Antes das 4h

Pessoas passam a madrugada na fila da Caixa em BH por auxílio emergencial

Reportagem de O TEMPO encontrou fila em agências de BH, Contagem e Ribeirão das Neves; em todos os locais, as pessoas já aguardavam antes das 4h

Por Rafaela Mansur
Publicado em 05 de maio de 2020 | 08:16
 
 
 
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Na busca pelos R$ 600 que significam comida à mesa, moradia, água e luz, dormir na rua e passar madrugadas na porta de agências da Caixa virou rotina para centenas de pessoas em Belo Horizonte e na região metropolitana, que, sem renda por causa da pandemia do coronavírus, dependem do auxílio emergencial disponibilizado pelo governo federal para sobreviver. Para tentar ter acesso a esse direito já garantido, pelo menos no papel, elas se expõem ao risco da doença em aglomerações em longas filas, ao frio do outono e ao perigo da violência nas ruas.

Na madrugada desta terça-feira (5), a reportagem de O TEMPO percorreu seis agências na capital e em Contagem e Ribeirão das Neves e, apesar de os locais só começarem a funcionar às 8h, em todos já havia filas por volta das 2h.

A situação mais crítica foi encontrada na agência da Caixa no bairro Céu Azul, na região da Pampulha, onde mais de cem pessoas marcavam lugar ainda na madrugada. Elas passaram a noite em papelões, com cobertores trazidos de casa, e, para esquentar, fizeram café e fogueiras.

Jéssica de Oliveira, 30, que está desempregada, chegou à agência às 20h de segunda-feira (4). Foi a segunda noite que ela passou na rua, acompanhada do marido e da filha, de 5 anos, para tentar atendimento na Caixa e receber o auxílio emergencial. "Não tem como deixar minha menina em casa sozinha. Nossos pedidos foram aprovados, mas o aplicativo não funciona e não temos acesso ao dinheiro. Já viemos e voltamos para a casa sem atendimento e informação", conta Jéssica. O marido dela é marceneiro e está sem serviço por causa da pandemia. "Está ficando difícil demais a vida da gente. Está tudo atrasado, não tem como tirar de comer para pagar conta, daqui a uns dias está todo mundo sendo despejado e passando fome", lamenta.

Desempregada, Tatiane Maia, 34, já recebeu o dinheiro, mas, pela terceira vez, foi à agência para tentar obter o auxílio do marido, que é motorista de aplicativo. Ela chegou às 20h30 de segunda-feira ao local e já havia mais de 20 pessoas na frente dela. "O auxílio dele foi aprovado há três semanas, mas a gente não consegue transferir ou sacar. Tenho filhos de 11, 2 e 3 anos, esse dinheiro está fazendo muita falta. Meu marido falou comigo que ia desistir, mas eu disse que não, porque o armário está ficando vazio, e nossos filhos ficam como?", questiona.

Embora a maioria das pessoas utilizasse máscara nas filas, a distância de segurança, recomendada para a prevenção do coronavírus, não era respeitada na maioria dos casos.

O autônomo Itamar Rodrigues, 58, tenta, sem sucesso, atendimento na Caixa desde o último sábado (2) e, nesta segunda-feira, chegou às 20h à agência do Céu Azul, preocupado com o risco de contaminação. O auxílio dele foi aprovado no dia 7 e caiu no dia 21, mas, devido a erros no aplicativo, ele não conseguiu o dinheiro. "A burocracia no Brasil é cruel e dolorida, deixar o povo aqui numa guerra biológica contra um vírus invisível, sem nenhum apoio ou amparo", pontua.

O pedreiro Idael Vieira, 60, chegou às 21h desta segunda-feira à agência da Caixa da avenida João César de Oliveira, em Contagem. Sem trabalho e renda por causa da pandemia, ele passou a noite no carro, com um cobertor. "Segundo informações do aplicativo, o depósito já foi feito na minha conta digital, e eu deveria poder usar para pagar conta ou transferir, mas não consegui fazer nada disso. Eu vim outras duas vezes, mas havia uma fila quilométrica e acabei desanimando, pela minha idade e porque tenho câncer. Estou sem trabalho, e, para mim, esse dinheiro está fazendo muita falta”, diz. “É mais do que descaso, é uma covardia”, completa.

Na agência da Caixa da rua dos Tupinambás, no centro de Belo Horizonte, havia mais de cem pessoas na fila por volta das 6h desta terça-feira. A doméstica Priscila de Almeida, 40, já tentou atendimento presencial três vezes. O auxílio dela foi liberado, mas ela não conseguiu movimentar o recurso pelo aplicativo. "Só não estou passando muita necessidade porque consegui cesta básica da prefeitura e de projetos, e meu marido ainda está conseguindo fazer bicos na oficina. Esse dinheirinho que está entrando dá para a gente segurar. Pagar conta, não, porque se você tem conta para pagar e o gás acaba, você compra o gás. Se a comida acabou, a gente compra comida. A conta tem que esperar", afirma.

Desde esta segunda-feira, todas as agências da Caixa passaram a abrir duas horas mais cedo e a funcionar das 8h às 14h. Para reforçar o atendimento e reduzir as filas, o banco está alocando mais de 4.800 vigilantes adicionais e 889 recepcionistas.

Segundo a instituição, o aplicativo Caixa Tem "está disponível 24 noras por dia, todos os dias" e "o banco implementa continuamente melhorias nas soluções de tecnologia, mas, considerando o grande volume de acessos, podem ocorrer intermitências no serviço nos momentos de maior concentração".

A Caixa ressalta que beneficiários do Bolsa Família, quem já tem poupança no banco e correntistas de outros bancos não precisam baixar o app. Cerca de 50 milhões de brasileiros já receberam o benefício.

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