"Já pediram para eu descrever a fome, mas é impossível. Só quem já ficou sem comer sabe como é desesperador. A fome não se explica, e ela existe para muita gente". Com os olhos brilhando e um sorriso no rosto, Ana Paula Taveiras, de 37 anos, conversou com a reportagem de O TEMPO, nesta quinta-feira (25), enquanto fazia a primeira faxina após a história dela viralizar na internet e expor as dificuldades que muitas pessoas passam.
O desespero de estar sem emprego e não ter nenhum alimento fez com que Ana Paula oferecesse seu trabalho de faxina em troca de uma refeição. Antes de pedir ajuda, ela ficou quatro dias apenas bebendo água.
A mulher fez a postagem no domingo (21) em um grupo do Facebook de economia colaborativa entre mulheres e a proposta chamou a atenção das participantes.
"Na quinta eu comi uns biscoitos e não tinha mais nada. Fiz a postagem na intenção de alguém da Leste (região Leste de Belo Horizonte, onde ela mora) pudesse ver e me ajudar. Postei por volta de 9h, e, minutos depois, a primeira mensagem chegou. Uma moça me ofereceu uma cesta básica", contou.
Ana Paula mora em uma república no bairro Esplanada. Vive em um quarto sozinha e compartilha a cozinha e o banheiro. Pela moradia paga R$ 350, valor que estão inclusos água, luz e internet. O último trabalho de carteira assinada foi em 2013, em uma empresa de telemarketing. Depois disso, ela pegou alguns bicos, vendeu produtos em sinais de trânsito, mas, nos últimos dias, não estava conseguindo dinheiro.
A rede de solidariedade, depois do post, invadiu a vida de Ana. "Eu recebi duas cestas básicas, uma designer reformulou meu currículo, vou ganhar roupas para que possa me apresentar melhor nas entrevistas de emprego e estou com faxinas agendadas até sábado. Eu não tenho como agradecer a essas pessoas", afirmou.
Se a maioria das respostas à postagem foi positiva, algumas outros internautas criticaram a atitude dela. "Mandaram que eu vendesse o celular para comer porque estava fazendo postagem na internet. Mas estava na rede social porque tem internet no local em que eu moro. Teve uma moça que mandou eu ir para zona para que pudesse comprar algum alimento. Eu não liguei para esses comentários porque eu só quero uma oportunidade de trabalho", destacou.
Almoço do domingo
No domingo do post, Ana foi convidada para almoçar. "Quero agradecer a Karina Rios, que me convidou para almoçar no domingo. Comi arroz, feijoada e carne assada. Foi uma tarde maravilhosa", afirmou.
Família de dona Dalma
A primeira oportunidade de trabalho surgiu nesta quinta, na casa da dona Dalma, no bairro Bonfim, região Noroeste da capital. Ana Paula chegou para a faxina às 9h e, além de trabalho, encontrou muito carinho e acolhimento.
"Vi o post no fim de semana e deu aquele baque. É impensável saber que em pleno 2019 ainda existem pessoas que passam fome. Pessoas que ficam dias apenas bebendo água. Minha mãe já passou dificuldades, tem uma história de luta. Contei o que tinha acontecido e, como a casa dela também precisava de uma faxina, chamamos a Ana", explicou Camila Abranches, de 38 anos, filha de dona Dalma.
Na casa, em que vive também o senhor Antônio, avô de Camila, todos receberam Ana de braços abertos, e também ajudaram na faxina.
"É gratificante ver a felicidade da Ana Paula agora, apesar de todos os problemas e sofrimento. A gente sabe que a crise está geral. Poder ajudar é muito bom. Já combinamos que toda a quinta ela vai fazer faxina aqui. Quanto mais você ajuda, a nossa vida melhora", finalizou.
Ana não vê o filho há dois anos
Outro assunto que preocupa Ana Paula, até mesmo mais que a fome, segundo ela, é a distância do filho de 4 anos. "Há dois anos não vejo e converso com meu filho. Ele vive com a filha de criação da minha mãe, com quem eu não tenho nenhum vínculo. Ele foi tirado de mim injustamente com várias acusações infundadas", afirmou Ana.
De acordo com a mulher, nem foto da criança ela tem acesso. "Quando posso mando um presente em aniversário, Natal. É uma injustiça não ver meu filho nem mesmo por uma visita assistida acompanhada por um assistente social. Pior que a fome é ficar sem ele. Espero que eu consiga reverter essa situação", finalizou.