Nesta quinta-feira

Mulher morre na porta do Ipsemg, em BH, e mãe denuncia falta de atendimento

Carla Lima acompanhava a mãe no hospital quando começou a passar mal; segundo a idosa, filha não foi atendida no local por não ser beneficiária do instituto e não portar a carteirinha

Por CAROLINA CAETANO
Publicado em 21 de janeiro de 2021 | 12:31
 
 
 
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"Antes eu não tivesse vindo, eu trouxe minha filha para morrer nesse hospital que não prestou socorro. Ninguém fez nada. Eu perdi a única coisa boa que eu tinha: minha filha". Na porta do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), em Belo Horizonte, a aposentada Clélia Maria Lima Ferreira, de 71 anos, ainda tentava assimilar a morte da filha nesta quinta-feira (21). Com infecção urinária, a idosa foi ao hospital para ser atendida e levou a filha como acompanhante. Carla Mércia Ferreira Lima, de 47, começou a passar mal dentro da instituição e, segundo a família, não foi atendida por não ser beneficiária do instituto e não ter a carteirinha. O Ipsemg nega que houve falta de atendimento.

Nessa quarta-feira (20), dona Clélia deu entrada no hospital e precisou ser internada. "Eles me atenderam e me deixaram no corredor tomando soro. Minha filha começou a falar que estava com dor no peito e no braço. Como a gente estava dentro de um hospital, eu falei para ela procurar alguém para atendê-la. A Carla procurou a enfermagem, mas ninguém quis tirar a pressão dela. Depois, com muito custo, um médico veio e tirou a pressão dela e disse que estava 15 'por alguma coisa'. Ela virou para ele e falou: 'doutor, o senhor não pode me medicar e eu vou para outro hospital?'. Ele respondeu que 'era fora de ética' ministrar o medicamento para ela", explicou a idosa.

Carla, que trabalhava como vendedora, tinha plano de saúde. Segundo a mãe, o médico falou para ela ir procurar uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), uma vez que "não poderia fazer nada". A mulher resolveu sair do Ipsemg para ser atendida, mas, já na porta, enquanto tentava chamar um carro por aplicativo, ela caiu e morreu. 

O vereador de Pará de Minas Márcio Lara, de 54 anos, também estava no hospital acompanhando outro paciente. Ele viu o momento em que a vendedora caiu.

"Ela saiu do hospital falando que estava com uma dor muito forte no peito e no braço. Ela me disse que a pressão estava 15X9, e que tinham falado para ela procurar uma UPA, mas ela estava acompanhando a mãe e ficou preocupada em deixá-la sozinha. Eu fiquei aqui na porta gritando para que pudessem socorrê-la, mas quando eles chegaram, a dona Carla já estava sem os movimentos. O que mais me espantou foi a fala do doutor: 'Eu não poderia fazer nada porque ela não pertencia ao Ipsemg', contou.

Reanimação 

Com a vendedora caída na porta, funcionários do hospital a levaram para dentro, onde foram realizadas manobras de reanimação, mas sem sucesso. Clélia, que estava lá dentro, viu a filha passando sendo carregada. 

"Eu estava lá no corredor quando vi minha filha passando, nem na cadeira a colocaram. Estavam segurando pelas pernas e braços, e a Carla estava roxa. Eu falei: 'Nossa Senhora, passa na frente e não deixa a minha filha morrer. Deus tirou minha filha, tirou tudo que eu tinha. Os médicos do Ipsemg não deram assistência à minha filha que estava me acompanhando, não deram um comprimido", desabafou.

"Mãe e pai não devem enterrar filhos. Ninguém sabe o tamanho da minha dor, diz idosa

Carla era filha única. Segundo dona Clélia, a mulher era sempre prestativa e muito apegada ao cachorrinho e à mãe. "Era uma menina maravilhosa, o negócio dela era o cachorro e a mãe 'véia' dela. Agora acabou, já pensou o que é isso? Eu já vi falar que filho pode enterrar pai, mas mãe e pai não podem enterrar filho. Você não sabe a dor que eu estou sentindo. Eu vou entrar na Justiça, semana que vem, vou procurar meus direitos. Acabou a minha vida, fiquei sem minha filha por falta de atenção do Ipsemg", finalizou.

Em nota, o Ipsemg informou que Carla foi atendida pela equipe médica do Serviço Médico de Urgência do Hospital Governador Israel Pinheiro por 1h20, após sofrer um mal súbito. Anteriormente, segundo o instituto, a paciente já havia sido atendida por uma equipe de avaliação ao queixar-se de dores e foi constatado que ela apresentava sinais vitais normais, estando acordada, conversando e andando normalmente.

"A paciente recebeu todos os atendimentos médicos de emergência, conforme os protocolos vigentes", informou o hospital.

Boletim de ocorrência 

A mãe de Carla acionou a Polícia Militar e registrou um boletim de ocorrência. Conforme o documento, a equipe médica disse aos policiais que os batimentos e a pressão da vendedora "estavam dentro da normalidade". O relatório médico não foi apresentado aos militares e a causa da morte dela não foi divulgada.

O caso foi registrado na 1ª Delegacia Centro e ninguém foi conduzido. A assessoria de imprensa da Polícia Civil informou que instaurou inquérito para "suposta omissão de socorro e ou negligência referente ao caso. Demais informações serão repassadas em momento oportuno". 

A reportagem também entrou em contato com a assessoria do Conselho Regional de Medicina (CRM) e aguarda um posicionamento. 

Minientrevista 
Igor Oliveira - Advogado e membro do Instituto de Ciências Penais

Doutor, se a pessoa não tem a carteirinha, hospitais podem negar atendimento médico?

Nenhum hospital, seja público ou particular, clínicas médicas, centros de saúde pode negar atendimento médico de urgência. Independentemente se a pessoa possui ou não a carteira para ser atendida naquele momento. Quando há a negativa, o hospital pode ser responsabilizado na esfera cível, penal ou administrativa. Médicos podem ter problemas no Conselho Regional de Medicina (CRM).

Quais as providências devem ser tomadas diante de uma pessoa que está passando mal, mas não é beneficiária daquela unidade de saúde?

Diante de um atendimento de urgência, o médico precisa pelo menos fazer a avaliação inicial até mesmo para saber qual será o encaminhamento posterior.

O que as pessoas que têm atendimento médico negado podem fazer?

A pessoa que está passando mal ou algum familiar deve registrar um boletim de ocorrência, denunciar o caso no CRM e procurar uma reparação cível, com a possibilidade de uma indenização futura. 

 

Matéria atualizada às 13h55

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