A expansão do Programa das Escolas Cívico-Militares do Governo de Minas é alvo de críticas de professores da rede estadual de ensino. Os profissionais questionam o memorando enviado pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG), no dia 30 de junho, para mais de 700 unidades escolares, que delimita até o dia 18 de julho o prazo para aderir ao modelo de ensino. A categoria afirma que a expansão está sendo "tocada às pressas" e sem transparência.

O assunto será tema de uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quinta-feira (10/7). Parlamentares querem respostas do governo sobre o projeto e alegam que o Estado não teria competência para instituir modelo de ensino não previsto na Lei Nacional de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Nacionalmente, o Programa das Escolas Cívico-Militares foi revogado em 2023.

"Fomos surpreendidos com esse memorando, já que não é um projeto que estava em implantação no Estado. Temos nove escolas em que o modelo está em teste, mas, até o momento, não temos nenhum estudo sobre os resultados nessas unidades de ensino. Não sabemos se a aprovação é maior, como é a questão da evasão, da violência. Então, é uma possibilidade de expansão sem embasamento", questiona um professor da rede estadual de ensino, que atua na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O profissional não será identificado pela reportagem.

Outro professor, que atua na rede estadual na capital mineira e que também pediu para não ser identificado, teme que a implantação do modelo cívico-militar possa comprometer o processo de aprendizagem. "Todo modelo pedagógico precisa ser discutido. A secretaria nos deu o prazo de 18 dias para debater esse tema. É um período muito curto, e ainda não temos informações de como funcionaria. Teremos um militar orientando estudantes mesmo sem essa capacitação? Nós, professores, temos essa formação, e eles?", questiona.

Conforme a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG), o Programa das Escolas Cívico-Militares tem o fortalecimento da educação pública estadual”, por meio de uma parceria da pasta com a Polícia Militar (PMMG) e o Corpo de Bombeiros (CBMMG). "Busca integrar valores cívicos, éticos e disciplinares ao cotidiano escolar, promovendo a formação integral dos estudantes e contribuindo para um ambiente educacional mais seguro, organizado e acolhedor", diz a SEE/MG. Ainda segundo a pasta, os profissionais militares atuam em atividades cívico-pedagógicas, sem assumir funções pedagógicas ou interferir no currículo.

Em Minas Gerais, nove escolas aderiram ao programa, mesmo após o Decreto Federal nº 11.611, assinado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), que revogou a nível nacional as escolas Cívico-Militares (PECIM). O modelo, no entanto, foi mantido pelos governos estaduais. No ano passado, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Defensoria Pública da União (DPU) questionaram o programa junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) alegando incompatibilidade com o Plano Nacional de Educação.

"Não temos garantia de que esse modelo é eficiente. O Governo de MG cita bons resultados nessas unidades de ensino, mas não apresenta esses dados. E o que nós temos acompanhado dessas escolas são denúncias de assédio", disse o professor. Questionada pela reportagem sobre a continuidade do modelo mesmo após o Decreto Federal, a Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) não se manifestou.

Professores temem privatização

Os professores entrevistados pela reportagem temem que o memorando enviado pela SEE/MG para adesão ao Programa das Escolas Cívico-Militares possa favorecer a privatização das unidades de ensino da rede. "Os militares que irão atuar nessas escolas serão pagos por uma empresa. Ou seja, a iniciativa privada é quem vai se responsabilizar por esses profissionais e, indiretamente, com a rotina escolar", aponta um dos profissionais.

Para outro docente, o período de 18 dias para manifestar interesse em aderir ao modelo é "uma estratégia" do Estado para retomar o Edital de Credenciamento SEE nº 01/2024, que pretendia ampliar o Projeto Somar e repassar a gestão de escolas estaduais para entidades privadas. "Por isso a pressa no processo. O Governo não entendeu que o problema é a falta de investimento na infraestrutura e valorização dos profissionais", disse.

Estadual Central irá votar adesão ao programa nesta quinta-feira (10/7)

A Escola Estadual Governador Milton Campos — Estadual Central, em Belo Horizonte, irá votar a adesão ao programa nesta quinta-feira (10/7). O pleito reunirá membros da direção, professores e alunos. Como apurado pela reportagem de O TEMPO, uma reunião foi realizada entre funcionários da escola na última sexta-feira (4/7). O encontro definiu os detalhes da votação e apresentou como deve ocorrer o processo, que prevê orientações para a direção escolar, convocação para a votação, elaboração de perguntas e respostas, entre outras etapas.

Conforme a SEE/MG, a previsão é que a implantação do modelo nas escolas que manifestarem interesse possa ocorrer a partir do próximo ano letivo. “No entanto, essa data poderá variar de acordo com a análise individual de cada unidade e os critérios estabelecidos”, disse.  Cada escola terá, em média, um militar para cada 150 estudantes. A quantidade poderá ser ajustada conforme especificidades e condições de cada unidade de ensino.

“Os pais ou responsáveis não precisam transferir seus filhos para outra unidade escolar. Caso a escola passe a operar no modelo cívico-militar, a família poderá solicitar que o estudante não participe das ações específicas do programa, como atividades cívico-disciplinares coordenadas pelos militares. Essa solicitação será respeitada, sem prejuízo ao direito à educação nem à permanência do estudante na escola”, garante a SEE/MG. O valor total a ser investido na expansão do programa ainda será definido.

Audiência pública

A audiência pública realizada na ALMG nesta quinta-feira (10/7) foi convocada pelos deputados Beatriz Cerqueira (PT), Lohanna França (PV), Luizinho (PT) e Professor Cleiton (PV), que se manifestaram contrários à implantação do modelo cívico-militar. O encontro está marcado para às 14 horas, no Auditório José Alencar, e deve contar com a participação do secretário de Estado de Educação, Igor Alvarenga.