A missa de sétimo dia das sete vítimas da chuva na Vila Bernadete, na região do Barreiro, em Belo Horizonte, foi celebrada na manhã deste domingo (2), em uma igreja que a própria comunidade ajudou a construir, carregando pedras e tijolos. A celebração foi marcada por muita emoção, principalmente de quem perdeu familiares na tragédia.
A igreja Comunidade Menino Jesus de Praga, que faz parte da Paróquia São José e São Gabriel Passionista, ficou pequena para tanta gente, mais de 200 pessoas. Ela fica nos fundos de um terreno e o acesso é por um corredor. Todos acompanharam a missa com emoção e cantaram com muito fervor a oração do Pai Nosso.
Marlene do Carmo Silva, 58, que morreu com os filhos Edmar, de 25 anos, Luiz, de 19, e Edvânia, de 17, sempre foi a encarregada de cuidar das roupas dos coroinha, com muito carinho, lembram os fiéis.
Marido dela Marlene e pai dos jovens que morreram, Ademar Rodrigues de Souza, de 64 anos, o único que sobreviveu no soterramento da casa, estava muito emocionado e não conseguiu falar com a reportagem antes da celebração. "Não tenho condições de falar", justificou.
O dedo que Ademar quebrou no soterramento ainda está enfaixado. Assim que ele chegou à igreja, vestiu uma camiseta que a comunidade mandou fazer com as fotos das sete vítimas da Vila Bernadete. "Luto eterno", diz a mensagem.
Após da missa, ele encontrou forças para falar com a reportagem e contou que os filhos e toda a comunidade ajudaram na construção daquela igreja.
Ademar lembrou que o filho Edmar foi o primeiro coroinha, dos 10 aos 16 anos. "Ele ensinou muitos coroinhas aqui ", disse o pedreiro.
Ele disse ter ficado emocionado com o carinho dos moradores da Vila Bernadete pela família dele. "Meus meninos nasceram e foram criados aqui. Todo mundo gosta deles", comentou.
'É como se tivessem arrancado um pedaço da gente'
O pedreiro Gilberto do Carmo Silva, de 41 anos, filho de um primeiro relacionamento de Marlene, disse que a "ficha" dele não caiu. "Perdi quatro pessoas da minha família, minha mãe e três irmãos ", lamentou o enteado de Ademar.
"Quase a metade da minha família foi embora. Não tenho sono. Toda vez que acordo, penso, e o sono vai embora. Essa semana, eu e meu padrasto estamos amanhecendo o dia em claro", disse Gilberto.
"É pior para o meu padrasto. Ele viu tudo na frente dele. Está traumatizado. É como tivessem arrancado um pedaço da gente. Quando você perde um.... Quando você perde a família inteira assim, do nada, sem esperar, todo mundo com saúde, aí, a sua ficha não cai. Você fica abalado", contou, emocionado.
Homenagens
No final da celebração, moradores da Vila Bernadete pegaram o microfone para fazer homenagens às vítimas e agradecer pela solidariedade das pessoas. Foram muitas doações para os desabrigados e desalojados, disseram.
A principal homenagem ficou por último. Durante vários minutos, num profundo silêncio, foram projetadas imagens das vítimas na parede do altar. Silêncio da dor, seguido por aplausos.
Durante a exibição das fotos das vítimas no telão, apareceu uma imagem do local do deslizamento de terra que soterrou a casa de Ademar e a do vizinho Thiago, que morreu com a mulher e filho de anos. A única sobrevivente foi a outra filha do casal, Maria Eduarda, de 7 anos, que permanece internada. Ninguém da família de Thiago foi à missa.
Marido de Marlene, Ademar disse que não conseguiu olhar a imagem do soterramento durante a exibição de fotos no altar.
"Abaixei a cabeça na hora. Não tenho psicológico para olhar onde ficava a casa que eu construí com muito amor. Vivi momentos felizes lá. Agora, é recomeçar a vida do zero", disse Ademar.
Sementinhas
A técnica em saúde bucal Roseane Gonçalves de Andrade Santos, de 46 anos, que foi catequista de quatro das sete vítimas na Vila Bernadete, conta que as vítimas ajudaram na construção da igreja.
“Todos. Carregando tijolos, ajudando a carregar areia, com muito suor e muito trabalho. A gente subia aqui com muita dificuldade para trazer os tijolos. Todos eles têm participação”, disse Roseana.
Segundo ela, Edmar foi o primeiro coroinha da comunidade e depois foi o “Thiaguinho”, segundo ela. “Depois veio o Luiz, que não nos abandonou. Quando chega a uma certa idade, de 15 anos, eles deixam de ser coroinha por vergonha. Mas, o Luiz, não. Ele teve todo esse carinho com a comunidade e continuou até então. Era chamado de Luiz Coroão”, conta Roseane.
Segundo ela, a roupa de coroinha ficou curta para Luiz e a comunidade mandou fazer roupa para ele. “E assim foi, até o final”, completou a catequista.
Roseane conta que a mãe de Luiz, Edmar e Edvânia tinha um zelo muito especial com as roupas dos coroinhas. “Marlene passava as roupas de coroinha e trazia tudo no cabide, tudo bem arrumadinho para os meninos”, contou.
“Eles construíram o alicerce desta igreja. Muito orgulho. Vai ficar muita saudade. Que a missão que eles tiveram aqui sirva de lição para a gente, que ficou. O carinho, o zelo pela comunidade, muito lindo, muito lindo”, repetia Roseane, emocionada.
“Cada um tem uma história carinhosa deles para contar. Foram sementinhas que a gente plantou. Todos os quatro (Edmar, Luiz, Thiago e Edvânia) passaram por mim, catequizando, e cada um tem uma historinha. O Luiz, o molecão. A Edvânia, a gente a chamava de 'Fuinha', aquele doce de criança. O Thiaguinho, o Edmar. Então, todos passaram por aqui. Eu plantei sementinhas. A gente tinha muito carinho por eles e é muito bom que essas sementinhas deram frutos”, disse Roseane.