Católicos

Pastoral reaproxima gays da Igreja e ‘cura’ dor da exclusão

Grupo da diversidade sexual é o primeiro a funcionar em BH, dentro do Santuário São Judas Tadeu

Por Joana Suarez
Publicado em 23 de julho de 2017 | 03:00
 
 
 
normal

Recém-chegada ao mundo, Malu já é uma bebê abençoada. As duas mães dela, as advogadas Gislene, 37, e Amanda Couto, 32, casadas há dois anos e meio, descobriram pouco antes de ela nascer que a Igreja Católica estava de portas abertas para sua família. Elas conheceram a Pastoral da Diversidade Sexual – a primeira em Minas Gerais voltada para o público homossexual – que se reúne quinzenalmente no Santuário São Judas Tadeu, no bairro da Graça, na região Nordeste de Belo Horizonte, para orar e tratar da temática LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais), acabando com qualquer preconceito dentro da igreja.

Gislene e Amanda foram em dois encontros do grupo, estiveram no retiro espiritual e nas missas da paróquia, onde podiam estar de mãos dadas, com Gislene exibindo seu barrigão de nove meses. Na reunião da pastoral que antecedeu o nascimento de Malu, padre, freira e fiéis rezaram pela vinda da criança e para que a pequena encontrasse um mundo melhor, mais humano. Isso já está acontecendo: “É sensacional você se sentir novamente acolhida, efetivamente, dentro da Igreja. Poder vir, ter abertura e transparência no nosso relacionamento, poder ser recebida na igreja com a minha família”, disse Amanda, que frequentou a paróquia São Judas quando criança, distanciou-se e, agora, voltará com Gislene e Malu.

Em agosto do ano passado, a Pastoral da Diversidade foi criada, mas foi somente nos últimos meses de 2016 que mais famílias homossexuais começaram a frequentar as reuniões, com a maior divulgação do grupo no santuário e fora dele. “Vim sem acreditar, achando que era balela, e me apaixonei. Fiquei muito feliz porque eu pude voltar a frequentar a igreja sendo quem eu sou, não precisava me esconder mais, podendo apresentar meu marido, a pessoa que eu amo”, afirmou o gestor de compras Douglas Pedroso, 36. Ele sempre foi envolvido com a comunidade católica, mas estava afastado das missas há três anos. Lia a Bíblia escondido em casa, pensando ser pecado. “Me fez ser uma nova pessoa poder comungar sem ter o peso da culpa, que a Igreja e a população colocava em cima da gente, dizendo que ser homossexual é errado”, contou.

De braços abertos. A pastoral quer exatamente apresentar um ambiente onde essas pessoas possam ser “curadas” – não da homossexualidade, mas sim das feridas do preconceito, da exclusão –, e se sintam bem, felizes e aceitas como são, conta o padre Marcus Aurélio Mareano: “Sem absurdos de propor cura gay, que não existe; nós propomos o Evangelho, cujo conteúdo é o amor de Deus, e é nessa experiência de amor, de convivência fraterna, de partilha, de confiança mútua que o grupo vai crescendo”.

Mareano teve a ideia de criar a pastoral a partir de uma abertura do papa Francisco, que, no ano passado, afirmou que os cristãos deveriam pedir desculpas pela forma como tratam os homossexuais, que não devem ser discriminados, mas respeitados e acompanhados pastoralmente. “Quem somos nós para julgá-los?”, falou o papa.

As portas se abriram, então, na arquidiocese da capital mineira, e a proposta da Pastoral da Diversidade foi abraçada pelo pároco responsável pela São Judas Tadeu, padre Aureo Nogueira de Freitas, e está seguindo firme há um ano para “mostrar essa nova postura do papa, para que as pessoas percam o medo de Deus e da Igreja”, destacou Mareano, juntando-se, em seguida, à roda de pessoas diversas, orando, com eles, unidos pelas mãos.

Começo. A Pastoral da Diversidade é a primeira registrada em uma igreja católica mineira. O próximo encontro será em 26 de julho, às 19h30, no Santuário São Judas Tadeu (rua Macaé, 629, Graça)


Saiba mais

Como é. A Pastoral da Diversidade funciona como a de Jovens, de Crianças, da Música e qualquer outra. A programação é divulgada nas missas e nos canais da igreja São Judas Tadeu. Neste semestre, eles vão criar um blog.

Missa. Em um domingo por mês, é o grupo da diversidade que organiza a missa, assume as leituras bíblicas, faz as preces, entra na procissão, e muitos homossexuais participam. A próxima será em 30 de julho.

Jesus. O padre Marcus Mareano narra que Jesus optava pelos excluídos – prostitutas, cobradores de impostos e os mais pobres –, e era mal-afamado por isso. “Devemos seguir o exemplo de Jesus, pensando na sociedade atual”, disse ele.

FOTO: Fred Magno
Pe. Mareano
Pe. Mareano morou seis meses na Europa, que tem uma igreja mais aberta

“A exclusão dos homossexuais nasce da incompreensão do que eles são; muitos relacionam homossexualidade com promiscuidade e, cada vez mais, a ciência mostra que não se trata disso. A experiência dessas pessoas é de que não se escolhe, se nasce assim, se descobre, se percebe, então, nós podemos concluir que Deus as fez assim, e nossa missão é a de acolher.”
Padre Marcus Mareano


Demanda vem de relatos em confissão

No atendimento aos fiéis da igreja São Judas Tadeu, muitos homossexuais e pais confessavam suas dores e sofrimentos aos padres. “Vi que essas pessoas se sentiam pouco acolhidas, mas havia nisso uma busca de Deus”, relatou o padre Marcus Mareano, que indagou: “Por que não propor um espaço onde essas pessoas possam se assumir e viver?”. A resposta foi precisa: “Quando elas fazem essa experiência de amor, vão dando sentido à própria vida. O mais gratificante não é o fato de eles estarem na igreja, mas de se encontrarem mais felizes”.

Homossexuais e transexuais iam às missas, mas ficavam acuados, diz Mareano. A necessidade de acolhida das diversas configurações de famílias também foi colocada em pauta na Assembleia do Povo de Deus, da Arquidiocese de Belo Horizonte, onde foram feitas enquetes com fiéis para o planejamento pastoral dos próximos quatro anos.

Todo padre já atendeu algum caso de homossexualidade, garante Mareano, mas essa abertura ainda é vista como ousadia por muitos conservadores dentro da Igreja, que olham desconfiados, fazem críticas, principalmente na internet. O padre diz que esses estão em processo de aceitação.

Nordestino, de 33 anos, filósofo e mestre em teologia, Mareano coloca música não religiosa nas missas e, por vezes, precisa tomar cuidado para não dar um passo maior do que as pernas. Ele quer que a Pastoral da Diversidade Sexual seja expandida para outras paróquias.

“Quantas mães sofrem dramas porque um filho se assume homossexual, e elas ficam carregando essa culpa consigo: ‘onde foi que eu errei?’; e uma pessoa que se descobre assim, fica se culpando: ‘porque Deus me fez assim?’; mas o caminho é: toda pessoa é imagem e semelhança de Deus, nasceu para o amor e se realiza amando”, finaliza padre Marcus Mareano.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!