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Localização favorece a oferta

Pesquisador e coordenador da pesquisa Conhecer e Cuidar diz que capital é rota frequente da erva

Por João Renato Faria
Publicado em 08 de maio de 2017 | 03:00
 
 
 
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O fato de se ter um grande número de usuários de maconha em Belo Horizonte tem explicações complexas e que se complementam, avalia o coordenador do Centro de Referência em Drogas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Frederico Garcia, que comandou o estudo Conhecer e Cuidar. Para ele, a ampliação do debate foi fundamental.

“O assunto vem sendo mais discutido, e as propriedades medicinais têm sido mais divulgadas, o que gera uma sensação de segurança sobre o consumo de maconha”, afirmou. Para ele, outra razão é geográfica. Como Belo Horizonte fica na interseção de estradas que ligam diversos Estados do país, a cidade é rota frequente do tráfico. “Isso acaba por aumentar a oferta de maconha na capital”, explicou.

Já alguns usuários também apontaram um relaxamento da repressão policial após a Lei Federal 11.343/2006, que instituiu as atuais políticas públicas sobre o uso de drogas do país e separou o usuário do traficante – apesar de não ter definido objetivamente qual é a quantidade que caracteriza o consumo pessoal. “Melhorou, com certeza. Ainda é uma abordagem truculenta, dependendo do contexto, do local e da cor da pele, mas hoje o policial sabe que é uma perda de tempo levar alguém para a delegacia por conta de um baseado”, afirmou o empresário Victor Mujica. O estudante de direito Mateus Honorato, 21, concorda. “Já fui abordado na rua e próximo a um condomínio fechado. A diferença foi perceptível, no segundo caso fui muito mais bem tratado pelos policiais”, disse.

Segundo o major Flávio Santiago, chefe da Sala de Imprensa da Polícia Militar de Minas Gerais, a corporação age de acordo com a lei.

“Temos combatido e trabalhado dentro da práxis dos direitos humanos e do que a legislação preconiza. A maconha não foi liberada, mas, entendendo a despenalização do processo, sempre que a PM entra em contato com um usuário, toma as providências de acordo com a necessidade”, afirmou.

Major Santiago também rechaçou uma associação entre o alto consumo de maconha na capital e a criminalidade violenta. “As drogas que mais potencializam a violência são a cocaína e o crack. O usuário de maconha não tem o perfil tão violento quanto o que usa os produtos da pasta-base. Essa conclusão vem da própria observação policial, isso é um mito da década de 80, apesar de existir, sim, aquele usuário que comete crimes para bancar uma dependência química”, avaliou.

Tráfico. Em abril, foram apreendidos cerca de 169 kg de maconha em três ações policiais, que resultaram na prisão de quatro pessoas na região metropolitana de Belo Horizonte.

Centros de saúde atenderam 162 usuários entre 2013 e 2017

O alto consumo da maconha em BH não causa impacto significativo no sistema de saúde. Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, as três unidades dos Centros de Referência em Saúde Mental Álcool e Drogas (Cersam-AD) atenderam, entre 2013 e março de 2017, 162 usuários de maconha em quadro clínico grave. O número corresponde a 0,1% do total de usuários estimados pela pesquisa Conhecer e Cuidar, de cerca de 105 mil pessoas.

A questão, porém, não deixa de ser preocupante, para o coordenador do Centro de Referência em Drogas da UFMG, Frederico Garcia. “Qualquer fumaça aspirada aumenta o risco de câncer, e um cigarro sem filtro equivale de cinco a dez vezes um com filtro. Existem estudos que relacionam o consumo de maconha com o risco de desenvolver quadros de esquizofrenia”, disse.


Saiba mais

Políticas públicas. A Subsecretaria de Políticas sobre Drogas (Supod), da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), realiza ações por meio do Centro de Referência Estadual em Álcool e Drogas, que realizou 5.797 atendimentos em 2016 e oferece orientação de psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros.

Telefone. Por meio do LigMinas, no número 155 (opção 1), usuários de drogas e familiares podem ser orientados sobre serviços prestados por instituições no Estado.

Saúde. Em BH, além das três unidades do Centro de Referência em Saúde Mental Álcool e outras Drogas (Cersam-AD) localizadas nas regionais Pampulha, Barreiro e Nordeste, os casos menos graves relacionados ao uso de maconha podem ser atendidos pela equipe de saúde mental nos centros de saúde.

Prevenção. A PM investe no Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), com cursos sobre a prevenção ao uso de drogas para crianças e adolescentes. A iniciativa já atingiu 3 milhões de jovens.


Legalização ainda deve demorar a ser aprovada no país

A morte do ministro do Superior Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, em janeiro, representou um baque para o movimento que luta pela descriminalização da maconha. O juiz pretendia definir em breve seu voto no julgamento que questionava a Lei Federal 11.343/2006, que define as políticas públicas sobre drogas. A legislação atual é pouco clara e deixa a critério do policial a diferenciação entre usuário e traficante, já que não define limites de posse.

Como Zavaski havia pedido vista do processo – após os votos favoráveis dos ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso –, cabe a seu sucessor, Alexandre de Moraes, posicionar-se para que o processo volte a ser julgado.

Enquanto isso, os usuários e o poder público avaliam as soluções para a legalização da droga dada por países como o Uruguai, com o governo controlando a venda, e os Estados Unidos, onde locais como o Colorado entregaram o comércio para a iniciativa privada.

“Na teoria, a proibição serve para impedir o consumo e a venda. Isso é uma utopia, é óbvio que não deu certo”, avaliou o empresário Victor Mujica.

Para ele, a legalização deixará o consumo mais seguro. “Hoje, quem ganha dinheiro com a maconha é o tráfico. Legalizar tira isso deles, além de evitar adulterações no produto e o acesso dos menores à droga”, ponderou.

Já para o chefe da sala de imprensa da Polícia Militar, major Flávio Santiago, as soluções ainda são complexas. “Temos a Holanda, que fechou 50% de seus cafés onde se podia consumir maconha. Já os EUA têm investido pesado o dinheiro dos impostos da indústria da maconha em ações intensas de prevenção. Infelizmente, não vejo o mesmo acontecendo aqui”, disse.

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