Na última terça-feira (2), a Prefeitura de Belo Horizonte anunciou um investimento da ordem de R$ 1,375 milhão para reformas e revitalização do MIS Cine Santa Tereza. O comunicado também afirmava que, mesmo com previsão de entrar em reforma, o espaço receberá as equipes do Museu da Imagem e do Som (MIS) – atualmente em funcionamento em um antigo casarão na avenida Álvares Cabral –, “atendendo uma antiga demanda do setor, que buscava um local mais adequado para a realização desse trabalho” (preservação, mapeamento e disseminação do registro audiovisual de Belo Horizonte, dentre outras atribuições).
A notícia pegou de surpresa a equipe do MIS. Os funcionários do museu emitiram nesta quarta-feira (3) uma carta aberta afirmando que receberam um comunicado verbal de que a sede deveria ser desocupada em até 20 dias para que o espaço possa abrigar a Associação Municipal de Assistência Social (Amas), cuja presidente é a companheira do prefeito Alexandre Kalil, Ana Laender. No documento, os servidores do MIS também demonstram preocupação com o acervo do museu e em como a medida pode afetar as atividades exercidas no local.
“Fomos comunicados verbalmente. Nunca tínhamos planejado ir para outro lugar. Temos um plano museológico com metas para este ano, e essa decisão afeta muito todas as atividades. Fizemos um planejamento de impacto com essa decisão, e é muito complexo toda essa mudança, especialmente pelo acervo. Temos um sistema de condicionamento que foi muito difícil de implementar, e isso é complicado”, argumenta Victor Louvisi, museólogo do MIS.
Prefeitura
Por meio de sua assessoria de comunicação, a Prefeitura de Belo Horizonte confirmou a decisão, afirmando que “todas as etapas da produção do audiovisual estarão concentradas em um único espaço”. De acordo com o executivo municipal, o que acontecerá nos próximos 20 dias será a transferência de parte da equipe do MIS para o Cine Santa Tereza: “Todos os funcionários que atuam no processamento técnico e na conservação da memória audiovisual continuarão protegendo o acervo na casa da avenida Álvares Cabral até que o Cine Santa Tereza esteja em condições técnicas para recebê-los”.
Diretor do arquivo e dos museus e centros de referência da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Yuri Mello Mesquita explica que a decisão partiu do Executivo de Belo Horizonte “para otimizar os equipamentos culturais”. “São dois equipamentos de um museu. E a determinação foi unificar os espaços no sentido de gerar economia e também fomento. A partir desta decisão do Executivo, cabe à gente buscar soluções da melhor maneira possível, sem prejuízos ao acervo, atividades e equipes do MIS”, afirma.
O museólogo do MIS, porém, é firme em seu repúdio à notícia. “Ir para outro lugar não faz sentido. Não foi feito um plano de impacto. Não fomos consultados para nada, sobre como isso pode afetar as atividades do MIS. Foi uma falta de consideração. A gente teme muito por essa decisão. O Cine Santa Tereza também será afetado, sua programação será prejudicada. Tudo isso fica comprometido. A prefeitura não está levando isso em consideração”, aponta Louvisi, destacando o caráter de imediatismo com o qual a equipe do MIS foi comunicada.
Transferência.
O diretor do arquivo da FMC justifica que, como os processos do executivo municipal têm sua morosidade, as decisões têm que ser tomadas de forma urgente. “Mas, a partir da comunicação do governo, disseram que os servidores ficam o tempo necessário para que toda a transferência ocorra sem prejuízos”, explica ele, que calcula que até setembro a mudança seja sacramentada. “A partir do momento em que o trâmite burocrático acontecer, dentro de um mês e meio, serão provavelmente de 50 a 70 dias para a conclusão das obras necessárias no Cine Santa Tereza”, completa.
Amas no casarão
Como destacado na carta dos servidores do MIS, o imóvel da avenida Álvares Cabral, com a saída do museu, será ocupado pela Associação Municipal de Assistência Social (Amas) – que atualmente funciona no edifício da prefeitura, no alto da avenida Afonso Pena. No entanto, a comunicação do Executivo municipal não justificou o motivo de o órgão ser o novo “habitante” do casarão.
Em entrevista ao Magazine, Ajalmar José da Silva, superintendente da Amas, explicou que atualmente a entidade não funciona “em um lugar adequado”, mas que não poderia falar exatamente sobre o imóvel por desconhecer por completo suas características. “Estamos em um momento de transição, com a Amas voltando a ter suas atribuições e finalidades. Eles me chamaram para dirigir a parte administrativa, mas quem vai presidir a entidade será a Ana Laender, mulher do prefeito”, conta Silva.
Momento
A situação do Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte reflete o delicado momento que a política cultural da capital mineira atravessa. Desde o início da atual gestão, a cultura da cidade vive incertezas, com a possibilidade de fechamento de alguns equipamentos e centro culturais em inatividade, além da falta de um nome para assumir o cargo da Fundação Municipal de Cultura desde o pedido de exoneração de Leônidas Oliveira, no início de abril. Há também a incerteza sobre possíveis mudanças com já anunciada criação da Secretaria de Cultura, que estará acima da FMC.
Um dos mais significativos espaços culturais de BH, o Museu de Arte da Pampulha (MAP) também é alvo de denúncias de abandono e falta de cuidados em seu acervo (leia mais ao lado). “O MAP é de alçada de outra diretoria, mas o que posso garantir, com toda a certeza, é que há todo um cuidado com o espaço”, afirma Yuri Mello Mesquita. A reportagem tentou contato com o MAP, mas não obteve resposta.
Espaços receberão visitas técnicas
A decisão de retirar o Museu da Imagem e do Som (MIS) de sua atual sede já gerou uma série de manifestações por parte de seus servidores.
Após uma denúncia encaminhada à Câmara Municipal, os vereadores Pedro Patrus (PT) e Arnaldo Godoy (PT) fizeram um requerimento de visita técnica para apurar a situação do MIS, do Cine Santa Tereza e também do Museu de Arte da Pampulha (MAP). “Foi uma luta, uma conquista da sociedade civil para criar o MIS. É a história de BH que está ali, com um acervo muito importante”, explica
Patrus
Na próxima segunda-feira (8), uma comissão fará uma visita técnica aos dois espaços, a partir das 10h. No dia seguinte, adianta o vereador, será realizada a visita ao MAP. “Servidores da Fundação Municipal de Cultura nos procuraram afirmando que o acervo do MAP está jogado às traças. Tem coisas importantes que não são expostas e não estão ao alcance da população”, explica Patrus.
Ambas as visitas vão culminar, no próximo dia 15, em uma audiência pública na Câmara Municipal para questionar e prestar esclarecimentos a respeito da situação desses equipamentos culturais.
Leia a carta do MIS na íntegra:
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