Quando a lama da barragem da Vale em Brumadinho tomou conta de parte de córrego do Feijão, uma das comunidades atingidas pela tragédia, na última sexta-feira (25), ninguém imaginava que, em meio ao desespero, Hugo Henrique, de apenas 7 meses, seria o alento para parte das pessoas que estavam no local. Segurado pela mãe, que caiu na lama e por pouco conseguiu escapar, ele foi encontrado por familiares dando gargalhadas. Ele e os pais, que moravam em uma casa em uma estrada às margens da mina, perderam a maior parte da casa e todos os bens.
"Eu cheguei lá, minha filha estava chorando e ele estava rindo. Mas rindo muito", relatou a avó à reportagem. Mãe de Hugo, a empregada doméstica Kelly Aparecida Pinto de Souza, de 19 anos, contou que havia acabado de voltar do trabalho para fazer o almoço quando percebeu a televisão piscando.
"Eu sentei na sala para amamentar ele e vi que a TV piscou e achei que era porque eles iam colocar um novo poste lá. Quando olhei pela janela, não vi nada, mas estava com um barulho parecendo que estava furando a terra muito rápido. Aí eu saí, olhei pra trás e vi aquela poeira na maior altura, um barulhão. Parecia que tinha caído uma carreta pelo barulho e muita ventania. A minha primeira reação foi correr. Segurei ele no meu colo, pela cabeça, e corri. Mas na hora que eu subi para correr, a lama segurou a minha perna. Na hora que eu caí com ele, eu vi um coqueiro caído do lado de uma casa e pensei 'vai me matar e vai matar ele'. Aí eu já levantei, deixei meu chinelo pra trás e corri. Eu comecei a pedir socorro, abri uma porteira que dá acesso pra um pasto. Eu só pensava em correr porque não queria deixar que isso acontecesse com ele", disse.
Poucos minutos antes do rompimento, Kelly estava com uma amiga. Na correria, ela viu a árvore cair em cima da casa dela e começou a grita-la, mas não teve retorno. Minutos depois, ouviu os gritos de socorro da amiga e chamou alguém para ajudá-la. "Ela pedia para tirar ela pelo amor de Deus. Eu achei que ela não fosse aguentar. Fiquei com medo de ela morrer. E ainda deram alarme falso falando que outra barragem ia estourar e todo mundo queria correr e deixar ela lá. Graças a Deus conseguiram salvar", contou.
Sirene
De acordo com a dona de casa, em dezembro e no início de janeiro foram feitos testes com a sirene, que deveria tocar em caso de rompimento da barragem. "Eles fizeram testes uma semana direto, mas na hora, se não fosse a gente perceber, a gente não teria escapado, não. Foi questão de segundos. A lama estava lá na frente e chegou na gente em questão de segundos", contou.
Questionada sobre como recomeçar depois da tragédia, Kelly apenas agradece por estar viva. “Foi um milagre. Foi Deus mesmo que olhou por nós. Todo mundo que está lá é conhecido. Minha madrinha está lá, meus amigos. Sabe, todo mundo que conhecia sempre quis morar aqui porque é um lugar sossegado. Mas muita gente nem conhecia quando a gente falava em 'córrego do Feijão'. Ninguém imaginava que ia ficar tão conhecido agora por uma tragédia. Podia ser por um lado bom, mas foi por uma tragédia. Por uma imprudência que a Vale teve, porque não pensou antes. A Vale acabou com córrego do Feijão", lamentou emocionada.