Em Candeias

Família acusa clínica de torturar e matar dependente químico

Vítima foi levada de casa para centro de reabilitação no último dia 24

Por Michelyne Kubitschek
Publicado em 07 de junho de 2019 | 16:43
 
 
 
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A morte de um homem de 40 anos, internado involuntariamente em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos em Candeias, no Centro-oeste de Minas, será denunciada pela família da vítima, na próxima segunda-feira (10), no Conselho Estadual de Direitos Humanos.

Parentes do vendedor de queijos Marcelo Barbosa de Oliveira, 40, afirmam que o homem foi torturado e asssassinado por funcionários da clínica, com golpe conhecido como mata-leão, durante o trajeto de aproximadamente 120 km, percorrido da casa da vítima, em Piumhi, na mesma região, ao centro de reabilitação, em Candeias.

A intenção ao acionar órgãos de proteção aos direitos humanos, segundo parentes do vendedor, é cobrar providências de entidades como Ministério Público (MPMG) e Defensoria Pública no que diz respeito à abertura de investigação contra a clínica Mundo Novo Sem Drogas, para onde o homem foi levado na madrugada do último dia 24.

A denúncia será oferecida poucos dias após o presidente Jair Bolsonaro (PSL) sancionar lei que altera a política nacional de drogas e prevê, entre outras ações, a internação involuntária de usuários a pedido da família ou responsáveis legais. 

Membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos, o ex-deputado estadual Nilmário Miranda (PT), recebeu familiares de Marcelo nessa sexta-feira (7). "Além dessa, mais ações serão adotadas junto a outros órgãos da esfera nacional e até a ONU (Organização das Nações Unidas).

Entenda o caso

Uma depressão diagnósticada no começo de 2019 e resposta não satisfatória ao tratamento foram motivos que, segundo a família de Marcelo Barbosa de Oliveira, 40, levaram o homem ao vício em drogas como maconha, cocaína e, possivelmente, crack. Ele teria incluído o uso dessas drogas a medicamentos prescritos para o tratamento da depressão e ao uso de bebidas alcoólicas.

"Ele mudou muito, estava perdendo peso, adoecendo. Isso acendeu um alerta na família e pedíamos muito para ele se tratar. Nossa mãe insistiu, mas ele não dava ouvidos", revelou a advogada Flávia Barbosa de Oliveira, 35, irmã da vítima.

A insistência, segundo a família, foi em vão. Com as frequentes negativas, toda a família de Marcelo optou pela internação involuntária. "Ele dizia que ia 'sair dessa', que iria ficar bem, mas ele estava se afundando", contou a advogada.

Por meio de conversas com conhecidos na cidade e consulta a um site, a família decidiu internar o ente, mesmo contra a vontade dele, na clínica Mundo Novo Sem Drogas. "Disseram para gente que tinham toda a estrutura, médicos para atenderem meu irmão, que ele ficaria bom", lembra a irmã da vítima.

No dia da internação, a vítima, em companhia da mulher, recebeu a visita do cunhado da esposa, de sua irmã, de seus pais e da advogada, que aguardaram o homem adormecer para acionarem a equipe de remoção da clínica. Funcionários da clínica teriam chegado por volta de meia-noite, segundo a família, sem uniformes, equipamentos e carro apropriado.

"Vieram em um carro de 1989. Pegaram meu irmão com muita truculência, a gente começou a gritar, pedindo para pararem. Não pareciam ter técnica. Enfiaram ele no carro e saíram disparo para a clínica. Fomos atrás e vimos que, no caminho, os erros continuaram. Eles freavam e aceleravam repentinamente", comentou a irmã da vítima.

Ao dar entrada na clínica, o homem apresentaria marcas de agressões pelo corpo. "Estava com a boca inchada, sem uma unha no pé, com sangue no nariz e inconsciente. Claramente, já estava muito mal", contou a parente.

O homem teria sido levado ao setor de triagem, onde receberia banho e encaminhamento para o quarto, no entanto, a falta de reação do paciente teria motivado encaminhamento ao hospital Carlos Chagas. "Meia hora depois de chegar na clínica que viram que ele estava mal. No hospital, tentaram de tudo, mas o médico que fez o atendimento informou que a vítima provavelmente já estava morta quando deu entrada no hospital", afirmou a irmã da vítima.

O atestado de óbito da vítima aponta asfixia como causa da morte. Para o tratamento, seriam pagos R$1.000 pela remoção e R$1.000 por cada mês de internação. Os R$1.000 pagos pela família à clínica, no dia da tentativa de internação, foram devolvidos por funcionários da clínica em um batalhão da Polícia Militar, enquanto registravam a ocorrência. 

O que pensam especialistas sobre a nova lei de internação involuntária

Para o psiquiatra especialista em dependência química, Valdir Ribeiro Campos, a nova lei é positiva, pois "traz agilidade a processos antes judiciais. O que a família deve fazer é ficar atenta à estrutura e profissionais do local".

Para ele, em alguns casos, pacientes com quadro de dependência química que se negam a passar por tratamento "já têm comprometida essa capacidade de entender que ele tem essa necessidade", apontou o psiquiatra. 

Já para o membro do Conselho Federal de Psquiatria, Paulo Aguiar, "a internação involuntária, de forma arbitrária e sem nenhuma intermediação com o sujeito, família e a equipe, só vai levar a mais sofrimento".

Retornos

A reportagem não conseguiu contato com os diretores clínicos do Hospital Carlos Chagas. Funcionários da instituição preferiram não comentar o caso.

Segundo a Polícia Civil, o "inquérito está em estado de conclusão e aguarda laudos periciais. Dos quatro funcionários suspeitos presos temporariamente no último dia 31, e liberados, dois teriam envolvimento direto no caso", segundo investigações.

A clínica Mundo Novo Sem Drogas informou, por meio do advogado Daniel Limongi que "durante a remoção do paciente Marcelo Barbosa de Oliveira, foram usadas técnicas, instrumentos e modo de agir já utilizados em várias outras remoções". Afirmou ainda não ter havido "intercorrências anteriores de óbitos" e que todas as "exigências legais para o transporte foram seguidas". 

A reportagem de O Tempo entrou em contato com a Secretaria de Estado de Saúde e aguarda retorno. As ligações realizadas pela reportagem à Secretaria Municipal de Saúde de Candeia não foram atendidas

 

Mini-entrevista com Flávia Barbosa de Oliveira, irmã da vítima

Qual é a lembrança deixada pelo seu irmão?

A de alguém muito amado na cidade dele. Alguém que gostava de esportes, de pedalar, que era engraçado, que gostava da família.

Quais os planos que o Marcelo tinha para o futuro?
Meu irmão queria, mais do que tudo, viver. Estava investindo em um novo carro que seria usado para vender queijo. 

Que resultados a família espera após denúncias em entidades de proteção aos Direitos Humanos?

Que outras famílias não sofram como nós. A gente queria evitar a morte dele e ele foi morto.

 

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