Menos da metade das crianças (45,7%) no Brasil é amamentada exclusivamente no peito até os 6 meses de vida. Os dados fazem parte do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani), feito pelo Ministério da Saúde entre fevereiro do ano passado e março deste ano e divulgado neste mês, quando se comemora o Agosto Dourado – internacionalmente conhecido como o mês de incentivo à amamentação.
Até os 6 meses de vida, o bebê deve ser alimentado somente com o leite materno, conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outros órgãos que são referência na saúde da criança. Mas até entre os menores de 4 meses, só 60% tiveram acesso ao aleitamento materno exclusivo no país. Em Minas, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) não havia repassado dados até o fechamento desta edição.
Para a ginecologista e mastologista Paula Soares, membro do Comitê de Aleitamento Materno da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), a taxa de amamentação no Brasil ainda é muito baixa, tendo em vista os benefícios que a prática traz (veja abaixo). “O leite materno salva vidas, independentemente da raça e da classe social. Muitas pessoas acham que é um alimento somente para os mais pobres, e não é isso. As crianças que mamam no peito têm um desempenho melhor na escola, ficam menos doente, entre vários outros benefícios”, explica Paula.
Para a pediatra Beatriz de Oliveira Rocha, que preside o Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Mineira de Pediatria, as mães enfrentam muitos obstáculos para manter a amamentação exclusiva nessa fase inicial da vida dos bebês. “A mãe tem que ser informada de que a produção de leite passa por modificações. No início, por exemplo, ela produz o colostro, que não tem aparência de leite e sai em quantidade menor, mas que é essencial para o desenvolvimento do bebê”, orienta.
Responsabilidade
Para a médica, a família, a sociedade e os profissionais de saúde são responsáveis pelos cuidados que garantem a amamentação. “A mãe tem que confiar em sua autoeficácia em cuidar e amamentar seu bebê, e, para isso, é preciso que todos a apoiem também” defende.
A servidora pública Clarice Emília Soares Ferreira, 38, conta que sonhava com o aleitamento materno exclusivo para seu filho Gael, hoje com 2 meses. Mas, quando ele nasceu, precisou ficar internado por cinco dias, e ela não pôde amamentá-lo no período.
Após a alta hospitalar, Clarice teve dificuldades para alimentar seu filho no peito e precisou complementar com a fórmula. “Tenho sofrido bastante com dores e cansaço. Mas insisto na amamentação porque li vários estudos indicando os benefícios. A amamentação é uma experiência muito dolorosa e ao mesmo tempo é muito incrível”, conclui.
Há avanços, mas muitas barreiras
Apesar de ainda pouco representativos, os índices de amamentação no Brasil avançaram e são comemorados pelo Ministério da Saúde. Segundo o órgão, em comparação com dados do Enani de 2006, há um aumento de 15 vezes na prevalência de aleitamento materno exclusivo entre as crianças menores de 4 meses, e de 8,6 vezes em bebês de até 6 meses.
Para o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e coordenador da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (rBLH), João Aprigio Guerra de Almeida, é preciso refletir sobre o que, de fato, impede o avanço dos indicadores. “Temos muito a celebrar, mas também muito a realizar. A amamentação é biologicamente determinada, mas, apesar disso, o humano se tornou uma espécie de mamífero facultativo. Apesar de todo determinismo fisiológico, os determinantes sociais se sobrepõem à questão biológica”, avalia.
Para ele, a sobrecarga da mulher é uma das barreiras. “O que precisamos discutir é a quantidade de papéis que a mulher desempenha no contexto atual”, disse.
Saiba mais
Bancos de leite. Apesar da pandemia do coronavírus, Minas registrou neste ano aumento de 37,5% no número de crianças beneficiadas com leite humano doado por mães cadastradas nos 43 bancos de leite do Estado.
Índices. Foram 4.859 bebês amamentados com leite doado de janeiro a julho deste ano, contra 3.535 no mesmo período de 2019.
Fator. Para a coordenadora do Banco de Leite do Hospital Odete Valadares, Maria Hercília Barbosa, o fato de as mães estarem em trabalho remoto pode ter contribuído.
Lista. A relação de bancos de leite humanos em Minas e em todo país está no site rblh.fiocruz.br.