Um grupo de congado do bairro Urca, na região da Pampulha, em Belo Horizonte, denuncia ser alvo de intolerância religiosa. Os integrantes enfrentam dificuldades em participar de missas e até mesmo de realizar a tradicional celebração da Festa do Rosário. Para manter a tradição, os membros do grupo tiveram, inclusive, que pagar alguns padres de outras paróquias para que pudessem celebrar as missas.
De acordo com o presidente e Capitão-Mor da Guarda de Congo Nossa Senhora do Rosário Urca Pampulha, Gleisson Rodrigues, no dia da tradicional festa, celebrada sempre no terceiro domingo de novembro, e que neste ano coincidiu com o Dia da Consciência Negra, a missa não foi celebrada por alguns impedimentos. "O padre não quis celebrar. Ele disse que nunca vai celebrar uma missa de congado e que a gente teria que procurar algum que gosta", contou. O festejo contou com 28 guardas de Congado e com cerca de 2000 pessoas.
Seis dias após o impedimento para celebrar o rito religioso, o mesmo padre teria negado a abençoar os integrantes do grupo. O caso ocorreu na Igreja Nossa Senhora Aparecida, no sábado (26 de novembro). "Nós paramos em frente ao altar, após a missa, e começamos a cantar uma música tradicional. A letra diz: O senhor padre, venha cá fora, venha ver os pretinhos de Nossa Senhora. E ele não veio", relembrou o capitão. Segundo Rodrigues, o padre só abençoou o grupo depois de muita insistência dos membros. "Uma mulher que estava arrumando o altar falou com ele e só depois ele abençoou. Fez o sinal da cruz e disse que a gente já tinha sido abençoado na missa", relembrou.
A insatisfação do grupo não está restrita aos últimos episódios. Os integrantes contam que o descaso com os integrantes começou desde que a Igreja começou a fazer parte da Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora, no bairro Confisco, também na região da Pampulha. "Desde que a comunidade virou paróquia, o padre começou a atacar a gente, impedir as nossas celebrações", apontou Gleisson.
Para ele, essa sequência de ataques, além de caracterizar intolerância religiosa, é também uma tentativa de destruir uma manifestação cultural que ocorre na região há cerca de 50 anos. "A nossa Igreja do Urca foi construída para o Congado. Ela contou com o trabalho de presidiários e com o recursos de famílias que vendiam maçã do amor no centro da cidade. Isso que acontece hoje é um ataque também a nossa história", relatou.
Em nota, a Arquidiocese de Belo Horizonte informou que nos últimos dois anos o grupo se ausentou de celebrações previamente agendadas e com apresentação de Congado. A Arquidiocese disse ainda os integrantes do grupo interromperam algumas celebrações litúrgias e que, por esse motivo, um boletim de ocorrência foi registrado. "A convivência das muitas comunidades e grupos que integram a Paróquia pedem igual respeito a planejamentos e normas de convivialidade", disse em nota.
O que disse a Arquidiocese de Belo Horizonte
A Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora, bairro Confisco, sempre acolhe com muito respeito e reverência o Grupo de Congado do bairro Urca, inclusive em Festas especiais que integram o calendário da Igreja Católica. Infelizmente, nos últimos dois anos, este Grupo não esteve presente nas celebrações previamente agendadas com a programação da apresentação de Congado. Também não comunicou à Paróquia sobre a impossibilidade de comparecer a essas celebrações. Neste ano, por exemplo, estava prevista a celebração com o Grupo de Congado no último dia 20, às 16h30. Nesse dia, a Igreja planejou o rito contemplando a apresentação do Grupo, que não compareceu, nem comunicou aos organizadores sobre a sua ausência da celebração. A Paróquia lamenta muito que o Grupo não tenha se sentido acolhido durante a Missa do dia 26, mas esclarece que todas as atividades pastorais requerem, em respeito aos fiéis, um planejamento cuidadoso – nada pode ser feito de improviso, especialmente quando se trata dos momentos de oração com a presença dos paroquianos. No dia 26, a homilia da Missa - quando são refletidas as leituras bíblicas -, foi interrompida com cânticos pelo Grupo, que chegou repentinamente, tendo surpreendido os fiéis presentes e desrespeitando os atos programados previamente para a celebração da Missa. Importante esclarecer: conforme o rito da Igreja, todos os fiéis, indistintamente, ao final de cada celebração, receberam a bênção, mas o Grupo de Congado, ainda assim, entoou “palavras de ordem”, exigindo atenção especial do padre.
A Paróquia informa que o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Contagem foi oficialmente comunicado sobre o modo como o Grupo de Congado interrompeu a Missa. Também foi registrado boletim de ocorrência. O sacerdote dedica-se à Paróquia há quase nove anos e sempre acolheu a todos, respeitando a tradição do Grupo de Congado do bairro Urca. Mas a convivência das muitas comunidades e grupos que integram a Paróquia pedem igual respeito a planejamentos e normas de convivialidade.