Liberdade, igualdade, segurança e livre manifestação de pensamento. Entre as linhas do artigo mais extenso da Constituição Nacional, promulgada há pouco mais de 31 anos, a garantia dos direitos fundamentais de qualquer cidadão. E também é da Carta Magna que se constituem as principais obrigações que garantem a continuidade da democracia no país. Mesmo diante da importância do texto, muitos brasileiros são privados de conhecerem seus direitos mais básicos.
Para começar a mudar essa realidade e dar um novo rumo de conscientização sobre a participação cidadã na vida da cidade, Belo Horizonte ganhou uma nova legislação que determina o ensino de noções de direito e cidadania aos alunos, com idades entre 10 e 12 anos, que estudam em horário integral na rede municipal de educação. Ainda serão ministradas aulas de empreendedorismo, com foco nas mudanças do mercado de trabalho.
Publicada na última semana pelo Diário Oficial do Município, a expectativa da Secretaria Municipal de Educação é que a lei comece a ser aplicada após o retorno das atividades presenciais nas unidades da capital. Enquanto isso, profissionais serão capacitados. Conforme o vereador Gabriel Azevedo (Patriota), autor da proposta aprovada na Câmara, os conteúdos serão ministrados no contraturno das aulas, período em que também ocorrem outras atividades extraclasse, como esportes, artes e oficinas.
"Vivemos em uma sociedade no qual muita gente desconhece a constituição, os direitos fundamentais e os próprios princípios que regem a República Federativa do Brasil. É para dizer aos jovens que eles são pessoas de direito, com uma lógica mínima de Teoria Geral do Estado. Tudo com o cuidado de não lecionar com nenhum viés, mas ensinar o que é democracia", frisou o parlamentar.
Neste ano, 90 mil alunos estavam matriculados na educação em tempo integral na rede municipal de ensino de Belo Horizonte. Já entre o sexto e nono ano do ensino fundamental, faixa que será beneficiada pelos novos conteúdos, são cerca de 23 mil jovens nas 177 escolas municipais da capital.
Capacitação dos profissionais
Para tirar o projeto do papel, os profissionais responsáveis pelos conteúdos serão capacitados e as particularidades de cada escola respeitada. De acordo com o vereador, as unidades farão a contração através do Caixa Escolar. Em relação à disciplina noções de Direito e Cidadania, é necessário que os funcionários sejam graduados em Direito. Já para as aulas de empreendedorismo, é preciso comprovar a atuação com as atividades relacionadas, que devem ser escolhidas pelos diretores.
O parlamentar lembra também que a iniciativa é pioneira em todo o país e voltada para o futuro. "Temos que formar jovens mais empreendedores e cientes da cidadania. Vários coletivos, inclusive de estudantes de administração pública e economia, por exemplo, já se disponibilizaram para serem voluntários. Nas escolas, os alunos não são educados para uma realidade de mercado de trabalho que será comum nos próximos anos", comenta.
Nos próximos dias, ainda será realizada uma reunião com a Secretaria Municipal de Educação com o objetivo de discutir os próximos passos da proposta. Segundo o vereador Gabriel, a intenção é também já disponibilizar os conteúdos nas plataformas online enquanto as escolas não retomam as atividades presenciais. Por serem ministradas no contraturno, não houve nenhuma alteração das bases nacionais comuns curriculares, que são de competência da União.
Em nota, a pasta enfatizou que recebeu com satisfação a iniciativa da Câmara Municipal para "o desenvolvimento de habilidades para participação cidadã e proatividade no empreendedorismo". Ainda segundo a secretaria, "tais temas irão alavancar estudos importantes sobre a contribuição de cada um, na construção de uma cidade revigorada pós pandemia".
Inspiração
O projeto para o ensino do Direito e da Constituição no contraturno da educação integral surgiu após uma sugestão no coletivo Direito na Escola, da Ordem dos Advogados no Brasil (OAB) em Minas Gerais – o grupo atua em todo o Estado há seis anos. O presidente da comissão responsável pela iniciativa, Alexandre Costa, enfatizou que a entidade pode funcionar como uma assessoria técnica para a prefeitura.
"Estamos à disposição para ajudar. Já fazemos esse trabalho de forma voluntária, com mais de 2.500 advogados treinados em Minas Gerais, sendo 1.000 só na capital. Atendemos sempre conforme a demanda das escolas, que podem solicitar uma palestra ou mesmo pedir aulas o ano inteiro", explica.
O especialista lembra que as aulas são totalmente participativas, o que incentiva a participação dos alunos. "Eles adoram. Quando vamos explicando os conceitos, dando os exemplos, veem que é tudo algo que faz parte do cotidiano deles. O retorno é sensacional e ajuda a formar opiniões críticas", afirma.
Discussão em outras cidades
A proposta ainda despertou o interesse de dezenas de outros parlamentares municipais espalhados pelo Brasil. "Como faço parte de alguns movimentos políticos, vários colegas vereadores começaram a pedir o texto do projeto para votá-lo em sua cidade. Inclusive alguns deputados começaram a cogitar discutir a proposta. Para ser constitucional, ela não pode interferir na grade curricular", finaliza Azevedo.