Liberação para esportes náuticos e pesca, implantação de táxis aéreos e até transformação em “mar”. Desde a fundação da lagoa da Pampulha, há 80 anos, foram muitas as promessas de mudanças e melhorias da represa. Para além desses “sonhos” que não saíram do papel, está uma realidade bem diferente. Na prática, o que se vê é um lago artificial sujo, que recebe todos os dias quase 4 milhões de litros de esgotos não tratados, vindos de oito córregos que deságuam na represa.
Para se ter uma ideia do volume, se esse cenário permanecer, em apenas sete anos a quantidade de rejeitos lançados na lagoa vai se igualar à capacidade da represa, de 10 bilhões de litros de água. A projeção leva em conta dados da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) de que aproximadamente 25 mil pessoas estão sem coleta regular de esgoto nas proximidades dos cursos d’água que deságuam na Pampulha.
Elas vivem em Belo Horizonte e Contagem, na região metropolitana. E cada pessoa é capaz de gerar 150 L de esgoto por dia, segundo estimativas das agências brasileiras reguladoras de esgotamento sanitário.
A Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura de Belo Horizonte informou, em nota, que essa poluição vinda do lançamento de esgotos e outras fontes, como a lavagem do solo pelas chuvas, é um dos desafios para manter o lago limpo. “A área da bacia hidrográfica da Pampulha, além de ser muito populosa, tem muitas ocupações irregulares, o que demanda diversas intervenções de infraestrutura para que sejam diminuídas as emissões de esgoto irregular”, diz o texto.
Sujeira
A sujeira ficou mais evidente para a população nos últimos sete meses, quando venceu o contrato com a empresa responsável pelo serviço. Nesse período, a lagoa ficou sem o tratamento feito pelo Consórcio Pampulha Viva. Com produtos, eles reduziam o excesso de matéria orgânica e coliformes fecais na água, além de controlar a quantidade de algas no local. O serviço foi retomado na última terça-feira e deverá fazer com que a água volte ao nível 3 – que permite esportes náuticos – nos próximos seis meses.
Vendedor de água de coco na orla há três anos, Gelson Antônio Santana viu o movimento cair por causa do odor causado pela sujeira. “Estou vendendo cerca de 20% menos porque as pessoas não querem parar aqui com esse cheiro. Eu conheço essa lagoa desde pequeno e antes tinha até barco aí de tão limpa. Uma pena estar assim”, afirma.
O aposentado George Marques, 70, também lamenta. “Isso aqui está uma vergonha. Eu caminho aqui três vezes por semana e fico fugindo dos pontos com cheiro pior”, diz.
A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) informou estar investindo em redes coletoras de esgoto para reduzir os rejeitos lançados na água, mas que não tem poder legal para obrigar a população a aderir ao sistema de esgotamento. O que a empresa tem feito é mobilização social.
Irregulares
Fiscalização. A equipe de vigilância sanitária de BH adverte e multa casas sem ligação de esgoto. A multa chega a R$ 2.898. Em Contagem, a prefeitura também penaliza os infratores.
Regional é a segunda com mais depredação
Toda a orla e o conjunto arquitetônico, considerado Patrimônio Cultural da Humanidade, também são alvo de depredação. A regional é a segunda que mais tem ataques de vandalismo registrados pela Guarda Municipal, atrás da Centro-Sul.
Segundo a Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção, de janeiro a setembro deste ano, foram 57 ocorrências de danos por pichações ao patrimônio público na Pampulha. Na Centro-Sul foram 69 casos no período.
A prefeitura gastou, de janeiro deste ano até o último dia 3, R$ 13,7 mil para limpar as pichações nas proximidades da lagoa.
Iluminação
Nem os postes de iluminação pública são poupados pelos vândalos. Segundo a BHP, concessionária responsável pela manutenção do serviço na cidade, foram 193 atendimentos por causa de ataques às luminárias até a semana passada.
Situações como essas tiram um pouco do encanto do cartão-postal, avaliam turistas. Casados, Teresa Cristina de Souza Vilas Boas, 59, e Reinaldo Vilas Boas Pereira, 56, saíram de São Paulo para conhecer o local, mas se decepcionaram com o que viram. “A gente esperava mais. O lugar é muito bonito, mas a lagoa tem um odor forte, e o complexo poderia estar mais bem cuidado”, disse Cristina.
Em nota, a Guarda Municipal informou que, para impedir vandalismos na orla, faz patrulhamento ininterrupto com agentes a pé, em bicicletas, moto e viaturas. Procurada, a PM não respondeu até o fechamento desta edição.
Sem peixe
“Eu pesco aqui todo dia, mas a sujeira está tanta que nem peixe estou conseguindo pegar. Aqui está cheio de lixo e lodo. O cheiro está insuportável.”
Cleyder Kenedy, 21
Desempregado
Solução paliativa
“Não adianta fazer qualquer investimento nessa lagoa se não corrigirem os problemas nos córregos que caem aqui. Fica sendo tudo paliativo.”Jorge Durzi, 70
Aposentado