Dificuldade

Falta de profissionais de saúde compromete abertura de leitos de UTI em BH

Busca por médicos, técnicos em enfermagem e outros trabalhadores esbarra em mercado aquecido e equipes exaustas após quase um ano de pandemia

Por Gabriel Rodrigues
Publicado em 06 de janeiro de 2021 | 03:00
 
 
 
normal

A ocupação das UTIs em Belo Horizonte está em nível máximo de alerta e a prefeitura já se diz preocupada com o aumento de casos seguido pelas festas de final de ano, porém abrir mais leitos para receber os pacientes com Covid-19 esbarra em um desafio na capital: a falta de profissionais de saúde. A prefeitura já deixa de contabilizar leitos porque os hospitais não contam com mão-de-obra para operá-los e outros, que poderiam ser abertos, ainda não foram porque as instituições não têm trabalhadores o suficiente. 

Desde o dia 1º de dezembro, por exemplo, sete leitos de UTI não são listados nos boletins diários da PBH. Eles estão montados na rede contratada pelo SUS, mas não podem ser considerados disponíveis, pois não há profissionais para mantê-los funcionando. Até o dia 17 de dezembro, a prefeitura chegou a contabilizar 660 potenciais leitos de UTI para Covid-19 e 1.605 de enfermaria. Os dados incluem leitos que poderiam ser acionados em caso de necessidade. Desde então, ela parou de divulgar esses números e, agora, conta apenas os leitos que realmente podem operar: 533 de UTI e 1.397 de enfermaria.  

O Hospital Odilon Behrens, na região Noroeste de BH e gerido pelo governo municipal, chegou a ter três alas para atendimento a Covid-19 em um dos ápices da pandemia, entre julho e agosto, e desativou parte dos leitos quando a demanda diminuiu. Agora que ela aumenta novamente, o hospital está com dificuldade em contratar profissionais e conseguir retomar a oferta. 

Em instituições de gestão estadual que funcionam na cidade, como o Eduardo de Menezes, no Barreiro, o drama se repete — no dia 1º de janeiro, ele deixou de ofertar dez leitos de UTI por falta de profissionais. O Hospital Risoleta Neves, na região Norte de BH, gerenciado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pretende abrir seis ou mais leitos para atender à demanda que começou a aumentar em dezembro de 2020, mas só conseguirá caso encontre profissionais de saúde o bastante, o que tem sido desafiador, segundo a diretoria.   

Por trás da dificuldade em encontrar enfermeiros, médicos, técnicos de enfermagem e outros especialistas da saúde, está um mercado aquecido e um cenário de exaustão. Grande parte dos profissionais já trabalha em mais uma instituição e alguns deles relatam uma rotina de pressão quase insustentável .   

“Eu fiquei mais cansada mentalmente do que fisicamente, cheguei a pegar afastamento do trabalho por esse desequilíbrio emocional e não fui a única, tive colegas que ‘surtaram’ durante a pandemia porque não estavam aguentando a pressão ali dentro. Os pacientes vêm muito graves e ficamos o tempo todo por conta deles, é uma coisa muito pesada e tem gente sem experiência nenhuma em CTI”, relata a técnica em enfermagem Iara Neves, 37, que trabalha em um hospital estadual em BH. 

Qualificação 

Iara conta que, no início da pandemia, era possível selecionar melhor os profissionais admitidos no CTI onde trabalha e procuravam-se pessoas com mais experiência, mas que esse critério foi sendo abandonado na medida em que a pandemia avançava e se tornava mais difícil encontrar mão-de-obra. Nesse cenário, ela precisou dar conta de tratar dos pacientes madrugadas inteiras utilizando uma bateria de equipamentos de proteção e ensinar práticas profissionais a novos colegas simultaneamente, ao mesmo tempo que temia diariamente contrair Covid-19. 

A professora da Escola de Enfermagem da UFMG Andreza Werli-Alvarenga tem experiência de dez anos em gestão de uma UTI pública em BH e relata que a dificuldade em encontrar pessoal qualificado para o serviço sempre foi alta, sendo, agora, ressaltada pela pandemia. 

“Leitos estão fechando ou nem estão sendo abertos mesmo tendo equipamento, que é caríssimo, porque o que determina a qualidade do atendimento não é só o material, mas a equipe, e os profissionais estão no limite. Eles correm o risco de se contaminar e falecer ou levar o risco para casa, para a família e os amigos. Isso tudo tem um peso, e esse profissional, que antes aceitava trabalhar em dois, três empregos, começa a pesar um pouco mais se vale a pena tudo isso”, pondera. De acordo com o Conselho Regional de Profissionais de Enfermagem (Coren MG), 30 profissionais da área morreram por Covid-19 em Minas, nove deles em BH. No Brasil, foram pelo menos 436, segundo o Conselho Nacional de Enfermagem (Cofen). 

A professora Werli-Alvarenga também pontua que o ensino para atendimento em CTIs não é aprofundado na graduação dos profissionais de saúde e é encarado como uma especialização, o que cobra um preço alto neste momento. Com apoio de outros professores, ela iniciou uma formação online e gratuita sobre esse tipo de atendimento para profissionais de enfermagem durante a pandemia.  

Concurso público da prefeitura só se inicia em março 

No dia 30 de dezembro, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) abriu um edital de concurso público para contratação de 1.066 profissionais de saúde de várias especialidades. As vagas, porém, não serão preenchidas no curto prazo, já que as inscrições se iniciam em março e a previsão é que a realização da primeira prova seja em maio. 

A PBH reconhece a dificuldade em encontrar trabalhadores durante a pandemia, mas não informa qual é o déficit de profissionais de saúde atuando na cidade. O Sindicato dos Servidores Públicos de Belo Horizonte (Sindibel) denuncia que a escassez se arrasta há tempos. A diretora da área de saúde do sindicato, Cleide Donária, diz que não houve um grande concurso para recrutar profissionais de saúde nos últimos quatro anos e que, agora, a cidade encara as consequências dessa falta.

Ela também diz que os salários não são atrativos, dada a pressão do trabalho, e cobra que seja pago um abono aos profissionais de saúde da linha de frente do combate à Covid-19 — o que foi vetado pela Câmara Municipal em 2020. “Eles ganham pouco e correm de um lado para o outro”, pontua Donária. No novo concurso aberto pela PBH, o salário base para técnico de enfermagem com carga horária semanal de 40h é R$ 1.925,95.

A saúde estadual também encara a escassez de profissionais: a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) abriu 14 chamamentos públicos só para o Hospital Eduardo de Menezes ao longo de 2020 e, mesmo assim, precisou bloquear leitos pela falta de pessoal. Nessa terça-feira (5), a fundação abriu edital para contratar 52 profissionais emergencialmente e requer que os candidatos tenham experiência em CTI. As inscrições ficam abertas só até esta quinta (7).

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!