Nenhum centavo. Depois de a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) aplicar 8.726 multas – entre janeiro e novembro deste ano – às empresas de ônibus na capital, por elas retirarem os trocadores dos coletivos em horários em que o profissional é exigido, a Secretaria Municipal de Fazenda de Belo Horizonte confirmou que nenhuma delas foi paga.
Nesta segunda-feira (17), após reportagem de O TEMPO mostrar que a irregularidade cometida pelas empresas é comum, o prefeito Alexandre Kalil (PHS) reagiu à situação e afirmou que vai cobrar dos empresários os R$ 5.808.723,68 referentes às infrações. O próprio Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) admite o descumprimento da Lei 10.526/2012.
“Se as empresas de ônibus fazem o que querem, vão receber o troco. Belo Horizonte tem governo”, afirmou o prefeito em seu Twitter, logo nas primeiras horas da manhã. Em entrevista a O TEMPO, Kalil disse não ter como obrigar as empresas a colocar o agente de bordo, mas que vai manter a fiscalização e as multas em casos de flagrantes de irregularidades. “O que posso fazer é cobrar as multas. Não dá para a prefeitura socar cobrador dentro dos ônibus”, afirmou.
De acordo com BHTrans, todas as autuações aplicadas às empresas podem ser contestadas em primeira e segunda instâncias na Junta Administrativa de Recursos e Infrações do Transporte. Somente após esse processo é que o consórcio responsável pela irregularidade pode ser considerado devedor. Ainda conforme a BHTrans, toda infração, além da multa de R$ 665,68, gera 4 pontos por veículo. O acúmulo de 80 pontos em um ano ou de 120 em dois anos por veículo pode resultar na rescisão do contrato da empresa com a prefeitura. A BHTrans não explicou se alguma delas chegou a essa pontuação.
Por dia, os 2.859 ônibus das 294 linhas da capital realizam cerca de 26 mil viagens, que devem ser fiscalizadas por 506 agentes da BHTrans. O número de agentes é considerado pequeno por especialistas, mas, segundo o professor de direito público da PUC Minas Lucas Neves, os usuários do transporte também devem atuar como fiscais. “Quando o poder público falha, a população tem que ajudar. As pessoas podem acionar a PM ou a BHTrans”, disse. Denúncias podem ser feitas por meio do número 156.
Sindicato alega falta de dinheiro
O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros (Setra-BH) informou nesta segunda-feira que algumas empresas não cumprem a lei. “Todas as 35 empresas têm rombo mensal de cerca de R$ 20 milhões”, disse o presidente do Setra-BH, Joel Paschoalin, em coletiva.
Ele comentou a declaração do prefeito Alexandre Kalil. “Na matéria de O TEMPO, em que algumas situações foram explicadas, com algumas a gente concorda, outras, não. A gente está nesse calor dessa pressão, perto da entrada da auditoria. A prefeitura é profissional”, disse.
Segundo ele, neste ano já foram desligados de 800 a mil cobradores em BH, mas ainda há de 4.500 a 5.000 profissionais, que representam 12% do valor da tarifa de ônibus. “Em BH, que tem ônibus articulado, com ar-condicionado, investimentos em frotas caras, (o custo) não se paga com uma tarifa dessas”, afirmou.
Crítica
Descartar o cobrador significa mais lucro para as empresas, segundo o especialista em direito público Lucas Neves. “É absurdo retirar dessa forma os cobradores, sobretudo infringindo uma lei”, afirmou. (Mariana Nogueira/MK)
Repercussão
Internet. Leitores usaram as redes sociais para repercutir os flagrantes da reportagem.
“Absurdo! O motorista mal dá conta de dirigir, sem contar o desrespeito com a classe dos trocadores, que estão desempregados”, publicou uma internauta.
“Por que não obrigam todos a terem cartão eletrônico para pagar a passagem? Pelo menos o motorista não teria o trabalho de ter que ficar cobrando passagem e arriscando a vida dos passageiros”, postou outro.
“As empresas só pensam no lucro”, publicou um rapaz.
Saiba mais
Flagrantes
Em quatro horas, nos dias 4 e 5 deste mês, a reportagem flagrou 41 linhas sem o agente de bordo na capital.
Investigação
O Ministério Público de Minas Gerais informou nesta segunda-feira que apura as irregularidades cometidas pelas empresas de ônibus e que estuda com o Procon-MG medidas a serem adotadas.
Indenização
O professor de direito Lucas Neves disse que o motorista que acumular a função de cobrador poderá acionar a Justiça do Trabalho e receber indenização maior que os 20% que as empresas pagam no salário.
Minientrevista
Alexandre Kalil
Prefeito de Belo Horizonte
Senhor prefeito, a declaração postada no Twitter foi um recado direto para as empresas responsáveis pelo transporte coletivo em Belo Horizonte?
Foi, sim. Eu mandei levantar agora. Eu quero as multas todas e vou cobrar. São R$ 6 milhões. E vai continuar multando.
Que medidas a Prefeitura de Belo Horizonte vai adotar contra as empresas?
Cobrar a multa. Não dá para a prefeitura socar cobrador dentro dos ônibus.
A prefeitura vai aumentar a fiscalização?
Não. Isso não é verdade. Um fiscal consegue fazer até 25 fiscalizações por dia.
Sobre a abertura da caixa-preta da BHTrans, o que já foi levantado pela prefeitura?
Essa auditoria é totalmente diferente do que já foi feito. Todos terão acesso à auditoria completa, a todos os dados. A coletiva com todas os detalhes será na manhã da próxima sexta-feira.
Não dá pra saber nem mesmo se a passagem vai sofrer aumento ou redução?
Eu ainda não sei, porque a auditoria ainda não acabou. Não tenho nem ideia.