Situações como cantar o hino nacional em sala fechada, sob efeito de gás lacrimogênio e gás de pimenta, realizar atividades físicas sem levar em condição critérios biomecânico dos praticantes e exposição a situações humilhantes diversas faziam parte da rotina de guardas municipais em formação, da cidade de Caçapava, no interior de São Paulo, segundo ação ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho de São José dos Campos, no mesmo Estado.
Classificado como "à beira da tortura" pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Caçapava, o treinamento de agentes vai precisar se adequar às recomendações judiciais ajuizadas pelo MPT, baseada em uma ação trabalhista de 2010. No documento, um guarda municipal informa condutas consideradas ofensivas. Na ocasião, o homem foi atingido por spray de gás de pimenta no rosto, fato que, segundo ação, foi confirmado por um dos responsáveis pela condução do curso, em 2013.
“Nos treinamentos ocorriam demonstração da utilização de arma de eletrochoque em guardas que se voluntariavam ou que eram escolhidos, prática de paint ball com proteção apenas no rosto e olhos, utilização sem treinamento de gás de pimenta, gás lacrimogênio aplicado em sala fechada com proibição de abandono da posição e determinação de ser cantado o Hino Nacional, transporte de 20 guardas na carroceria de caminhões com capacidade para seis pessoas e treinamento em água e barro sem roupa adequada”, destacou a decisão.
Humilhação
Uma perícia realizada nas dependências da Guarda Municipal constatou também que, além das situações mencionadas pelo MPT, os treinamentos incluíam xingamentos, zombarias, escárnios e a prática de "pagar flexão", sem levar em consideração a capacidade física dos agentes.
“Restou caracterizado que no posto de trabalho as condições eram ergonomicamente sem instruções quanto aos riscos, meios de limitação e prevenção, tendo havido violência moral e física”, concluiu a perícia.
Condenação
Sob pena de R$20 mil para cada item descumprido, o MPT determinou ao município adequação dos treinamentos “de modo que não haja prejuízo à integridade física e psíquica dos treinandos”, e, ainda, que as capacitações sejam precedidas de orientação sobre normas de segurança.
Para a relatora do acórdão, desembargadora Larissa Carotta Martins da Silva Scarabelim, não procede a alegação de recurso da prefeitura da cidade, que alegou que os integrantes da Guarda Municipal “ocupam cargo público de natureza peculiar e necessitam vivenciar situações adversas, sendo, portanto, justificáveis os treinamentos”.
A relatora lembrou que, uma vez contratados, os guardas municipais pela CLT, “incidem todas as normas de proteção ao trabalhador e segurança da ambiência laboral” e, no que tange aos treinamentos, “não houve menção na exordial a respeito do mérito da sua necessidade”.
Em relação ao gás de pimenta, por exemplo, foi dito que durante uma abordagem real “existe a possibilidade de, havendo vento em sentido contrário, aquele que o utiliza receber contra si os efeitos de tal produto”, sendo necessário que a pessoa saiba como proceder de forma rápida e segura para, até mesmo, evadir-se em caso de eminente risco a sua integridade”.
Os argumentos não foram aceitos pelo colegiado, que confirmou a sentença e obrigações a fazer do município.
Defesa
Ainda de acordo com o documento, o município tentou se defender e chegou a alegar que as situações vivenciadas pelos agentes durante período de formação ou reciclagem eram necessáriasa, pois representam "condições que eventualmente ocorreriam em seu trabalho”.