"Não queremos ser “atropelados” novamente. Foi isso o que aconteceu quando fizeram a implantação do Move, não nos ouviram em nada". O desabafo é de Flávio Froes Assunção, presidente da Associação de Lojistas do Hipercentro de Belo Horizonte. Ele teme que as consequências do projeto de mobilidade urbana para a cidade, que começou a ser implantado em 2010, possa se repetir com o Programa de Requalificação do Centro de Belo Horizonte, o “Centro de Todo Mundo”, anunciado pela prefeitura de Belo Horizonte na manhã desta segunda-feira (6).  "É por isso que a gente pede à prefeitura que nos consulte. Geralmente, as boas ideias não passam pelas pessoas que vivem por aqui", justifica.

O projeto de revitalização do centro foi anunciado pelo prefeito Fuad Noman (PSD). O objetivo, conforme apresentado pelo chefe do Executivo municipal, é a requalificação da área, "aumentando as oportunidades de moradia, trabalho e lazer". Foram assinados um conjunto de decretos e despachos governamentais que preveem a reforma e ampliação do horário de funcionamento de praças e parques públicos, instalação de 17,2 km de faixas exclusivas, investimentos em segurança, entre outros. As obras devem ter início já no próximo final de semana e a previsão é de que possam ser concluídas em até 5 anos. 

Para o presidente da Associação de Lojistas do Hipercentro de Belo Horizonte, o projeto, se discutido e elaborado junto à população, pode representar uma reparação aos anos em que a região ficou "esquecida" pelo poder público. "A gente tem esperado uma resposta da prefeitura em relação ao Centro não é de hoje. Desde que mudaram a sede do Governo para a Cidade Administrativa, a gente enfrenta uma série de problemas, tirou muita gente das ruas e isso prejudicou o comércio", relata Flávio Assunção. 

O representante da categoria afirma que tem um sentimento de esperança quanto a possibilidade de melhores dias para os comerciantes da região. "É algo que ainda vai levar um tempo, mas temos uma expectativa de melhoria. A gente espera que a prefeitura seja pelo menos ousada em função do tempo que passou. Por isso, a gente pede também por esse diálogo", destaca Assunção, que revela que encontros entre comerciantes e representantes do poder público têm ocorrido para debater o projeto. "Esse diálogo existe, isso melhorou muito. Eles nos falaram que tem ótimas ideias, mas elas ainda não chegaram para a gente. Nós também apresentamos alguns pontos, mas ainda não sabemos se eles vão acatar ou não. 

Outra mudança anunciada pela prefeitura foi em relação à rua Sapucaí, ponto tradicional e turístico da capital, no bairro Floresta, na região Leste. Aos domingos, a via será interditada para a passagem de carros. A intenção é deixar o espaço livre para que a população possa usufruir dos bares e restaurantes da região e da programação de atrações culturais da região, como o maior mirante urbano a céu aberto do mundo. A medida começa a ser implantada no próximo domingo (12) e será feito um teste nos próximos quatro domingos seguintes. 

"Não gostei em nada dessa medida. O que eu acho que vai acontecer é aumentar a violência aqui na região, algo que já tem ocorrido nos últimos anos", relata a servidora pública Carolina Mendonça Castro, de 68 anos, que se mudou com o marido e as filhas para um apartamento na esquina da rua com a avenida Francisco Sales, em 1997. Para a servidora pública, a via, que ao longo da última década se tornou um importante ponto turístico da cidade, precisa de obras de melhorias e também da revitalização dos espaços. No entanto, entende que o projeto apresentado pela prefeitura está sendo imposto aos moradores. "Eles não escutaram a gente. Disseram que iriam apresentar uma proposta de melhoria, mas chegaram com tudo pronto", descreve. 

Em dezembro de 2022, a prefeitura abriu uma consulta pública para definir uma proposta de revitalização da rua Sapucaí. A intenção, conforme apresentado, era definir ações para a reestruturação dos três primeiros quarteirões da via, entre as avenidas Assis Chateaubriand e Francisco Sales. O projeto previa a instalação de mobiliários como jardineiras, quiosques comerciais, banheiros públicos, bancos de concreto, arquibancadas, bicicletários e até gramados.  A proposta também tinha o objetivo de garantir acesso local de veículos para garagens, além de carga e descarga, aos moldes do que já acontece na praça da Savassi, na região Centro-Sul da capital. Moradores, pessoas que trabalham na região e frequentadores puderam participar da consulta pública.

O publicitário Leonardo Silva, de 27 anos, que é frequentador dos bares e restaurantes da sua Sapucaí, destaca as obras de revitalização, mas teme que elas possam surtir um efeito contrário para um espaço que é popularmente conhecido como "democrático". "Caso o fechamento seja como um ato único e exclusivo para engajar o espaço que já é muito bem aproveitado, ótimo. Se o intuito for cercear, melhor deixar como está", alerta. A expectativa do publicitário é de que o poder público possa investir de forma correta neste ponto tradicional da capital mineira, a fim de atender aos interesses dos moradores, dos comerciantes e também dos visitantes da rua. "Creio que vai ser de grande valia caso seja bem feita. A verdade é que já devia ter sido realizado a um bom tempo, né? Os muros que são o "charme" da rua estão se desfazendo, o risco de queda fica ainda mais eminente. A iluminação está quebrada e muitas sem funcionar também", descreve. 

Essa também é uma necessidade apontada pela servidora pública Carolina Castro, que também é moradora da rua. "Precisa reformar sim, tem que melhorar muita coisa ali. Não só para a gente que mora na rua, como também para quem trabalha. É uma rua que tem muitos problemas, mas o que percebo é que o projeto não está de acordo", destaca. Castro teme que a reforma sem outras ações do poder público possa aumentar os problemas na região. "Tem a questão do lixo, tem a questão da segurança pública. Se reformar só por reformar, não vai ser algo bom", enfatiza.

Parque Municipal terá horário ampliado

O Parque Municipal Américo Renné Giannetti, no Centro de Belo Horizonte, terá o horário de funcionamento ampliado até às 21h a partir desta terça-feira (7). A iniciativa faz parte do Programa de Requalificação do Centro de Belo Horizonte, lançado nesta segunda-feira (6), e batizado com o nome "Centro de Todo Mundo". 

"Com os pacotes de obras e revitalizações os moradores da cidade vão poder usufruir de momentos de lazer gratuitos por mais tempo", enfatizou o prefeito Fuad Noman (PSD), durante o lançamento do projeto. Noman disse ainda que a prefeitura deve iniciar nos próximos dias as obras de revitalização das praças da capital, como trocas de lâmpadas e conserto de chafariz.

A reportagem de O TEMPO questionou a prefeitura se as ações de segurança serão ampliadas na região devido a ampliação do horário de funcionamento do espaço. Até o fechamento da matéria, a resposta não foi enviada. A reportagem será atualizada.

O que diz a PBH

"As discussões sobre o projeto de revitalização iniciaram no ano passado com sociedade civil, empresários, associações e a Câmara Municipal. Em diferentes ocasiões, as propostas foram debatidas e apresentadas aos comerciantes. Na solenidade desta segunda-feira (6), estiveram presentes representantes de diversas entidades, tais como a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Fecomércio, Associação dos Comerciantes do Hipercentro de Belo Horizonte, Associação Comercial (ACMinas), Alô Shopping, Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon)". 

Veja o que prevê o programa:

Cultura, lazer e turismo

  • Finalização da obra do Espaço Multiuso no Parque Municipal Américo Renné Giannetti
  • Requalificação do CAT - Mercado das Flores
  •  Expansão do horário de funcionamento do  Parque Municipal

Mobilidade

  • 17,2 Km de faixas exclusivas de ônibus
  • Manutenção, reformas e implantação de novas ciclovias

Requalificação Urbana

  • Requalificação da Rua Sapucaí
  • Implantação de ruas de pedestres
  • Reconstituição da Praça da Independência, na Av. Afonso Pena, entre Rua da Bahia e Rua Tamoios
  • Av. Bernardo Monteiro - Revitalização do conjunto histórico e paisagístico

Mobiliário Urbano

  • Implantação de novos abrigos/pontos de parada de ônibus
  • Implantação de banheiros públicos

Parques e Arborização

  • Implantação de áreas de resfriamento
  • Ampliação da arborização em vias, passeios e canteiros (aproximadamente 500)

Manutenção e Zeladoria

  • Manutenção dos canteiros centrais
  • Revitalização de Calçadas Portuguesas
  • Requalificação dos pavimentos do hipercentro
  • Reforma da Praça da Estação
  • Restauração e conservação de bens tombados próprios do município

População de rua

  • Programa de reinserção ao trabalho da população em situação de rua
  • Viabilização de habitação de interesse social no Centro de BH, Locação Social e Bolsa Moradia

Ocupação de prédios ociosos e subutilizados

  • Atualização da Legislação de Retrofit
  • Viabilização da implantação de habitação de interesse social no Centro de BH

Segurança

  • Implantação de videomonitoramento inteligente
  • Ampliação das operações da Guarda Civil Municipal no perímetro

Inclusão Produtiva

  • Melhoria da Feira de Artes, Artesanato e Produtores de Variedades de Belo Horizonte (feira da Av. Afonso Pena)
  • Revitalização do Shopping Caetés

Matéria atualizada no dia 06/03/2023, às 17h40