Censo Pop BH 2022

Saúde da população de rua está mais precária: 'já me alimentei só de goiaba'

Isoladas, pessoas em situação de rua enfrentam mais desafios para superar o transtorno mental

Por Guilherme Gurgel
Publicado em 03 de março de 2023 | 03:00
 
 
 
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Aos 17 anos, Neilza Martins de Jesus deixou o município de Nanuque, no Vale do Mucuri. Após perder a mãe na infância, foi violentada aos 12 anos. Engravidou, mas perdeu o bebê. Ainda na adolescência, ela se casou e novamente engravidou. Mas teve mais um aborto, após ser agredida pelo ex-marido. Buscando deixar para trás essa vida de traumas e sofrimentos, veio para a capital, onde enfrenta hoje, aos 41 anos, outros desafios, nas ruas da cidade.

Debaixo de um viaduto, no Lagoinha, na região Noroeste, Neilza vive com um companheiro, uma cachorrinha e suas plantas. “Durante o dia, ele vai manguear (pedir dinheiro), e eu fico com a Pandora e com minhas plantas. É uma distração muito boa”, diz. Em meio à fome e ao isolamento, Neilza batalha contra problemas de saúde. Ela faz parte da parcela de 54% da população de rua que enfrenta transtornos mentais. “Hoje, estou sofrendo muito pela minha saúde. Tenho depressão e vivo sentindo dor. Minha vida é só remédio”, desabafa. O Censo da População de Rua de BH 2022 mostrou que mais da metade de quem está em situação de rua relata sofrer transtorno mental. No entanto, a realidade de quem não tem teto dificulta o tratamento. “Meu médico pede para eu ficar de repouso, mas, vivendo na rua, passo estresse”, relata. As principais queixas são tabagismo (51%), drogas (43%) e alcoolismo (40%).

Conflito familiar é recorrente

Para Marcos Antonio Nascimento, que vive nas ruas de BH há seis anos, a dificuldade da rotina impacta a saúde mental. “Muita gente, às vezes, se droga. Não é porque quer, mas é porque quem vai encarar a rua de cara? Por isso que bebe, usa droga”, comenta. Marcos é natural da Paraíba e conta que passou mais de 20 anos em um manicômio, após ser diagnosticado com transtornos mentais. “Muita gente se aproveita. Foi o que minha família fez. Aproveitaram que eu não sabia ler, fizeram várias coisas no meu nome, venderam o bar que eu tinha”. 

Hoje, Marcos diz que prefere viver nas ruas a ter que voltar para a casa que vivia com a família. Esse é, segundo o Censo Pop BH 2022, o principal motivo que leva as pessoas para as ruas – 36,7% relataram problemas familiares. As outras razões mais citadas foram uso de álcool e drogas (21,9%) e desemprego (18%).

Saúde mental piora entre as pessoas que vivem nas ruas

Segundo o Censo da População de Rua 2022, houve aumento do autorrelato de transtornos mentais. Se em 2013 só 23% dessa população admitiu ter problemas de origem psicológica, em 2022 o número passou para 54%.

De acordo com o professor do Departamento de Saúde Mental da UFMG Frederico Garcia, que coordenou o Censo, a prevalência de esquizofrenia nos relatos dos entrevistados é cinco vezes maior do que na população em geral. “Muitas pessoas que estão na rua têm doenças tratáveis ou evitáveis que se relacionam com esse contexto social. A saúde mental, em especial na infância e adolescência, é um dos pontos que precisamos olhar com cuidado para evitar a situação de rua”, defendeu o profissional.

Entenda o Censo Pop BH 2022

O levantamento foi feito de 19 a 21 de outubro por 300 pesquisadores, que coletaram dados nas nove regionais, nas ruas, praças, terrenos baldios, restaurantes populares. O objetivo foi conhecer os números e o motivo que levou as pessoas a viverem assim e suas perspectivas.  

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