SAÚDE NOS TRIBUNAIS

Gasto com ações judiciais contra o SUS chega a R$ 2,4 bilhões em Minas Gerais

Dinheiro pago por Minas em processos é maior que dívida do Estado com hospitais

Por Tatiana Lagôa e Isabela Abalen
Publicado em 27 de novembro de 2023 | 03:00
 
 
 
normal

A guerra judicial travada pelos brasileiros para acesso à assistência médica onera os cofres públicos e, em última instância, impacta a capacidade de investimento na rede assistencial. Desde 2018, o custo judicial na área para o governo de Minas Gerais bateu na casa dos R$ 2,4 bilhões, segundo levantamento do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). O montante gasto nesse período com demandas da saúde não supridas é cinco vezes maior que a dívida de R$ 440 milhões que o próprio Estado acumulou desde 2017 com os hospitais filantrópicos, responsáveis por realizar 70% dos atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em terras mineiras. 

A dívida que o Estado tem com os hospitais é referente a três anos em que o governo não repassou o recurso combinado para ajudar no custeio das unidades de saúde. O governador Romeu Zema (Novo) prometeu quitar o valor não pago. Porém, até que isso aconteça, os mais de 300 hospitais filantrópicos presentes em Minas Gerais, como Santa Casa, Hospital da Baleia e a maternidade Sofia Feldman, convivem com dívidas milionárias e têm a capacidade de atendimento reduzida. 

Um problema que, segundo a presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos de Minas Gerais (Federassantas), Kátia Rocha, afeta o Estado todo. “Falta de recursos em hospitais filantrópicos é muito impactante porque em Minas eles não complementam a rede do SUS, e sim são praticamente a rede pública, já que fazem a maior parte dos atendimentos gratuitos no Estado”, explica.

Parte dessa demanda não atendida pela rede por falta de recursos chega à Justiça. O governo, então, é forçado a arcar com o custo negado inicialmente. O valor pago pelo Estado após derrota nos tribunais por assistência não prestada na saúde, conforme o Conass, é de R$ 36,3 milhões ao mês.

Para Kátia, trata-se de um problema estrutural: “O fato é que a capacidade de atendimento da rede está aquém das necessidades do cidadão. Enquanto o pagamento não estiver em dia, não há possibilidade de ampliar a cobertura na mesma proporção da necessidade hoje existente, e isso gera uma insatisfação por parte de quem precisa de assistência”, diz. 

Outra necessidade apontada por ela como urgente seria o aumento dos valores pagos por serviços prestados. “A diária de UTI varia de R$ 600 a R$ 900, mas o próprio governo federal admitiu na pandemia que seria necessário pagar R$ 1.600 para ampliar a rede. Mas, passado o período mais crítico da pandemia, o governo voltou a estipular o pagamento mais baixo. Enquanto isso, os hospitais estão com uma dívida tão alta que eu nem me arrisco a falar um número, porque cresce a cada dia. São dívidas com funcionários, fornecedores, Fisco, de toda ordem”, explica Kátia. 

O Hospital da Baleia, em Belo Horizonte, já acumula um endividamento de quase R$ 90 milhões. Só no ano passado, a unidade realizou 644 mil procedimentos. Mas poderia ter feito mais, como explica a gerente de mobilização e recursos, Danielle Ferreira. “A má remuneração dos procedimentos gera uma cadeia de problemas porque inviabiliza a realização de alguns procedimentos. O paciente, então, judicializa, e o Estado vai pagar mais caro porque precisa comprar, por exemplo, uma prótese de urgência e não consegue negociar menores preços, como fazemos ao adquirir maiores quantidades”.

Danielle explica que alguns desses procedimentos custam mais de R$ 100 mil e, por isso, não são realizados em um primeiro momento nos hospitais. “Vai além da vontade do hospital de executar o procedimento porque eu tenho que pagar o fornecedor antecipado. Mas como fazer isso se não tenho dinheiro? E estamos falando é de próteses a custos de R$ 200 mil”, explica.

Judiciário tenta conciliação para agilizar assistência

Para evitar um colapso financeiro da saúde pública e agilizar a prestação da assistência, há uma busca de alternativas à judicialização por parte de integrantes do próprio Judiciário. A estratégia torna o acesso à saúde “mais rápido, econômico e eficiente”, segundo o defensor público Bruno Barcala. 
Em alguns casos, o paciente recorre ao órgão por falta de informação. Por isso, a primeira opção dos defensores é tentar mostrar os caminhos certos para a busca da assistência. “A gente judicializa o que tem fundamento”, diz Barcala. 

No TJMG, foi criado o projeto Saúde em Consenso para tentar reduzir a elevada judicialização, com rodas de conversas, conciliação e análises embasadas pela avaliação de especialistas das áreas. “Buscamos que os envolvidos cheguem a acordos. O Supremo Tribunal Federal (STF) também discute caminhos”, afirma o desembargador Alexandre Quintino Santiago. Ação necessária, para o pesquisador Fausto Pereira dos Santos, da Fiocruz Minas. “A saúde tem orçamento previsto. Então, a judicialização pode inviabilizar políticas importantes para a área”, diz. 

O que diz o Governo sobre o tema?

O Ministério da Saúde disse que trabalha para aprimorar o atendimento das demandas judiciais de saúde direcionadas à União. O órgão citou a criação do Departamento de Gestão das Demandas em Judicialização na Saúde como “medida estratégica” para aperfeiçoar a avaliação de processos e otimizar os procedimentos de aquisição e dispensação de medicamentos. A Secretaria de Estado de Saúde foi procurada, e não se pronunciou. A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) também não se posicionou.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!