Há oito meses, a idosa Ana Maria da Silva Miranda, 65, aguarda para realizar uma histeroscopia, exame ginecológico que permite identificar eventuais alterações dentro do útero. O procedimento foi indicado como de prioridade máxima por médicos em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, e precisa de uma Autorização de Internação Hospitalar (AIH) para ser feito. No entanto, com a suspensão das cirurgias eletivas (não consideradas de emergência) devido à pandemia do coronavírus, a espera por uma vaga aumentou. A prefeitura da cidade afirma que não tem como mensurar quantos atendimentos deixaram de ser feitos desde março do ano passado, mas confirma que há uma demanda reprimida e que tem atendido no momento pacientes que deram entrada na central de regulação em 2019.
Segundo o município, os agendamentos são feitos pela ordem cronológica da chegada dos pedidos e pela classificação de prioridade, com base em critérios da Política Nacional de Regulação do SUS. “A equipe de regulação avalia critérios de maior ou menor urgência clínica para o caso de alguma situação específica com classificação na mesma prioridade”, informou a prefeitura.
“No ano passado, minha mãe foi em uma clínica particular popular, onde foi constatado espessamento do útero alterado. A médica disse que o exame era caro e falou que minha mãe deveria procurar o posto de saúde. Em janeiro, minha mãe foi ao posto do Ressaca (em Contagem), que a atendeu normalmente. Só que eles perderam o pedido de exame da clínica particular”, contou a filha de Ana Maria, Kênia Mara de Miranda, 42.
Em maio, a idosa voltou ao centro de saúde do Ressaca para nova consulta, e, segundo Kênia Mara, a ginecologista colocou o exame como prioridade. Em julho, sem previsão de data para o procedimento, a Ouvidoria Municipal do SUS de Contagem foi acionada. “Fui informada, através de e-mail, que não estava sendo feito (o procedimento) devido à pandemia”, detalhou Kênia Mara.
A Prefeitura de Contagem alega que a suspensão foi uma orientação da Secretaria de Estado de Saúde (SES). Atualmente, no município, os atendimentos eletivos são realizados de forma gradual.
Avaliação
O presidente da Associação Médica de Minas Gerais, Fábio Guerra, diz que a suspensão das eletivas foi necessária. “Nós tivemos um período atípico em que a saúde teve que voltar sua atenção mais emergencial para os pacientes de Covid-19. O que nós estamos vendo agora é que, com a melhora dos indicadores em relação ao coronavírus, os serviços estão sendo retomados, tanto da saúde suplementar como do SUS. E o que a gente espera é que os serviços utilizem critérios de priorização para que essas cirurgias que estão represadas sejam feitas de acordo com a necessidade desse prazo relativo que cada uma tem”, afirmou.
Segundo ele, mesmo não sendo de urgência e emergência, esses procedimentos devem ser feitos com a maior brevidade possível. “Existem procedimentos que podem esperar um pouco mais, outros que podem esperar um pouco menos, dependendo da especificidade de cada caso clínico”, explicou o médico.
Mutirão
A Prefeitura de Contagem informou que pretende realizar um mutirão para dar celeridade às cirurgias eletivas represadas. No entanto, “adequações ainda são discutidas”.
Demora pode levar a diagnóstico tardio
A histeroscopia, aguardada pela paciente Ana Maria da Silva Miranda, é considerada um procedimento simples, mas importante para identificar doenças. “É um exame semelhante a uma endoscopia do estômago, mas feita no útero. Introduz sem cortes, pela via vaginal mesmo, uma câmera dentro do útero para avaliar possíveis patologias”, explicou Eduardo Cunha da Fonseca, diretor da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig).
Segundo o profissional, a demora na realização do procedimento atrasa a identificação de possíveis doenças e, consequentemente, o início do tratamento. “Depois da menopausa, a parte interna do útero fica fina. Quando ele está espessado, pode ter alguma alteração, desde uma coisa benigna até uma doença maligna”, explicou Fonseca.
“Minha mãe não está sentindo nada em relação ao útero, mas ficamos preocupados com a demora”, diz Kênia Mara de Miranda, filha de Ana Maria.
Na capital, 33 mil pessoas aguardam por procedimentos
Com a redução dos indicadores do coronavírus em Belo Horizonte, a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) de Belo Horizonte retomou em 23 de julho de 2021 as cirurgias eletivas na rede SUS. Atualmente, 33 mil pessoas residentes na capital ou nos mais de 500 municípios pactuados com a SMSA aguardam na fila pela realização de cirurgia eletiva em 18 especialidades.
As maiores filas são nas áreas de otorrinolaringologia, ginecologia e cirurgia plástica. De acordo com a pasta, é realizado “o monitoramento detalhado dos estoques dos fármacos utilizados nos procedimentos de ventilação mecânica e manutenção da sedação dos pacientes, bem como da ocupação dos leitos, de forma que possam ser rapidamente revertidos para atendimento à Covid- 19, caso necessário”.
Estado
Desde o início da pandemia, o governo de Minas precisou suspender por várias vezes as cirurgias eletivas. A primeira vez foi em 22 de março, e o retorno de forma gradual foi autorizado em outubro. No entanto, em dezembro, houve nova interrupção. Em 16 de fevereiro deste ano, outra deliberação suspendeu, por 15 dias, os procedimentos eletivos. Atualmente, a realização das eletivas depende da onda em que o município se encontra, da situação em relação a medicamentos de intubação e do prestador de saúde.