Sem abrigo

Na chuva e alvo de furtos de roupas, população de rua de BH luta para ficar seca

Com roupas molhadas e alvo de furtos destas peças entre si, as mais de 5 mil pessoas que vivem nas ruas de BH têm uma nova preocupação após dias de chuva constante em 2024

Por José Vítor Camilo e Raquel Penaforte
Publicado em 05 de janeiro de 2024 | 15:11
 
 
 
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Faça frio ou calor, a população em situação de rua está sempre um passo atrás no que diz respeito a direitos básicos. Com um 2024 que já começou com cinco dias de chuva praticamente constante, as pessoas nestas condições em Belo Horizonte, acostumadas à batalha contra as baixas temperaturas do inverno, agora, lutam para conseguirem se manter secos neste verão enquanto dormem sob marquises, pontes e casas improvisadas com plásticos, papelões e madeirites.

Muitas vezes surpreendidos por tempestades longe de qualquer lugar seguro para se protegerem, muitos moradores em situação de rua acabam ficando com todas as roupas molhadas, condição que aumenta ainda mais o risco de problemas de saúde.

"A ausência de moradia, a dificuldade de acesso ao mercado formal de trabalho e a questão da saúde mental são os principais percalços para a população de rua acessar a cidade, seus direitos. E, evidentemente, tudo isso se agrava na época da chuva. As roupas molham, fica mais difícil trabalhar na reciclagem, na lavagem de carros, como entregador em centros de compra. Não podem dormir ao relento, pois uma pneumonia pode levar a ainda mais complicações na saúde dessa população", pondera Samuel Rodrigues, membro da coordenação do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR).

Eliene Gonçalves, coordenadora de projetos da Acolhida Solidária Dom Luciano Mendes de Almeida, da Arquidiocese de Belo Horizonte, destaca outro problema enfrentado no período por essas pessoas: o furto de roupas. "Além de todos os desafios que elas já enfrentam, com as chuvas a situação piora, pois ocorrem muitos furtos, entre eles mesmos, de roupas, agasalhos e sapatos. Por isso estamos pedindo doações", conta.

Rodrigues cobra que os municípios, o Estado e a União pensem em estratégias de enfrentamento aos problemas sofridos no período chuvoso, com alimentação e provimento de roupas e cobertores. "Mas, o mais importante, é o acesso à moradia, que é fundamental para essa população. O contrário de quem está na rua, é quem está domiciliado, então a nossa grande demanda é a habitação", concluiu.

A reportagem de O TEMPO procurou tanto a Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (SMASAC), da Prefeitura de BH (PBH), e também com o Serviço Social Autônomo (Servas), do Governo de Minas. Os órgãos foram questionados sobre ações para reduzir os problemas causados pelo período chuvoso à população de rua.

A PBH informou que a cidade conta com 600 vagas diárias para acolhimento da população e situação de rua (pernoite) nos abrigos municipais (Albergue Tia Branca I e II e Abrigo São Paulo). Nesses espaços, além da pernoite, é oferecida alimentação e um kit de higiene é entregue, com toalha, sabonete, shampoo, além de lençol, travesseiro e coberta.

"A Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania realiza monitoramento em tempo real da ocupação das vagas de acolhimento e processamento imediato dos encaminhamentos. A ocupação média é de 95% no período chuvoso. Caso seja necessário, o município tem condições de ampliar o número de vagas", disse em trecho da nota que pode ser lida na íntegra abaixo. 

O Servas, até a publicação desta matéria, ainda não tinha se manifestado.

População de rua de BH triplicou em 10 anos

Entre 2013 e 2023, a população em situação de rua de Belo Horizonte triplicou, sendo que 35% dos casos surgiram durante a pandemia de Covid-19, de acordo com o Censo Pop Rua 2022, realizado pela Faculdade de Medicina da UFMG a pedido da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Segundo o estudo, a capital mineira teria atualmente aproximadamente 5.300 moradores nesta condição.

Mark Neres Vieira Silva, de 35 anos, é um deles. Debaixo de uma marquise e sentado sobre papelões, o homem que está na rua há 6 meses devido à dependência química reclama principalmente da opção de abrigo. "O albergue onde eu durmo é meio complicado, então às vezes eu prefiro dormir na rua, que é mais tranquilo do que lá. Debaixo da marquise, onde eu estou, não molha. Mas quando a gente precisa ir ao Restaurante Popular, pra tomar um café ou almoçar, ou ir no Pop Rua para tomar banho, aí atrapalha muito", diz.

Com livros, papelões e roupas entre seus pertences, ele garante que, quando as coisas molham e não há tempo de deixar secar, muita coisa acaba jogada fora. "Eu perdi uma mala de rodinha e uma bolsa, porque a chuva molhou ela toda e, quando abri, estava tudo molhado, manchado. Nem no albergue não consigo por para secar, pois o varal que tem é do lado de fora, não tem varal coberto", protesta Silva.

Há 13 anos vivendo sem um teto por conta de problemas familiares, Milton Leonel Gonçalves, de 50 anos, garante que, nas ruas, as dificuldades estão presentes no dia-a-dia, faça chuva ou faça sol. "O mais difícil é achar lugar para dormir. Tenho meu carrinho de supermercado, uns papelões, e a gente tem que dormir na marquise, achar uma seca. Papelão, roupa, coberta, dá para evitar de molhar, mas, geralmente, a gente dá um jeito de secar quando isso acontece", disse.

Campanha da Arquidiocese arrecada roupas e cobertores

Ainda de acordo com Eliene Gonçalves, coordenadora de projetos da Acolhida Solidária Dom Luciano Mendes de Almeida, da Arquidiocese de Belo Horizonte, a entidade já iniciou uma campanha de doações para o período chuvoso.

"Estamos precisando de doações de roupas e acessórios para o público masculino, principalmente. As doações devem estar em condição de uso imediato. Não podem estar sujas ou rasgadas. Nós recebemos essas doações de na nossa sede, de segunda a sexta-feira, de 8 às 17 horas", orienta.

A Acolhida Solidária Dom Luciano Mendes de Almeida está na rua Além Paraíba, 208, no bairro Lagoinha, na região Noroeste de BH. O telefone para mais informações é (31) 3422-7141.

Exposição traz obras de mulheres com trajetória nas ruas

A partir da próxima quinta-feira (11), o Espaço do Conhecimento da UFMG, que fica na praça da Liberdade, 700, no Funcionários, receberá a exposição "QUANDO Offline", do coletivo QUANDO, que atua com mulheres com trajetória de vida nas ruas. O grupo é formado por artistas, não artistas e mulheres cis e trans que transitam pelo abrigo Maria Maria, casa de acolhimento à população de rua em sistema de moradia temporária subsidiada pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). 

A exposição também poderá ser apreciada de forma virtual, no site do coletivo QUANDO. Além disso, a mostra conta com medidas de acessibilidade, com as obras audiovisuais legendas em português e atributo ALT para descrição de imagens em toda a plataforma virtual.

Nota da PBH

"A Prefeitura de Belo Horizonte conta com 600 vagas diárias para acolhimento da população e situação de rua (pernoite) nos abrigos municipais (Albergue Tia Branca I e II e Abrigo São Paulo). Nesses espaços, além da pernoite, é oferecida alimentação e um kit de higiene é entregue, com toalha, sabonete, shampoo, além de lençol, travesseiro e coberta.

A Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania realiza monitoramento em tempo real da ocupação das vagas de acolhimento e processamento imediato dos encaminhamentos. A ocupação média é de 95% no período chuvoso. Caso seja necessário, o município tem condições de ampliar o número de vagas.

Para facilitar o acesso da população em situação de rua, houve flexibilização do horário de entrada nas unidades nos dias chuvosos. No período mais críticos, a Prefeitura amplia o horário de funcionamento do Serviço Especializado de Abordagem Social até 0h. Essas equipes atuam diretamente nas ruas e são importantes na orientação e encaminhamento da população em situação de rua às unidades de acolhimentos e aos demais serviços.

Durante os dias, as pessoas em situação de rua podem acessar os Centros de Referência para a População em Situação de Rua - Centros Pop. São 4 na cidade, que funcionam das 8h às 17h, todos os dias da semana. Nesses espaços, é possível realizar higiene pessoal, guardar pertences, lavar e secar roupas, acessar a internet e passar por atendimentos diversos."

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