto. Havia alternativas, pontua.

A médica defende, por fim, que apesar de o grupo ter feito um trabalho de excelência em relação o controle da pandemia, o “único ponto negativo” foi não haver inclusão de representantes da sociedade civil. “O comitê são grandes cientistas e pensadores, mas aliar essa técnica e a experiência da academia e da epidemiologia com a prática, com as pessoas, usuárias e usuários do sistema de saúde que estão sendo atingidos pela pandemia, seria muito bom. Poderia ter ajudado ainda mais”, conclui.

“Só não haverá continuidade se houver decisão de não o fazer”

Urbano afirma que, com a estrutura deixada pelo Comitê na prefeitura e “o sentimento em relação ao novo prefeito e à nova secretária [de Saúde, Claudia Navarro]”, haverá continuidade das precauções mesmo sem atuação direta dos médicos. 

“A pandemia está longe de ter acabado. Está em um momento de acalmia, que pode durar meses, ou menos, ou mais. Deixamos uma base de ações, uma estrutura, que faz com que a cidade possa girar através dos próprios técnicos sozinhos. O Comitê desenvolveu uma série de ferramentas epidemiológicas durante esses dois anos. Agora, elas são produzidas pela própria prefeitura. Só não haverá continuidade se houver uma decisão de não o fazer. Está tudo desenvolvido, funcionando, e essa máquina pode continuar funcionando independentemente”, finaliza.