“Existe toda uma cobrança para ser um homem que a sociedade imagina como homem”. O relato é do comunicador Willian Martine, um homem gay de 27 anos, que concilia a sua rotina entre o trabalho, os momentos de lazer e os cuidados com a saúde mental. Ele começou a frequentar as sessões de terapia, que são feitas semanalmente, para reverter o quadro de ansiedade e também o de princípio de depressão. “Eu me cobrava muito. Era em relação ao profissional, de querer conquistar algo no mercado de trabalho, de possuir bens materiais, de alcançar tudo aquilo que a sociedade determina que a gente precisa ter”, relata.
Willian Martine representa uma história, mas não a única de exposição ao risco de depressão. Um quadro de adoecimento mental que atinge principalmente as minorias sexuais. Uma pesquisa desenvolvida por estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apontou que a população de lésbicas, gays e bissexuais (LGB) têm a saúde mais comprometida na comparação com a população geral. O levantamento apontou uma incidência de até seis vezes mais que a média de toda a população mineira.
O estudo, conduzido pelo pesquisador e professor do Departamento de Demografia da UFMG, Samuel da Silva, revelou que a prevalência de episódios de depressão entre lésbicas, gays e bissexuais é de 32,67%. Um índice expressivamente maior que o da população geral de Minas Gerais, que é de 5,45%, e do Brasil, de 5,56%. A pesquisa buscou investigar o suporte do Sistema Único de Saúde (SUS) a pessoas LGBT em todo o Estado. A análise foi feita a partir de um questionário que obteve 754 respostas e entrevistou presencialmente 33 pessoas LGB de Minas. Silva explica que, caso a população trans tivesse sido incluída na pesquisa, a incidência poderia ser ainda maior. “Não incluímos a população trans em razão de suas especificidades”, diz, ao lembrar que se trata de uma população ainda mais exposta à violência.
“A gente até esperava por esse resultado por todo o estigma e preconceito que essa população enfrenta. Mas o que mais assustou é o diferencial dessa prevalência do risco de depressão para esse grupo”, aponta o pesquisador. Para Samuel da Silva, outro ponto destacado pelo estudo é de que essa exposição ocorre principalmente durante a adolescência e a juventude. “Na população geral, essa exposição é mais comum em pessoas mais velhas, que moram sozinhas. Mas, em relação a lésbicas, gays e bissexuais, isso é o contrário. E a família tem um papel crucial nessa questão”, alerta.
Foi o que enfrentou o estudante Caíque Belchior, de 23 anos. Durante a adolescência, quando decidiu contar para a família sobre a sua bissexualidade, ele se tornou vítima de diversos e repetidos discursos bifóbicos (de aversão à bissexualidade). “O sentimento era de não pertencer à minha própria família justamente por causa da reprodução de tantas violências. E tudo isso acontecia no espaço que deveria ser acolhedor, onde eu deveria me sentir mais seguro”, relata. Esse sentimento de exclusão se repetia também no ambiente escolar, onde, segundo ele, vários questionamentos e medos acompanhavam a sua rotina. “Tinha vergonha de ser a criança que é zoada pelos amigos. Eu sentia que eu era diferente, mas não sabia dizer qual era a questão”, relembra Belchior.
O cenário vivenciado por Belchior foi identificado no estudo desenvolvido pela UFMG. A pesquisa apontou uma relação direta entre gênero, idade e suporte familiar no desenvolvimento da identidade sexual e na saúde mental dessas minorias. O levantamento apontou uma diferença no tempo de homens e mulheres entre se perceber LGB e comunicar esse fato às outras pessoas.
Além disso, o estudo constatou que mudanças legais associadas ao tema, como a liberação do casamento entre pessoas do mesmo gênero e da adoção de crianças por casais homoafetivos, não necessariamente se refletiram em alterações na situação familiar dessas pessoas. Para o psicanalista José Stona, isso pode ser compreendido, já que, muitas vezes, as famílias também se tornam “vítimas” por estarem submetidas à mesma lógica normativa cis-hétero. “Às vezes, elas não têm ferramenta para, pensando diferente, sair de uma certa culpa narcísica. É comum que elas se questionem: o que eu fiz de errado?”, explica.
Stona indica que, além desses problemas, muitas famílias enfrentam dificuldade de entender os desejos dos filhos. “Talvez, para essas famílias, o que falte é o reconhecimento de que a melhor coisa que se pode desejar é que os filhos não sejam o que os pais sonharam, mas que eles sonhem os próprios sonhos, tenham seus próprios desejos e criem a si mesmo a partir de uma lógica que faça sentido a eles, e não aos outros”, complementa. O psicanalista orienta que, na ausência dessa compreensão pela família, é importante que a vítima – nestes casos, a população LGB – ressignifique a sua rede de convívio. “Essa ‘rede’ é imprescindível para que qualquer pessoa possa viver a sua vida, mas, mais que isso, para que o sujeito encontre um suporte físico, material e psíquico. Um porto seguro que ofereça um olhar de reconhecimento, sem preconceitos, onde cada um possa inventar a si mesmo da forma mais singular que puder”, sugere.
Independência financeira como “libertação” dessas violências
A análise das respostas da pesquisa desenvolvida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apontou que a população LGB encontra na independência financeira uma alternativa para se livrar dessas violências que afetam diretamente a saúde mental. “O que reduz esses casos é quando a pessoa mora sozinha e tem independência financeira. Quando gays, lésbicas e bissexuais estão distantes do ambiente familiar, esses episódios de violência costumam ser menos frequentes”, aponta o demógrafo Samuel da Silva.
No entanto, conquistar a independência financeira é algo distante e ainda mais difícil para a população LGB. Um estudo desenvolvido pela consultoria Santo Caos, que busca avaliar o engajamento das pessoas LGBTI+ nas empresas, apontou que as minorias sexuais estão quase sempre em quadros menos favorecidos em seus locais de trabalho e que possuem os menores rendimentos.
A pesquisa revelou ainda que 47% pessoas LGBTQIA+ têm renda média abaixo de quatro salários mínimos, ante 36% das pessoas que não fazem parte desse grupo. Além disso, o tempo de trabalho nas empresas dos profissionais que se declaram LGBTQIA+ é menor em relação aos demais colaboradores. Estes profissionais ficam aproximadamente 3,07 anos em uma companhia, ao passo que os não LGBTQIA+ permanecem, em média, 4,13 anos em uma mesma empresa.
Esse cenário de dificuldade em encontrar oportunidades e também de se estabelecer em algum posto de trabalho foi vivenciado por Willian Martine. O comunicador precisou superar medos e arriscar novamente diante de algumas portas que não se abriram. “Eu me cobrei muito para conquistar minha independência financeira. Apesar dos meus pais me amarem e me acolherem, era algo que eu sempre queria ter”, relata.
Para ele, essa conquista, além de uma realização pessoal, é também uma resposta aos inúmeros discursos preconceituosos que colocam as minorias sexuais em condições de inferioridade. “É meio que uma forma de provar para as pessoas que acham que gays, lésbicas não são pessoas justas, boas, fortes, inteligentes e que merecem ser aplaudidas. A gente tem muito essa cobrança. Tanto que a gente sempre escuta ‘ah, é gay, mas é inteligente, mas é esforçado’, e isso acaba criando um medo na gente”, relata.
O psicanalista José Stona acredita que essa conquista da independência, seja ela por meio da ocupação de cargos hierárquicos ou não, é uma resposta para os conflitos pessoais como também para uma sociedade que é estruturada no padrão de cis-heteronormatividade. “O preconceito é uma lógica que estabelece hierarquias, colocando algumas pessoas como superiores a outras. É um regime de controle que não age apenas de forma externa, mas também dentro do próprio sujeito”, explica.
Para ele, é importante que a população LGB alcance essa condição, de ter um espaço seu e de não mais ser dependente, a fim de que ela consiga eliminar também os riscos de problemas de saúde mental, já que este pode desencadear em um estado depressivo. “Não estar de acordo com o esperado e naturalizado é uma das esferas mais nefastas do preconceito em pessoas LGBTTQIAP+”, alerta.
O que é a depressão?
Para o Ministério da Saúde, a depressão é considerada um problema médico grave e altamente prevalente na população em geral. É caracterizada como um distúrbio afetivo que, no sentido patológico, se manifesta pela presença de tristeza, pessimismo, baixa autoestima, que aparecem com frequência e podem combinar-se entre si. Segundo a pasta, é imprescindível o acompanhamento médico tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento adequado.
Causas
- Genética: estudos com famílias, gêmeos e adotados indicam a existência de um componente genético. Estima-se que esse componente represente 40% da suscetibilidade para desenvolver depressão;
- Bioquímica cerebral: há evidencias de deficiência de substâncias cerebrais, chamadas neurotransmissores. São eles noradrenalina, serotonina e dopamina, que estão envolvidos na regulação da atividade motora, do apetite, do sono e do humor;
- Eventos vitais: eventos estressantes podem desencadear episódios depressivos naqueles que têm uma predisposição genética a desenvolver a doença.
Fatores de risco
- Histórico familiar;
- Transtornos psiquiátricos correlatos;
- Estresse crônico;
- Ansiedade crônica;
- Disfunções hormonais;
- Dependência de álcool e drogas ilícitas;
- Traumas psicológicos;
- Doenças cardiovasculares, endocrinológicas, neurológicas, neoplasias entre outras;
- Conflitos conjugais;
- Mudança brusca de condições financeiras e desemprego.
Sintomas
- Humor depressivo: sensação de tristeza, autodesvalorização e sentimento de culpa. Acreditam que perderam, de forma irreversível, a capacidade de sentir prazer ou alegria. Tudo parece vazio, o mundo é visto sem cores, sem matizes de alegria. Muitos se mostram mais apáticos do que tristes, referindo “sentimento de falta de sentimento”. Julgam-se um peso para os familiares e amigos, invocam a morte como forma de alívio para si e familiares. Fazem avaliação negativa acerca de si mesmo, do mundo e do futuro. Percebem as dificuldades como intransponíveis, tendo o desejo de pôr fim a um estado penoso. Os pensamentos suicidas variam desde o desejo de estar morto até planos detalhados de se matar. Esses pensamentos devem ser sistematicamente investigados;
- Retardo motor, falta de energia, preguiça ou cansaço excessivo, lentificação do pensamento, falta de concentração, queixas de falta de memória, de vontade e de iniciativa;
- Insônia ou sonolência: a insônia geralmente é intermediária ou terminal. A sonolência está mais associada à depressão chamada atípica;
- Apetite: geralmente diminuído, podendo ocorrer em algumas formas de depressão aumento do apetite, com maior interesse por carboidratos e doces;
- Redução do interesse sexual;
- Dores e sintomas físicos difusos como mal-estar, cansaço, queixas digestivas, dor no peito, taquicardia, sudorese.
Diagnóstico
O diagnóstico da depressão é clínico, feito pelo médico após coleta completa da história do paciente e realização de um exame do estado mental. Não existem exames laboratoriais específicos para diagnosticar depressão.
Subtipos de Depressão:
- Distimia: é um quadro mais leve e crônico. As alterações estão presentes na maior parte do dia, todos os dias, por, no mínimo, dois anos. Podem ocorrer oscilações, mas prevalecem as queixas de cansaço e desânimo durante a maior parte do tempo. Geralmente, se mostram como pessoas excessivamente preocupadas, que apresentam um sentimento persistente de preocupação. As alterações de apetite, libido e psicomotoras não são frequentes, é mais comum sintomas como letargia e falta de prazer pelas coisas que antes eram prazerosas. Na maioria dos casos, se inicia na adolescência ou no princípio da idade adulta;
- Depressão endógena: caracteriza-se pela predominância de sintomas como perda de interesse ou prazer em atividades normalmente agradáveis, piora pela manhã, falta de reatividade do humor, lentidão psicomotora, queixas de esquecimento, perda de apetite importante e perda de peso, muita desanimo e tristeza;
- Depressão atípica: apresenta uma inversão dos sintomas: aumento de apetite e/ou ganho de peso, dificuldade para conciliar o sono ou sonolência, sensação de corpo pesado, sensibilidade exagerada à rejeição, responde de forma negativa aos estímulos ambientais;
- Depressão sazonal: caracteriza-se pelo início no outono/inverno e pela remissão na primavera, sendo incomum no verão. A prevalência é maior entre jovens que vivem em maiores latitudes. Os sintomas mais comuns são: apatia, diminuição da atividade, isolamento social, diminuição da libido, sonolência, aumento do apetite, “fissura” por carboidratos e ganho de peso. Para diagnóstico esses episódios devem se repetir por dois anos consecutivamente, sem quaisquer episódios não sazonais durante esse período;
- Depressão psicótica: é um quadro grave, caracterizado pela presença de delírios e alucinações. Os delírios são representados por ideias de pecado, doença incurável, pobreza e desastres iminentes. Pode apresentar alucinações auditivas;
- Depressão secundária: caracterizada por síndromes depressivas associadas ou causadas por doenças medico-sistêmicas e/ou por medicamentos;
- Depressão bipolar: a maioria dos pacientes bipolares inicia a doença com um episódio depressivo, enquanto mais precoce o início, maior a chance de que o indivíduo seja bipolar. História familiar de bipolaridade, de depressão maior, de abuso de substâncias e transtorno de ansiedade são indícios de evolução bipolar.
Prevenção
- Manter um estilo de vida saudável:
- Ter uma dieta equilibrada;
- Praticar atividade física regularmente;
- Combater o estresse concedendo tempo na agenda para atividades prazerosas;
- Evitar o consumo de álcool;
- Não usar drogas ilícitas;
- Diminuir as doses diárias de cafeína;
- Rotina de sono regular;
- Não interromper tratamento sem orientação médica.
Onde procurar ajuda?
- Centro de Valorização da Vida (CVV)
O CVV realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo de forma voluntária todas as pessoas que querem conversar por telefone, e-mail, chat e Voip.
Contato:
Telefone 188
Internet: https://www.cvv.org.br/
- Acolhe LGBT
É um grupo de escuta, conversa e troca de experiências com pessoas LGBTTQIA+ no serviço de psicologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Todo o atendimento é feito online.
Contato: https://www.instagram.com/escuta_lgbttqia
- IPPERG
Grupo de psicanalistas que realiza encontros para debates permanentes e inclusivos em relação a raça, classe, sexualidade, genero e práticas sexuais. O contato pode ser feito online.
Contato: www.ipperg.com