Com pouco mais de um ano de criação, a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, acaba de ganhar mais um aliado na ressocialização dos 132 recuperandos da unidade. Aconteceu na última terça-feira (4 de abril) a primeira palestra do projeto Supod Itinerante, da Superintendência Municipal de Políticas Públicas sobre Drogas (Supod) de Betim. O projeto pretende levar informações sobre o abuso de álcool e outras drogas para os condenados com o objetivo de evitar que, no futuro, o vício seja um “caminho” para a reincidência no crime.
O chefe de Divisão de Tratamento da Supod, Walter Barbosa, foi o responsável por ministrar a primeira das muitas palestras interativas que acontecerão na unidade. Ele explica que a Supod Itinerante surgiu em 2017, com a necessidade de levar os serviços da entidade municipal para perto da sociedade, levando palestras sobre o álcool e outras drogas às escolas da cidade, às associações comunitárias, às igrejas, às empresas e, também, ao sistema prisional comum.
“Conversando com a equipe, achamos que estava na hora de começar com esse trabalho também na Apac Betim. Lá, vamos trabalhar com os recuperandos no viés da perspectiva da ressocialização, vamos levar palestras pontuais, rodas de conversa, para falar sobre a prevenção à recaída, sobre a dependência familiar, sobre os prejuízos que são causados pelo uso abusivo e problemático de qualquer substância”, detalha o servidor.
Barbosa conta ainda que, durante o primeiro encontro, foi estipulado que os próprios internos irão conversar com as equipes da Apac para determinar quais serão os temas das próximas palestras. A partir daí, a equipe da Supod, formada por psicólogos, assistentes sociais e advogados, vai fazer a preparação de todo o material e da palestra que será realizada com os apenados.
“A primeira foi sobre o álcool e, agora, vamos ouvir deles o que é mais importante de ser apresentado primeiro. A palestra é totalmente voltada para reinseri-los na sociedade, para que possam seguir suas vidas. De forma muito técnica, vamos explicar os prejuízos causados por essas substâncias e falar sobre a prevenção à recaída. Aqui fora, eles vão ter inúmeros contextos que podem levar novamente ao uso (de drogas) ou até ao cometimento de crimes por causa disso”, completa.
Com histórico de quatro fugas do sistema prisional comum entre 2007 e 2019, Gilson Lopes dos Santos, de 37 anos, é um dos recuperandos que participaram da palestra. Nascido em Nanuque, ele chegou à Apac Betim a partir de outra unidade do método, localizada em Pedra Azul, no Norte de Minas. Tendo perdido o pai aos 11 anos, assassinado, e a mãe, aos 12, para uma cirrose causada pelo alcoolismo, ele diz que o álcool entrou em sua vida muito cedo, apesar de nunca ter bebido.
“Essas palestras nos ajudam a tomar novas atitudes, a mudar nossa mentalidade. Aqui (Apac) a gente já vem mudando nosso comportamento a cada dia, mas, recebendo uma palestra dessa, a gente entende como a sociedade nos auxilia na ressocialização. Hoje, eu estou estudando direito e retomei o convívio com o meu filho. Eu não o conhecia e, agora, eu consigo ajudá-lo com o salário do trabalho que faço”, lembra.
A palestra da Supod Itinerante também agradou a Thiago Santana, de 33 anos, que está cumprindo pena há oito meses na Apac Betim. Vindo de uma família estruturada, ele conta que entrou para o crime aos 22 anos. Agora, 11 anos depois, ele está em busca de sua recuperação total para poder voltar a ajudar a família, uma vez que a mãe e a irmã dele estão passando dificuldades após o seu pai ficar acamado.
“Foi bem proveitoso pelo fato de que foi explicado detalhadamente o que pode ocorrer dependendo do que for usado. A gente teve paralelos proveitosos a respeito disso, e é algo que vai nos preparando para o futuro. A gente não vai ficar na Apac o resto das nossas vidas, mas a gente pode chegar à rua já preparado, ciente do que a gente tem que fazer ou não”, disse.
O analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Guaracy Mingard defende que a informação nunca é demais. “Por isso creio que uma palestra sobre as drogas no sistema Apac não faz mal. Assim como nos alcoólicos anônimos, é importante trabalhar no usuário a decisão de parar de usar. É preciso mostrar o mal que está fazendo para ele e para quem vive ao redor dele para convencê-lo. Acredito que é sempre bom levar essas informações, pois é uma maneira de tentar levar o usuário a perceber o que está acontecendo com ele”, afirma o especialista.
Segundo o Superintendente de Políticas sobre Drogas de Betim, Roberto Rodrigues, outras parcerias entre a secretaria e a Apac se tornarão realidade ao longo do ano. “A Superintendência de Políticas sobre Drogas entende a importância do serviço da Apac na ressocialização dos recuperandos e por isso tem procurado trabalhar em parceria com ela por acreditar na metodologia”, reforça.
Projeto levou quase dez anos para ser colocado em prática
A presidente da diretoria executiva da Apac Betim, Renata Rachid, lembra que a unidade foi constituída, oficialmente, em 2008. Porém, até 2017, as promessas dos governantes da cidade nunca se cumpriam, e a cidade de mais de 400 mil habitantes seguia sem sua unidade para visar à recuperação de presos.
“Somente quando apresentamos o projeto ao prefeito Vittorio Medioli a coisa andou. Ele abraçou o projeto e doou o espaço. A construção começou em 2019, e em 2021 já estávamos recebendo o nosso primeiro recuperando. Um ano depois, já temos 132 pessoas a caminho da ressocialização”, pontuou Renata.
O prefeito de Betim destacou que ver os resultados da Apac Betim “enche o coração”. “Eu fico muito satisfeito. Com esse ‘motorzinho’ de recuperar essas pessoas, estamos tendo uma redução nos crimes. E teremos, em breve, um grau de civilização muito superior, com educação, recuperação de pessoas e reinserção na sociedade. A Apac me enche o coração, ao ver o que está acontecendo, pois já vislumbro os resultados em médio e longo prazo para nossa cidade”, disse Medioli.
Apesar de “nova”, Apac Betim já inspira outras unidades
Inaugurada oficialmente em março de 2022, a Apac Betim recebeu o seu primeiro recuperando em dezembro de 2021. Mesmo tendo acabado de completar o seu primeiro ano de existência, ela já está inspirando outras Apacs do Brasil, segundo a presidente da diretoria executiva da Apac Betim, Renata Rachid.
“Fomos escolhidos pela Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (Febac), que coordena e fiscaliza todas as Apacs do país, para recebermos o projeto-piloto da Escolinha do Método. Todos que passam por aqui estudam a metodologia, mas, agora, ela vem com uma nova dinâmica. Tivemos a formatura da primeira turma no dia 14 de março, e, como tem dado muito certo, agora a escolinha-piloto já está se expandindo para outras Apacs”, explica.
O curso, que tem quatro meses de duração, analisa o manual administrativo e de segurança da unidade, contemplando tudo que pode ou não ser feito dentro da Apac. Lá, os recuperandos são os responsáveis pela maior parte dos trabalhos, desde a cozinha até a segurança do local.
A juíza Simone Torres Pedroso, da Vara da Infância e da Juventude e de Execuções Penais da Comarca de Betim, reforça a importância do reconhecimento à Escolinha do Método, desenvolvida logo no primeiro ano da Apac da cidade. “Criaram apostilas que orientam aqueles que chegam à unidade. A maioria vem do sistema prisional comum, está acostumada com superlotação, não tem oportunidade de trabalhar. E, de repente, chegam à Apac, onde eles mesmos se vigiam e gerenciam, cada um tem sua função”, lembra a magistrada.
Ela também destaca a importância da Apac no que ela chamou de “promoção do acesso aos direitos sociais básicos” dos condenados. “Eles precisam ter acesso a esses direitos para podermos capacitá-los, dando essas alternativas para que, quando terminarem de cumprir as penas, possam voltar para a sociedade totalmente recuperados. Isso é primordial para reduzirmos a incidência criminal”, completou a juíza.
O recuperando Thiago Santana aproveitou para agradecer a todos os envolvidos na Apac. “Ela (Apac) abriu essa nova janela para mim, então só tenho que agradecer a todos que estão empenhados nessa causa: funcionários, voluntários e todos que aqui estão, os recuperandos, pois aqui é uma caminhada contínua, é um ajudando o outro. Aqui não tem briga, não tem uso de drogas, não tem telefone, e a distância disso tudo vai tornando você um homem novamente. Aquela identidade que você perdeu, você passa a tê-la novamente”, diz o recuperando.