Saúde

Falta de saneamento gera gastos milionários com ‘doenças da pobreza’

Retrato da desigualdade e da privação do saneamento básico, o problema também é responsável pelo adoecimento de uma camada da população

Por Raíssa Oliveira e Vitor Fórneas
Publicado em 18 de março de 2024 | 03:00
 
 
 
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Viver em uma casa sem banheiro é realidade para 1,2 milhão de brasileiros, sendo 30.272 mineiros, conforme dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Retrato da desigualdade e da privação do saneamento básico, o problema também é responsável pelo adoecimento de uma camada considerável da população. As chamadas “doenças da pobreza” – por serem fruto de falta de acesso à água potável e à rede de esgoto –, enfermidades como diarreia, cólera e amebíase, geraram 1,1 milhão de atendimentos e internações em unidades de saúde no país em 2023. Os dados do Ministério da Saúde mostram alta de 47,5% na busca por atendimento a esse tipo de doença, na comparação com o ano anterior, quando foram  807,26 mil casos. Um rombo de quase R$ 50 milhões em um ano para os cofres públicos na busca de salvar vidas de pessoas sem acessos básicos.   

A quantidade de pessoas que residem em casas sem banheiro em Minas é maior do que a população de 736 municípios do Estado. Em todo o país, cerca de 1,2 milhão de pessoas vivem sem nenhum banheiro ou sanitário, enquanto outras 5,4 milhões residem em lares com quatro banheiros ou mais. Olhando para a realidade de Minas Gerais, são 10.927 domicílios particulares permanentes ocupados sem acesso a sanitário.

Falta de saneamento tem ligação direta com adoecimento, segundo o coordenador de Vigilância em Saúde da Macrorregião Oeste de Minas, Alan Rodrigo da Silva. Ele explica que, com investimentos constantes em saneamento básico, o país poderia economizar meio trilhão de reais em recursos de saúde. “Para cada R$ 1 gasto em saneamento, R$ 4 são economizados em saúde”, disse. Segundo o Portal da Transparência, a União executou R$ 161,22 bilhões na área de saúde em 2023. “Se a cada real gasto em saneamento economizamos R$ 4, então teríamos cerca de meio trilhão de reais disponíveis”, conclui.

O gestor de saúde explica que muitas doenças de veiculação hídrica são graves, como a cólera e a hepatite A. Por isso, elas acabam gerando hospitalização e, consequentemente, mais gastos aos sistemas. “A falta de saneamento acarreta a contaminação de seres humanos e o adoecimento dessas pessoas, que procuram assistência em todos os níveis. E não raramente elas apresentam casos graves, com hospitalização em longos períodos”, explica.

Dados do Ministério da Saúde mostram que em 2023 pouco mais de 1,103 milhão de pessoas foram atendidas no âmbito ambulatorial, enquanto 88,2 mil foram encaminhadas para atendimentos hospitalares por doenças de veiculação hídrica. Estão incluídas nessa lista: cólera, febres tifoide e paratifoide, amebíase, giardíase, diarreia e gastroenterite, hepatite aguda A e hepatite aguda E.

No mesmo ano, o Sistema Único de Saúde (SUS) custeou R$ 11,8 milhões em atendimentos ambulatoriais e R$ 37,6 milhões em atendimentos hospitalares em função dessas enfermidades. No ano anterior, foram 724,5 mil atendimentos ambulatoriais no SUS, que teve um custo de R$ 8,69 milhões. Para os atendimentos hospitalares, quando há necessidade de internação, foram registradas 82.747 frequências e investidos R$ 34,2 milhões.

A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais foi questionada sobre gastos com essas doenças no Estado, e não apresentou os números. Porém, admitiu, em nota, que as “pessoas em condições de falta de saneamento têm maior probabilidade de contrair doenças relacionadas à falta de higiene, aumentando a demanda por serviços médicos e hospitalares”.

Um baque para as unidades de saúde do Estado, como lembra Silva. “Existem situações em que a internação é necessária para continuidade do tratamento. Alguns tratamentos de doenças transmitidas pela água duram meses. Algumas delas geram efeitos colaterais, e os infectados acabam voltando em busca de atendimento. E isso não impacta só uma pessoa; quando alguém é infectado, geralmente todas as pessoas daquela família precisam ser acompanhadas”, pontua.

Para a presidente executiva do Trata Brasil, Luana Pretto, o caminho para solucionar o problema pode estar na construção e na elaboração de políticas habitacionais que permitam, por exemplo, a construção de banheiros para a população carente. “É preciso ter política habitacional para que se tenha um diagnóstico e se busque parceria para realização e construção desses banheiros, com investimento do poder público. Precisamos de investimentos constantes em saneamento básico e de um plano estruturado, com as obras necessárias, para que recursos possam ser angariados. Com isso, reduzimos o número de doenças e trazemos maior escolaridade para o Estado”, afirma.

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