Mesmo que a janela para casos enquadrados como suspeitos de intoxicação por dietilenoglicol estipulada pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) seja para pacientes que apresentaram os sintomas a partir de outubro de 2019, familiares de outros pacientes internados há muito mais tempo cobram dos órgãos que os casos sejam revistos.
 
É o caso do empresário José Osvaldo de Faria, 66, que está internado no Hospital Madre Teresa, em Belo Horizonte, desde fevereiro de 2019. O hospital já o trata como um caso suspeito, no entanto, ele ainda não foi notificado pela SES. 

A empresária Eliana Reis de Faria, 56, mulher de José Osvaldo, anota em caderninhos todas as evoluções do quadro clínico do marido desde o dia da internação, em 21 de fevereiro.

De lá pra cá, já foram muitas sessões de hemodiálise, seis paradas cardiorrespiratória, infecções, feridas pelo corpo e convulsões, tudo isso em meio à indefinições médicas do quadro de José Osvaldo, que permanece internado em estado grave, sem falar e com o sistema motor travado.

 “O primeiro diagnóstico foi de Guillain Barré, mas a paralisia começou no tronco, diferente da síndrome, que começa pelos membros”, explica Eliana, que conta que as respostas começaram a aparecer com as notícias sobre a intoxicação no começo deste ano. 

“Três dias antes dele adoecer, ele bebeu muita Backer, pois ele ama aquela cerveja e é daqueles que bebem muito”, lembrou Eliana.

“Eu não preciso do veneno no sangue do meu marido para saber que ele foi intoxicado. Eu tenho provas, tudo documentado, até laudo do hospital. Não sei porque as autoridades não olham para o caso dele”, cobra. 

E a mulher de José Osvaldo diz ainda: “A Backer foi sabotada por ela mesmo. Não importa o que dirão as investigações, a Backer errou no seu controle de qualidade e vendeu cerveja com veneno“.

Assim como José Osvaldo, outro paciente de Belo Horizonte, Clóvis Artur Reis busca recuperação em casa após ficar oito meses internado com os mesmos sintomas. No prontuário que levou para casa: Guillain Barré inconclusiva. Mas a família também acredita que o engenheiro aposentado seja uma vítima de intoxicação por dietilenoglicol. 

“Antes do mal-estar começar, eu estava com minha família em nosso sítio e bebi bastante da Belorizontina. Três dias depois, começaram os sintomas”, conta Clóvis, que hoje vive ligado ao oxigênio 24 hora e só sai de casa de ambulância para as sessões de hemodiálise três vezes na semana. Ele fala apenas com ajuda da traqueostomia, perdeu um pouco da audição de um dos ouvidos e caminha com dificuldade.

Segundo ele, os primeiros sintomas que sentiu foram desconforto intestinal, seguido de insuficiência renal. Do tempo que esteve no hospital, ele se emociona ao lembrar da agonia que viveu. “Não poder falar é a pior coisa. Eu escutava as pessoas falando do que eu estava sentindo e não podia participar da conversa”, lembra.

Agora, a esposa de Clóvis, Valéria Andreazzi Reis, 57, afirma que vai procurar o Hospital Materdei, onde o marido esteve internado, para pedir revisão do caso. “Nunca concluíram o caso dele. Eles precisam notificar a secretaria”, afirmou.

A SES informou que, por enquanto, trata como casos suspeitos os dentro da janela inicial. No entanto, casos anteriores estão sendo monitorados. O Hospital Materdei disse que não divulga dados clínicos de pacientes. 

A Polícia Civil afirmou que investiga apenas os casos que foram notificados pela Secretaria de Saúde e que não há, até o momento, nenhum caso anterior ao mês de outubro de 2019 em investigação. 

O médico infectologista, Estevão Urbano, do Hospital Madre Teresa, afirma que o caso de José Osvaldo já foi revisto como suspeita de intoxicação de dietilenoglicol. Segundo ele, a unidade médica já teria notificado a SES. 

Urbano afirma que o hospital monitora prontuários anteriores de pacientes internados no local com sintomas semelhantes àqueles de intoxicação por dietilenoglicol, mas, no momento, apenas o de José Osvaldo foi revisto.

Backer reitera que nunca usou dietilenoglicol

A Polícia Civil de Minas Gerais investiga se há relação entre a intoxicação, que já matou seis pessoas, sendo uma confirmada e outras cinco sob investigação. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento encontrou a presença da substância tóxica na água usada na produção da cerveja e em 10 rótulos de 41 lotes da marca. A Backer informa que não fazia o uso da substância e não sabe explicar como a substância entrou na fábrica. A PC informou que não há prazo para a conclusão do inquérito. 

A Backer reiterou, por meio de nota, que nunca utilizou dietilenoglicol em seu processo produtivo e que, inclusive, apresentou para a polícia os comprovantes de compra de monoetilenoglicol, essa, sim, usada na fase de refrigeração. Para a cervejaria, somente as investigações vão poder apontar as causas exatas dos danos causados aos pacientes.

“A Backer não descarta nenhuma hipótese. A empresa conta com as autoridades para esclarecer os fato, e colabora integralmente com as investigações”, declarou a cervejaria, na nota.