Minas

Fiscalização de trabalho escravo é menor 15 anos após Chacina de Unaí

Segundo Ministério da Economia, em 2004 foram feitas 120 ações contra apenas 41 no ano passado

Por Tatiana Lagôa
Publicado em 28 de janeiro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Nesta segunda-feira (28), completam-se 15 anos que três auditores fiscais do Ministério do Trabalho e um motorista da instituição foram assassinados enquanto investigavam o possível uso de mão de obra escrava em fazendas no Noroeste de Minas Gerais, episódio conhecido como a “chacina de Unaí”. De 2004 para cá, a luta contra a escravidão vem crescendo no mundo, onde existem mais de 40 milhões de pessoas nessas condições, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Mas, no caminho contrário, as fiscalizações diminuíram 24% no Brasil e 65,8% em Minas no mesmo período.

Segundo dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho, ligada ao Ministério da Economia, 264 estabelecimentos foram alvos de fiscalizações em propriedades rurais e urbanas em todo o Brasil ao longo de 2004, ano em que ocorreu a emboscada contra os auditores fiscais do trabalho. No ano passado, esse número caiu para 200. Em Minas Gerais, passou de 120 para 41.

Um dos fatores para o afrouxamento no combate ao trabalho escravo no país é a falta de profissionais. “A auditoria perdeu mais de mil vagas nesse período no Brasil. Estamos com menos agentes públicos para fazer o enfrentamento. Só em Minas Gerais, poderíamos ter pelos menos 150 profissionais a mais”, afirma o auditor que coordena o projeto de combate ao trabalho escravo em Minas e presidente da Delegacia Sindical Mineira, Marcelo Campos. O Estado tem, atualmente, 239 auditores.

No Brasil, existem 2.663 profissionais na ativa. É o menor efetivo desde o ano de 1990, quando 3.285 atuavam. “Uma média de cem profissionais se aposenta a cada ano. E o último concurso, de 2013, possibilitou a contratação de cem pessoas. No mesmo ano, aposentaram-se 180. Então, não houve reposição nem da perda do efetivo de 12 meses”, explica o chefe da Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério da Economia, Maurício Fagundes. Segundo ele, não há previsão de novo concurso. Questionado, o ministério não informou sobre essa possibilidade.

Política de governo

De acordo com a vice-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Rosa Maria Campos Jorge, a fiscalização também sofreu um revés por não ter sido o foco do governo anterior. “É preciso que haja investimento e um direcionamento para que o combate ao trabalho escravo cresça. Mas não era o que estava acontecendo”, afirma.

O resultado de menos inspeções é que fazendeiros e empresários ficam mais audaciosos e infringem mais a lei. Tanto que, em 41 estabelecimentos fiscalizados no ano passado no Estado, foram encontrados 813 trabalhadores em condições análogas à escravidão. Em 2004, em 120 inspeções, foram descobertos apenas 19.

 

Trabalhadores ganharam mais proteção

A chacina de Unaí forçou uma mudança no trabalho de fiscalização em todo o país. Alguns Estados, como Minas Gerais, ganharam equipes específicas para o combate ao trabalho escravo, e os profissionais passaram a ser escoltados por policiais federais. A data do fato também passou a ser Dia do Auditor Fiscal do Trabalho e Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

“A situação foi tão traumática que tivemos que rever a forma de trabalhar. E o fato de as pessoas apontadas como mandantes estarem soltas traz mais insegurança ainda para a categoria”, afirma o presidente da Delegacia Sindical Mineira, Marcelo Campos.

As investigações da chacina apontam como mandantes do crime os irmãos Antério e Norberto Mânica. Ambos estão em liberdade. Em novembro, Norberto assumiu o crime, anulando o julgamento de Antério, que será refeito.

Mudança na lei

Até 2003

O artigo 149 do Código Penal Brasileiro previa pena apenas para o ato de reduzir alguém à condição análoga à de escravo, mas não dava detalhes sobre quais situações se enquadravam nesse perfil.

Em 2003

Uma mudança legislativa especificou o que seria essa condição análoga à de escravo, como a submissão à jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho, por exemplo.

Em 2017

O ex-presidente Michel Temer (MDB) publicou portaria que definia o trabalho escravo apenas quando há privação do direito de ir e vir. Muito criticado por diversos órgãos e instituições nacionais e internacionais, o governo voltou atrás na decisão e revogou a norma.

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