A vida de milhares de pessoas foi transformada no dia 5 de novembro de 2015. As perdas e o sofrimento são imensuráveis, mas a coragem de seguir em frente é o que une os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, na região Central do Estado. Esse vínculo, em todas as comunidades afetadas, é fortalecido pelas mulheres. São elas que lotam reuniões de comissões, se organizam em grupos de WhatsApp, comandam protestos e acolhem filhos, maridos, pais e amigos.
Em Mariana, dos cerca de 3.000 cadastrados como atingidos, pelo menos a metade é composta por mulheres, segundo a Caritas – entidade responsável pelo cadastramento no município. E é essa porcentagem que garante a resistência. “As mulheres exercem papel fundamental em todos os espaços. As atingidas cuidam de si e dos outros. Estão dispostas a lutar por uma reparação justa e integral”, considera a coordenadora do processo de cadastramento dos atingidos em Mariana e assessora técnica da Caritas, Ana Paula Alves.
Leveza
Para a desempregada Luzia Nazaré Mota, 56, ex-moradora de Paracatu de Baixo, comunidade de Mariana, o protagonismo feminino na luta é importante para dar certa flexibilidade e acentuar o cuidado com os detalhes. “Nós temos o refino, mesmo quando a demanda é complicada. Na parte de reconstrução, por exemplo, a gente se preocupa com a cor da casa, com a jardinagem. Se fossem só homens seria mais rústico, acho que muita coisa já tinha parado”, avalia. Ela conta ainda que o envolvimento das mulheres ajudou no empoderamento dessas atingidas. Algumas delas fizeram, inclusive, cursos rápidos de direito e outras matérias para entenderem o processo. “Nós vamos para as reuniões arrumadas e poderosas. Nossa estratégia é ficarmos fortes e não chorarmos perto da empresa”, detalha.
Em Barra Longa, a reportagem acompanhou uma reunião do Coletivo de Saúde, e apenas um dos 11 participantes era homem. A ex-moradora de Gesteira, comunidade do município, Vera Lúcia Aleixo, 62, é um exemplo de luta. Ela superou a depressão de perder tudo por causa do marido, que entrou em choque. O refúgio de Vera passou a ser a escrita. No dia das reuniões, ela faz um apanhado das anotações e leva para o encontro. “Eu tenho só o terceiro ano de grupo, mas escrever foi um renascimento para mim. Eu me fortaleci por causa da dor dos meus parentes”, finaliza. (Com Tatiana Lagôa e Michelyne Kubitschek)
Samarco dividiu multa em 60 vezes
O Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) de Minas Gerais emitiu 33 autos de infração contra a Samarco – cinco foram anulados, restando 28. Do total de R$ 305,8 milhões, a empresa havia pagado R$ 38,9 milhões, ou 12,7%, até o fechamento desta reportagem.
Conforme a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), as multas têm relação com o rompimento da barragem de Fundão e infrações à legislação ambiental durante a execução de intervenções e obras emergenciais. O valor pago se refere à infração por causa do rompimento, que é de R$ 127,9 milhões e já foi julgada em duas instâncias. A multa foi dividida em 60 parcelas, e 16 já foram quitadas.
Operação
A Samarco informou que precisa de duas licenças para voltar a operar. Uma para o local de disposição de rejeitos (Cava de Alegria Sul), e a outra relacionada ao Licenciamento Operacional Corretivo do Complexo de Germano. A expectativa é que as licenças sejam obtidas no decorrer de 2019.
Processo criminal entra na fase de instrução na Justiça
O procurador da república Gustavo Henrique Oliveira informou que o processo criminal que denunciou 22 pessoas está na fase de instrução. Entre os crimes estão homicídio com dolo eventual, inundação, desabamento e lesões corporais graves. Não há prazo para sentença.
Ele disse que quase todas as testemunhas de acusação foram ouvidas. Um projetista ouvido em juízo em junho reafirmou o que já estava na denúncia do Ministério Público Federal: a barragem de Fundão tinha trincas e uma situação de pré-ruptura. “As trincas foram constatadas onde ocorriam obras que foram feitas sem projeto e sem autorização dos órgãos ambientais”, relembrou.
A Samarco informou que “sempre cumpriu toda a legislação relativa ao licenciamento ambiental e à operação de barragens” e que “todas as suas barragens possuíam Licenças de Operação”.