Gestação precoce

Sem educação sexual, jovens se expõem a gravidez e doenças

Em 2018, em Minas, 92 bebês nasceram diariamente, em média, de mães com 10 a 19 anos

Por Rafaela Mansur
Publicado em 24 de março de 2019 | 03:00
 
 
 
normal

Em 2018, nasceram, em média, 92 filhos de crianças, adolescentes e jovens com idades entre 10 e 19 anos em Minas Gerais diariamente. Também no ano passado, 4.788 novos casos de HIV/Aids foram registrados. Além disso, as notificações de sífilis aumentaram 30% em comparação com 2017. Os dados são da Secretaria de Estado de Saúde (SES). Na mira do presidente Jair Bolsonaro (PSL), a educação sexual nas escolas é considerada fundamental para reduzir esses números, na avaliação de especialistas.

Bolsonaro já deu várias declarações com a promessa de combater o que o governo chama de “sexualização precoce no ambiente escolar”. Ele afirmou que “quem ensina sexo para a criança é o papai e a mamãe” e, neste mês, sugeriu aos pais rasgarem páginas dedicadas à educação sexual da Caderneta de Saúde do Adolescente por considerar as ilustrações inadequadas. A cartilha ensina a usar o preservativo e a cuidar da higiene íntima.

Segundo a professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da UFMG Ana Luiza Lunardi, a educação sexual é tão necessário quanto disponibilizar profissionais de saúde capacitados e facilitar o acesso a métodos contraceptivos. “É muito importante que a sexualidade seja tratada no ambiente escolar. Quanto mais informada, mais a pessoa se protege”, afirma.

A ONU também incentiva a educação em sexualidade. Conforme publicação recente da Unesco, isso contribui para os jovens se tornarem mais responsáveis em relação à saúde sexual e reprodutiva e para o combate à evasão escolar de adolescentes grávidas.

De acordo com a consultora em saúde e educação sexual Gabrielle Faria, a educação sexual é importante para crianças e adolescentes reconhecerem a violência sexual, que ocorre, sobretudo, dentro de casa: “Muitas só conseguem identificar que aconteceu com elas na escola”. Além disso, ajuda a enfrentar o machismo. “É fundamental para uma sociedade mais tolerante e preocupada com a equidade de gênero”, diz o professor da Faculdade de Educação da UFMG Paulo Nogueira.

Conservadorismo

A Base Nacional Comum Curricular prevê a abordagem de temas relacionados à reprodução e à sexualidade nos anos finais do ensino fundamental. Mas o vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), Veriano Terto Jr., diz que nem sempre isso ocorre de forma adequada: “O contexto conservador tem dominado a sociedade, o governo federal e alguns estaduais, o que dificulta a educação sexual e reprodutiva baseada em informações científicas, com debate e a percepção do jovem”.

Para ele, a falta de informação de qualidade é a principal razão da persistência dos números de gravidez na adolescência e de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). “É fácil falar que o jovem não tem responsabilidade quando falta informação. Se tratam esse tema com preconceito e viés moral, não dá para esperar que ele tenha uma resposta adequada”, pontua.

A estudante de engenharia Giullia Coelho, 23, engravidou aos 16 anos, quando estava no ensino médio. Ela teve apoio da família e do pai da criança, mas ainda enfrenta dificuldades, como se inserir no mercado de trabalho. Ela considera fundamental a educação sexual para reduzir a gestação indesejada. “Quando a gente é novo, não tem noção da gravidade das coisas. Quanto menos a gente sabe, mais bobagem faz”, diz.

 

Adesão a preservativo é baixa

A adesão dos jovens ao preservativo está abaixo da expectativa, segundo a coordenadora de IST/Aids e Hepatites Virais da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Mayara Almeida.

De acordo com ela, apesar da queda de infecções por HIV em 2018 em comparação com o ano anterior (veja ao lado), o número ainda é considerado alto: foram 13 casos notificados por dia, em média. Além disso, há uma epidemia de sífilis. “A educação sexual é de extrema relevância nesse contexto. Quanto mais informação for gerada, maior será a aceitação em relação a métodos preventivos”, diz. A SES trabalha para reduzir as ISTs por meio, por exemplo, da distribuição de preservativos e de campanhas de sensibilização.

A professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da UFMG Ana Luiza Lunardi ressalta que, embora as pessoas convivam melhor com o HIV hoje, o vírus é potencialmente grave: “Tem tratamento, mas não existe cura. As pessoas têm que tomar remédios pesados a vida inteira, podem não se adaptar à medicação, ter uma infecção secundária e morrer por complicações”.

Já a gravidez na adolescência gera riscos para a saúde da mãe e do bebê. Além disso, há prejuízos para a vida da mulher. “A menina dificilmente consegue levar a vida dela adiante. Há risco de abandono do companheiro e da família”, pontua.

 

Escola de BH tem projeto especial

A Escola Estadual Ursulina de Andrade Melo, na região Noroeste de BH, desenvolve um projeto de educação sexual diferenciado. Entre os adolescentes que participaram da iniciativa, idealizada por profissionais da UFMG, não há registros de gravidez.

O trabalho, chamado de Circuito Dia da Vida, é destinado a alunos do sexto ano e informa sobre sexualidade com uma linguagem acessível e divertida. “É um projeto que tem dado muito certo, levando informação para a criança conhecer o aparelho reprodutivo e métodos contraceptivos”, diz a diretora Maria das Graças Soares.

Segundo a Secretaria de Estado de Educação, nas escolas estaduais, a educação sexual é abordada na disciplina de ciências, com mais ênfase a partir do sexto ano do ensino fundamental, sendo trabalhada com mais intensidade no ensino médio. A Secretaria Municipal de Educação da capital informou que oferece nas escolas um curso focado no autocuidado com saúde sexual e mental, na perspectiva da prevenção a doenças e à gravidez na adolescência.

Saiba mais

Município

A Secretaria Municipal de Saúde de BH informou que realiza ações contínuas sobre saúde sexual reprodutiva, sexo seguro e prevenção contra as ISTs. Os exames para o diagnóstico de infecção por sífilis, HIV/Aids e hepatites virais estão disponíveis nos 152 centros de saúde.

União

Segundo o Ministério da Saúde, nove métodos contraceptivos são ofertados no SUS, como DIU, injetáveis e pílulas orais.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!