ALERTA EM MINAS

Falsas ameaças de massacre fazem escolas se tornarem reduto do medo em Minas

Má gestão da violência e falta de tolerância têm tirado a paz da comunidade estudantil; somente nesta semana, foram ao menos cinco casos no Estado

Por Isabela Abalen
Publicado em 24 de março de 2023 | 03:00
 
 
 
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Minas Gerais teve pelo menos um caso por dia letivo de ameaças de massacres em instituições de ensino durante esta semana. Nas ocorrências, o que começa com uma troca de mensagens de alerta, termina em pânico geral. Apesar de não terem levado a ataques, as ameaças geraram paralisação de aulas e necessidade de atuação de forças policiais. De acordo com o delegado Rafael Nalin, o uso de internet para propagar o terror tem sido um desafio constante para as autoridades. Especialistas apontam reflexo de uma cultura de violência dentro de escolas e universidades. 

Em Piraúba, na Zona da Mata, um áudio de whatsapp provocou pânico na cidade e municípios vizinhos ao dizer que um homem preso por apologia ao nazismo iria se vingar das escolas, atacando alunos e professores. As instituições ficaram vazias por ao menos três dias até esta quarta-feira (22). “A mensagem chegou inclusive em cidades próximas, criou-se um pânico de uma forma que nunca tinha visto antes. Quando começamos a ir às escolas, em uma sala de 30, haviam 4”, conta o delegado, que está atuando junto à prefeitura da cidade e à Secretaria Municipal de Educação para retomar a paz na região. 

Segundo ele, quando a ameaça parte da internet, ela se apropria do anonimato e se espalha com tanta facilidade, que o pânico cresce por não ser possível confirmar se é verdade ou boato. “Quando se trata de uma publicação em rede social como facebook, instagram, é mais fácil de apurar, porque vem de um perfil, mesmo que anônimo. Mas, a partir do momento que a ameaça está sendo encaminhada milhares de vezes por grupos de mensagens, redes de pais e estudantes, se perde o controle da proporção que isso ganha”, afirma. 

Para o professor Paulo Henrique Fonseca, diretor estadual do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE MG), já é possível observar como as crianças e jovens absorveram uma cultura de violência facilmente propagada nas redes sociais. “Os jovens são mais suscetíveis, estão mais propensos a serem capturados por essas correntes que instigam uma resposta por violência e reproduzem intolerância. Essa noção de que o diferente precisa ser eliminado e que a agressão pode curar frustrações, ela é muito perigosa”, alerta. 

A cura para uma frustração foi exatamente o que levou uma adolescente de 14 anos a criar um perfil em rede social para ameaçar um atentado na Escola Estadual Américo Martins, em Montes Claros, no Norte de Minas. Nas postagens, a menina também ameaçava de morte o diretor e o vice-diretor da instituição de ensino. Ela disse aos policiais que queria vingança por ter reprovado de ano e que não conseguia se integrar à turma. 

As imagens de armas de fogo, usadas pela menina para criar o terror, são bastante comuns nesse tipo de abordagem. “Estamos vivendo hoje uma cultura de arma de fogo, a arma é supervalorizada, como um item que facilitaria na resolução de conflitos do dia a dia”, afirma a professora Valéria Cristina de Oliveira, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (CRISP-UFMG).

Segundo ela, o problema se torna ainda maior com o aumento recente de problemas de saúde mental em crianças e jovens. “A comunidade escolar e acadêmica, assim como a população, está mais insegura, ansiosa, enfrentando questões de saúde mental. Existe sim um agravamento dos problemas de convivência e não são raros os casos de reação agressiva a qualquer tipo de embate”, explica Oliveira. 

Na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Puc Minas), da unidade Coração Eucarístico, em Belo Horizonte, o compartilhamento de mensagens de medo sobre uma suposta ameaça de massacre por um suposto aluno levou a Puc Minas a se pronunciar, negando os fatos. “Informações falsas distribuídas por má fé”, definiu. Mesmo assim, o clima de insegurança ainda não teve fim. “Acredito que a universidade não investigou o caso a fundo. Não foi feita nenhuma medida que demonstrasse preocupação sobre a segurança dos alunos”, desabafa uma estudante que optou por não ser identificada. 

Segundo a aluna, a ameaça está sendo compartilhada por meio de prints de grupos da faculdade. Ela denuncia que o suposto estudante que teria insinuado o massacre teria assediado colegas de turma por meio de envio de fotos íntimas sem consentimento. Ainda, que ele havia postado uma foto usando uma roupa com símbolo nazista. “A sensação de medo é principalmente por saber que esse aluno existe e que não houve nenhuma medida da universidade para impedir o seu acesso ou aumentar a nossa segurança”, lamenta. 

A negligência, de acordo com a pesquisadora Valéria Cristina de Oliveira, deve ser evitada ao se enfrentar riscos de massacre como esses. “O mais importante no momento da intervenção é que essas ameaças precisam ser tratadas com seriedade. É uma questão de segurança. Mesmo depois de identificar um suspeito, é preciso estar aberto para mostrar para a comunidade que violência não é brincadeira”, alerta. 

O que fazer?

No caso do possível massacre em Piraúba, na Zona da Mata, a Polícia Civil está trabalhando com a prefeitura da cidade para tranquilizar pais, alunos e funcionários. De acordo com Oliveira, para que a instituição de ensino realmente cultive uma ambiente de paz, ela precisa incorporar a prática da escuta. “O primeiro passo é identificar os desafios. Em cada instituição, pode ser diferente. Mas é preciso fazer um diagnóstico para que, a partir dele, os estudantes, os funcionários e os pais possam encontrar um espaço de acolhimento. Só assim os problemas começam a ser resolvidos com o diálogo e não com a violência”, afirma. 

Para a pesquisadora, um olhar atento pode identificar problemas de convivência e agressividade aflorada que, se vista como sinal de alerta, pode evitar um desfecho ruim. Ainda, há de se pensar quando o estudante, autor de uma ameaça, retorna para a escola ou para a universidade. 

“Quando ele retorna, é preciso escutá-lo. Entender suas queixas, suas demandas, entender que situação é essa que foi criada. Também, conversar e acolher os outros estudantes, as famílias e os profissionais, porque precisa ser tratado um trauma”, continua. 

Medidas como instalação de câmeras de segurança, inclusão de vigilantes e controle de acesso às instituições também funcionam para ampliar a sensação de segurança. Essa é uma das reivindicações da estudante da Puc Minas. “A instalação de câmeras de segurança me faz sentir mais segura. Assim como inclusão de catracas de acesso e mais profissionais de vigilância. Tenho a sensação que qualquer um entra e sai da faculdade quando quer”, diz. 

Resposta também pela educação 

Uma educação que respeite e inclua as diferenças é apontada pelo diretor estadual do Sind-UTE MG, Paulo Henrique Fonseca, como uma das respostas de enfrentamento da violência nas instituições de ensino. “Dentro das escolas, das faculdades, os educadores têm o dever de transmitir e abraçar a diversidade existente no mundo. Sempre com base científica e pautando a liberdade e o diálogo”, diz. 

Para ele, isso pode amenizar muitas das frustrações que levam os jovens a reagirem de forma agressiva. “Na juventude, nossas identidades ainda estão em formação. Angústias, frustrações, acontecem de forma rápida e, muitas vezes, sem que a criança ou o adolescente esteja preparado para lidar. Uma orientação de inclusão pode atuar nesse sentido”. 

Seis ameaças de massacre em uma semana

  • 23/3: Suposto aluno da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas) da unidade Coração Eucarístico, em Belo Horizonte, teria ameaçado a instituição de realizar uma “chacina”. Ele teria assediado colegas e supostamente postado a ameaça em rede social; 
  • 23/3: Policiais militares foram acionados para atuar sobre denúncia de ameaça em uma escola em Itajubá, no Sul de Minas. A corporação não deu detalhes sobre o tema, dizendo apenas que "a Polícia está averiguando o caso e a equipe da patrulha escolar está realizando os levantamentos a respeito da informação".
  • 21/3: Uma adolescente de 14 anos foi identificada pela Polícia Civil como a responsável por ameaçar um massacre na Escola Estadual Américo Martins, em Montes Claros, no Norte de Minas. Ela criou um perfil em rede social para divulgar o possível atentado, com a utilização de armas;
  • 21/3: Um áudio de WhatsApp dizendo que um homem preso por apologia ao nazismo iria se vingar atacando escolas levou pânico aos moradores de Piraúba, na região da Zona da Mata de Minas Gerais. Instituições de ensino amanheceram vazias; 
  • 20/3: Pai de um aluno foi armado para uma escola em Ouro Branco, na região Central do Estado, supostamente tentando intimidar outros estudantes. A Polícia Militar prendeu o homem e a arma foi apreendida.
  • 16/3: Um adolescente de 13 anos foi identificado pela Polícia Civil como o criador de um perfil em uma rede social que divulgava um possível massacre em um colégio de Montes Claros, na região Norte de Minas Gerais.

O que diz a Polícia Civil sobre a ameaça na Puc Minas

"A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que um aluno da instituição de ensino, localizada no Coração Eucarístico, registrou uma ocorrência hoje (23/3), alegando que tomou conhecimento que uma foto sua estaria circulando em vários grupos de estudantes, sendo atribuída a ele a autoria de casos de assédio sexual, apologia ao nazismo e ameaça de chacina na faculdade. A PCMG esclarece que apura este fato.

Sobre uma suposta ameaça de massacre na universidade, na capital, a PCMG informa que, em consulta ao sistema policial, não foi localizado, até o momento, o devido registro de ocorrência sobre o fato. A PCMG orienta que possíveis vítimas e/ou testemunhas compareçam à unidade policial mais próxima de sua residência para o devido registro para que todas as medidas legais cabíveis sejam adotadas."

O que diz a Puc Minas 

"Uma série de informações infundadas sobre ameaça de ação violenta, que seria cometida na Universidade, está sendo compartilhada nas redes sociais. A PUC Minas entende que boatos sobre violência criam transtornos e pânico. Neste momento, a Universidade reitera a importância de não alimentar ondas de informações falsas distribuídas, por má fé, nas redes sociais. As atividades acadêmicas seguem normalmente."

O que diz a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais sobre a ameaça em escola de Montes Claros 

"Sobre as ameaças virtuais envolvendo uma estudante da Escola Estadual Américo Martins, em Montes Claros,  na última terça-feira (21), a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) informa que o serviço de inspeção escolar da Superintendência Regional de Ensino (SRE) de Montes Claros,  responsável pela coordenação da escola, está apurando e acompanhando o caso. 

Após conhecimento das ameaças, feitas por meio de um perfil anônimo em uma rede social, a direção registrou um boletim de ocorrência e a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) identificou a suspeita. Em relação ao ambiente escolar, o Serviço de Inspeção Escolar orientou que a direção da unidade acione o Conselho Tutelar para aplicação de possíveis medidas em relação à aluna em acompanhamento com os responsáveis. 

Além disso, a equipe do Núcleo de Acolhimento Educacional (NAE), formada por psicólogo e assistente social, também será acionada a fim de apoiar, acolher e dialogar com a família da estudante e a comunidade escolar. A direção da unidade também foi orientada a realizar uma reunião com a comunidade escolar para esclarecimentos de forma transparente." 

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