Impacto ambiental

Serra do Curral: mineração ameaça existência de 526 espécies animais

Instalação da Tamisa na região impõe fuga de mamíferos, aves e répteis, e dificulta a reprodução e a alimentação dos bichos

Por Tatiana Lagôa e Malú Damázio
Publicado em 05 de maio de 2022 | 03:00
 
 
 
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A instalação da Taquaril Mineração S/A (Tamisa) na Serra do Curral aprovada recentemente, coloca em risco centenas de espécies animais que habitam a região. Foram catalogados pelo menos 526 tipos circulantes por lá, sendo uma parte deles de vivência restrita na região, o que os especialistas chamam de “endêmicos”. Só de aves, são 33 que se encaixam nesse perfil. Além disso, 11 espécies, sendo nove aves, um mamífero e um peixe, já estão em risco de extinção.

Os dados foram levantados pela Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica (FPMZB). “Nós catalogamos as espécies no espaço da serra do Curral que compreende os parques Serra do Curral, das Mangabeiras e Fort Lauderdale. Como os estudos estão em curso, podemos ter mais espécies”, explica a bióloga e educadora ambiental da FPMZB Nadja Simbera Hemetrio. Segundo ela, como há uma interligação entre essas áreas, esses mesmos animais também são encontrados onde a mineradora pretende se instalar. 

Os impactos de mais uma atividade minerária na região podem ocorrer de diferentes formas. Nadja afirma que, além da fuga de espécies, existe o risco de extinção de uma parte dos animais, como os endêmicos, de vivência restrita. Caso tenham que seguir para outro lar, podem não se adaptar e morrer. 

“Onça-parda, lobo-guará, muitos mamíferos pequenos que fazem trânsito terrestre, todos serão afugentados, senão mortos, pela própria atividade minerária na Serra do Curral”, afirma a ambientalista do projeto Manuelzão Jeanine Oliveira, que acompanhou a reportagem ao local. 

A instalação de um empreendimento bem no meio de um corredor biológico, percorrido por várias espécies, pode impedir que animais migrem de um ponto a outro em busca de alimentos, tornando a existência na serra inviável para uma parcela deles. Além disso, há animais que andam quilômetros para acasalar. Isso é importante para evitar que bichos de uma mesma ninhada cruzem entre si, gerando problemas genéticos aos filhotes.

“Nós temos espécies que toleram barulho e poluição, e outras, não. Algumas aves usam sons para atrair as fêmeas para se reproduzir. A mineração é uma atividade muito barulhenta e pode inviabilizar esse processo. Em algumas espécies, estamos falando em risco real de extinção”, diz Nadja. 

A situação fica ainda mais grave se levado em conta que algumas espécies existem apenas na serra da Curral, algumas ainda em estudo. Como o opilião, um animal invertebrado parecido com aranha. “Ele foi descoberto em 2019 no parque das Mangabeiras, e não temos registro desse tipo em outro local”, revela. 

A Tamisa não tinha se manifestado até o fechamento desta edição. Mas, no relatório publicado no site da empresa, admite que o projeto deve gerar impactos ambientais, como redução de espécies da flora e da fauna, fragmentação e diminuição do habitat dos animais, alteração do relevo e das comunidades aquáticas, supressão de nascentes e mudanças na vazão de cursos d’água. O projeto prevê a abertura de três cavas em 13 anos.

Biodiversidade em risco

A ambientalista Jeanine Oliveira também argumenta que a mineração pode causar a supressão de cavernas ferruginosas, classificadas como estruturas geológicas de máxima e alta relevância na Serra do Curral, devido à biodiversidade encontrada nesses locais. Ela destaca que não há medida que seja capaz de compensar a perda dessas cavidades, específicas do Quadrilátero Ferrífero. 

“As cavernas ferruginosas são de uma formação muito rara, de milhares de anos, e abrigam seres vivos ainda nem descritos e catalogados pela literatura, mas que já foram descobertos”, diz.

Outro grande impacto decorrente da extinção dessas estruturas, segundo a ambientalista, é a volta de doenças que já foram controladas ou eliminadas da capital. “Temos, nesses locais, caramujos, morcegos e mosquitos que hoje vivem em um ecossistema equilibrado e podem migrar para Belo Horizonte e trazer novas doenças para a população”, destaca.

Surtos de doenças

A possível fuga dos animais da Serra do Curral, esperada em decorrência do avanço da atividade minerária no local após a aprovação do projeto da Tamisa, coloca em risco a saúde dos moradores das cidades do entorno, como Belo Horizonte, Sabará e Nova Lima. Especialistas alertam para o surgimento de surtos de doenças que atualmente não causam problemas nessas cidades. 

“É fato que a alteração do habitat natural leva ao deslocamento de algumas espécies para a cidade e elas levam consigo uma série de doenças. A febre amarela é um exemplo disso”, explica o infectologista Carlos Starling, em referência ao surto da doença que tem como hospedeiros macacos e como transmissores os mosquitos Haemagogus e Sabethes. 

Além da febre amarela, há risco de avanço da leishmaniose, doença que tem como vetores mosquitos e são albergados por animais silvestres. O mesmo pode ocorrer com a leptospirose, doença que tem ratos como hospedeiros. 

“A modificação de um habitat pode fazer aumentar também os casos de acidentes com animais peçonhentos, que ficam mais próximos das casas no meio urbano ao fugir da mata”, reforça Carlos Starling.

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