Morte de bebê

Necropsia do hospital apontou morte dentro do útero, e família negou assinatura

De acordo a tia do bebê, o pai viu a filha mexendo os olhinhos e a boca, antes da menina ter a cabeça arrancada

Por Isabela Abalen
Publicado em 08 de maio de 2023 | 15:44
 
 
 
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Morte dentro do útero. Segundo a tia da bebê que teve a cabeça arrancada no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no bairro Santa Efigênia, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, Aryane Santos, de 32 anos, esse foi o resultado da necropsia realizada pela instituição após a morte de Manuelle Vitória, como se chamava a neném. Imediatamente, a família se recusou a assinar o documento e acionou uma advogada

“Pediram para que eu fosse até o necrotério para assinar a declaração de óbito e liberar o enterro da minha sobrinha, acompanhada do meu cunhado. No documento da necropsia, estava escrito que a bebê morreu dentro da barriga da mãe, não fazia menção nenhuma para a perda da cabecinha”, conta Aryane Santos, de 32 anos, tia da bebê. 

O pai da criança, que estava acompanhando o parto, já havia visto a filha mexendo os olhinhos e a boca e, por isso, a família não acreditou no resultado do documento. “A médica chamou o meu cunhado para ver a cabecinha da neném, assim que ela saiu. Ela mexia os olhos e a boca, isso, antes da situação sair do controle”. 

Segundo a família, essa não seria a primeira vez que a equipe teria tentado esconder o ocorrido. “Na hora que a médica puxou a cabeça da neném e ela saiu, espirrou sangue e a equipe desesperou e tentou esconder. Tiraram o pai da sala, deram injeção para minha irmã apagar e só conseguiram tirar o corpinho quebrando os ombros da minha sobrinha”, relata a Aryane. 

“Entregaram a neném enroladinha e com touca. Falaram só que a neném não resistiu, que era para despedir. Nós só ficamos sabendo mesmo que a cabeça tinha sido arrancada quando minha mãe abriu a roupinha”, continua. “A equipe falou que não podia abrir a roupa. Minha mãe teimou, e, então, viu a costura em todo o pescoço”, lamenta. 

A proposta feita por uma assistente social do hospital foi que a família autorizasse a necropsia e o enterro pela instituição, que sairia sem custo. “Vieram já com os papéis. Disseram que iam fazer tudo até enterrar de graça. Pediram para que eu assinasse. Mas como eu não entendo essas coisas, fiquei confusa, recusei. Senti que não explicaram direito”, lembra a tia. 

Mesmo assim, foi feito o estudo da necropsia. Esse que, ao ser negado pela família, voltou a ser guardado pelo Hospital. “Quando eu ia tirar foto do documento, eles puxaram a folha. O homem que trabalha no necrotério olhou para mim e pediu que eu não complicasse para ele”, diz Aryane. 

A tia reforça que a família sabia que não era recomendado parto normal e que a equipe tinha sido avisada. “Ela não podia ter parto normal. O meu primeiro sobrinho foi também um parto de risco. Depois dele, o Hospital Risoleta, onde ele nasceu, avisou que os próximos teriam que ser por cesariana”.

No início da internação da paciente Ranielly Coelho, de 34 anos, o esperado era a realização da cirurgia (cesária). “Ela até tirou o piercing que tinha para se preparar para a cirurgia. Mas, então, falaram que iam induzir o parto”, continua. 

O parto começou a ser induzido no sábado (29 de abril), por volta das 15h, até o domingo (30 de abril). Ranielly dilatou de 4 a 6 centímetros, e a equipe começou o processo do parto. O corpo da criança só foi liberado pelo Hospital das Clínicas depois que a advogada da família, Jennifer Valente, compareceu ao local acompanhada da Polícia Civil. “A polícia vai apurar em detalhes, deve demorar uns 30 dias para sair o laudo”. 

Sequência de supostos erros 

Além do ocorrido durante o parto, a família denuncia outras discrepâncias com relação à assistência à gestante. Uma delas foi a alta adiantada da mulher. “A minha irmã ganhou alta já na terça-feira, um dia depois do parto. Eles falaram que ela estava conversando demais no hospital. Eu achei estranho, ela ainda inchada, com dificuldade para andar, tendo que voltar para casa”. Ranielly levou 60 pontos (uma quantidade alta, uma vez que foi rasgada com o bisturi e sofreu uma lesão), chegou a ser amarrada e ficou com vários roxos no braço. 

Mesmo assim, pediram o seu retorno poucas horas depois. “Me ligaram do hospital e falaram que ela tinha recebido alta por outros médicos mas que ela deveria voltar com urgência. Nós moramos em Ribeirão das Neves, dá R$ 80 de uber”, continua. Quando as duas retornaram, a informação era que a mãe teria sim recebido alta, e a última ligação teria sido um erro. 

“Tem ainda o prontuário do hospital, que colocou que minha irmã entrou no hospital dia 28 de abril e saiu dia 24. Uma trabalhadora até brincou: ‘sua irmã voltou no tempo?’”. Na verdade, Ranielly deu entrada no Hospital das Clínicas na segunda-feira (24 de abril) e teve alta na terça (2 de maio). 

A reportagem de O TEMPO procurou a assessoria de imprensa do Hospital das Clínicas (HC). Por meio de uma nota, a unidade de saúde, que é administrada pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), lamentou o ocorrido e disse que "se solidariza com a família neste momento de luto".

"O HC e a EBSERH empenharão todos os esforços para apuração dos fatos e análise do caso e apoio à família", concluiu o texto divulgado pelo hospital. As defesas das médicas não foram localizadas pela reportagem. 

O que diz a Polícia Civil?

Por meio de uma nota, a Polícia Civil confirmou que instaurou um inquérito para apurar as "causas e circunstâncias" do ocorrido. "A PCMG esclarece que procedimentos estão sendo realizados com o intuito de elucidar o caso. Tão logo seja possível, outras informações serão divulgadas".

O que diz o CRM-MG?

O Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais (CRM-MG) afirmou que irá investigar o caso. "Em resposta a sua solicitação, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais (CRM-MG) informa ter tomado conhecimento, pela imprensa, de desfecho desfavorável em parto realizado em Belo Horizonte, e vai instaurar os procedimentos administrativos necessários à  apuração dos fatos.

Todas as denúncias recebidas, formais e de ofício, são apuradas de acordo com os trâmites estabelecidos no Código de Processo Ético Profissional (CPEP), tendo o médico amplo direito de defesa e ao contraditório. Em conformidade com o CPEP todos os processos correm sob sigilo."

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