Os radares de velocidade média, já usados em países europeus como Itália e Portugal, podem ser adotados em rodovias que cortam Minas Gerais em um futuro próximo. Na BR-050, no Triângulo Mineiro, os aparelhos já estão em testes, sem multas efetivas. A Ecovias Minas-Goiás, concessionária responsável pela BR-050, acredita que os equipamentos possam começar a multar já no ano que vem. A empresa planeja em um segundo momento avançar a aposta para outras concessões, como na BR-135, MG-231 e LMG-754, no Norte de Minas, e na BR-116, entre Minas e Rio de Janeiro. A tecnologia calcula a velocidade de um veículo com base no tempo que ele leva para percorrer a distância entre dois pontos monitorados. Ou seja, não adianta frear apenas ao passar pelo equipamento.
Para os planos de adoção da medida de segurança se tornarem realidade, falta a homologação pelo Inmetro no Brasil. Depois, o sistema será analisado pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), que pode envolver o Congresso Nacional.
O novo modelo de fiscalização é considerado, por representantes de rodovias no país, como o último recurso para tentar reduzir as mortes no trânsito, já que o equipamento obriga o motorista a manter a velocidade máxima permitida durante o trecho fiscalizado. Na prática, o radar de velocidade média é colocado em dois pontos, o de entrada e saída. O equipamento registra as placas dos veículos e calcula a média de velocidade. Se essa média ultrapassar o limite permitido, o condutor é autuado por excesso de velocidade.
Os estudos do Inmetro iniciaram após um pedido da Ecovias Minas-Goiás. Eduardo Ribeiro de Oliveira, coordenador-geral executivo da Diretoria de Metrologia Legal do Inmetro, explica que, após a provocação por parte da concessionária, empresas fabricantes de radares se mostraram interessadas no novo equipamento em caso de aprovação.
Há mais de um ano o Inmetro analisa o pedido. Segundo Eduardo, a previsão é de que até o fim do ano haja pelo menos a minuta para ser discuta. Antes, deve haver uma consulta pública que não é capaz de reprovar a aceitação técnica, mas de aprimorar a homologação.
O fato de já ter um modelo em prática na Europa encurtou os prazos para a homologação. “Já temos exemplo lá de fora, seria um texto mais simples, apenas a inclusão de regulamento já existente. Esse processo de regulamentação é mais simples, mas varia para cada tipo de instrumento”, explicou.
Após a homologação, as empresas podem dar entrada no processo de aprovação do modelo, o que inicia uma nova fase de testes para averiguar se os instrumentos atendem ao regulamento do Inmetro. Com a chancela, o Inmetro publica uma portaria de aprovação do modelo, que é a autorização para aquele tipo específico entrar em operação.
Na prática, o radar só começa a autuar com a inclusão do novo modelo nas normas de trânsito. “É importante frisar que o Inmetro aprova instrumentos e garante as medições. Mas as partes relacionadas ao trânsito têm resolução do Contran que trata desses equipamentos. A etapa do Inmetro é uma dentro do sistema de trânsito. Saindo o regulamento, por exemplo, no final do ano, fabricantes solicitam a aprovação e isso de demora de 3 a 4 meses. Então em abril já estariam aptos a comercializar, mas se vão ser utilizados para fiscalização efetiva nessa época, aí é outra questão”, disse Eduardo Oliveira.
As pesquisas feitas até o momento indicam que o limite mínimo entre dois radares deve ser 500 metros por possíveis erros envolvidos na captura. Acima disso, em teoria, não teria limites, mas o sistema pode ser falho em locais com várias saídas e com distâncias em que o motorista não passaria pelo segundo ponto de fiscalização.
O Gerente de Operações Rodoviárias da Ecovias Minas-Goiás, Bruno Araújo Silva, liderou uma excursão no mês passado a Portugal, Suíça e Itália com autoridades do Inmetro, da Velsis – empresa brasileira parceira na operação de radares de velocidade da BR050 – e da Kistler, fabricante suíça de sensores HSWIM. Em Lisboa, a equipe foi recebida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) – equivalente à Senatran no Brasil. O órgão apresentou os resultados expressivos do uso de radares de velocidade média no país, com reduções de até 50% no número de mortes em trechos monitorados. Além da explanação técnica, os participantes acompanharam uma operação de aferição em campo.
Por parte da Ecovias Minas-Goiás, o projeto-piloto começou há dois anos. Bruno Silva disse à reportagem de O TEMPO que quando uma concessão assume a rodovia, são eliminadas todas as questões infraestruturais que contribuem com acidentes, como pavimento ruim, buraco, falta de sinalização e de iluminação, entre outras coisas, mas isso faz com que os motoristas abusem da velocidade. “A Ecovias Minas-Goiás, que administra a BR-050, fez 12 anos de concessão. A gente chegou em um ponto que ações de comunicação, de educação, campanhas de abordagem, panfleto e palestras para tentar mudar o comportamento não geram mais resultados. Tudo o que tinha físico e tangível para fazer já foi feito. O radar de velocidade média é a luz no fim do túnel para reduzir mortes. Não tem mais o que ser feito. No ano passado, mais de 60% das mortes aqui foram por falta do uso de cinto de segurança, mas a pessoa morre por falta de cinto por causa da velocidade excessiva”, detalha.
Em 2024, dados da Polícia Rodoviária Federal mostram que foram aplicadas 6,5 milhões de multas em todo o país por excesso de velocidade. Só em Minas Gerais foram 591 mil infrações registradas por esse motivo. No Brasil, 5,5 milhões de autuações foram feitas por motoristas que transitavam em velocidade superior à máxima permitida em até 20%.
Segundo o gerente de operações, alguns lugares tentaram implementar a fiscalização por velocidade média, mas sem sucesso, como é o caso de São Paulo. Bruno Silva alega que “não adianta falar de tecnologia de fiscalizar sem metrologia. Se não está homologado, não se fala de fiscalização e legislação”. Por isso, a concessionária pediu a homologação do Inmetro e, ao mesmo tempo, implementou a velocidade média como testes em um trecho de 11 km de maior número de acidentes em Uberaba.
“São dois pontos em que os radares já estavam lá e agem naturalmente. A gente só colocou um software que pega a placa no ponto A e B e calcula distância, tempo e velocidade média. Se eu juntar 12 meses, o radar normal fez 2.600 multas. Se a gente tivesse a velocidade média, seriam 160 mil multas. Isso mostra que o motorista só freia onde tem radar e depois acelera de novo. Outro caso, pegamos o usuário mais frequente na velocidade média. No radar da PRF, ele não tomou nenhuma multa, mas se tivesse o de velocidade média ele tomaria 105. Ele foi abordado e fizemos uma campanha educativa. Quando essas campanhas ocorrem, na semana seguinte há uma queda de 25% nas infrações (que não são aplicadas, só testadas). Depois esquecem de novo”, frisou.
Para aplicar no Brasil, o gerente pontua que é errado acreditar que serão monitorados 400 km de uma rodovia. Os trechos serão menores, incluindo a segmentação do atual ponto de testes em Uberaba. Bruno Silva declarou que “não precisa inventar, só copiar o que dá certo na Europa”.
Sobre a resistência de alguns motoristas, o gerente explica que ao contrário do que alguns pensam, a velocidade média permite que os condutores diminuam a possibilidade de multa, já que se entrar em um ponto acima da velocidade, é possível reduzir ao longo do trecho e, ao final, não ser multado. “E o mais importante, a população só vai entender o benefício disso quando diminuir as mortes”, finalizou.
Apesar de o teste ser realizado na Ecovias Minas-Goiás, que liga os dois estados, o grupo Ecovias é responsável por outras duas concessões em Minas, a Norte Minas e a Rio-Minas. Segundo Bruno Araújo Silva, esses novos radares, quando homologados, também podem ser aplicados nessas outras rodovias administradas pelo grupo.
A reportagem entrou em contato com o Ministério dos Transportes e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para repercutir o possível uso da tecnologia e, até a publicação da reportagem, os órgãos não tinham se manifestado.