Furtar para comer foi o crime atribuído a um morador de Araxá, no Alto Paranaíba, que subtraiu dois pedaços de steak de frango, de R$ 4, de um mercado no município. A acusação contra ele foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, à última terça-feira (1º), decidiu pelo encerramento da ação contra o homem. O furto foi cometido em 2017, e, à época, o delegado da Polícia Civil que recebeu a ocorrência sinalizou que o suspeito vivia em "condição de miséria" e pontuou que havia indícios de que o crime foi cometido para consumo próprio – o que é considerado "furto famélico". Apesar das ponderações do delegado, a ação contra o morador de Araxá foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
Detido após o furto, o homem não possuía antecedentes criminais. À época, a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) pediu à Justiça mineira o encerramento do processo. Entretanto, o pedido não foi acatado, e dois dos três desembargados responsáveis por julgar o caso decidiram pela manutenção dele. Responsável por defender o suspeito do furto, o defensor público Antonio Moni, de Araxá, seguiu com o caso para a instância superior do tribunal.
Em julgamento, a Sexta Turma do STJ decidiu pelo trancamento da ação penal contra o homem por avaliar o baixo valor dos produtos furtados e os elementos citados pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). Ministros também criticaram que casos "absurdos" como esse sejam mandados para o Superior Tribunal. A relatoria pelo encerramento da ação coube ao ministro Rogerio Schietti Cruz, que julgou a presença de "excessivo rigor" no parecer do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e na decisão do tribunal mineiro contra o suspeito do furto.
Segundo ele, o TJMG decidiu seguir com a ação penal por entender que ali não poderia ser aplicado o princípio da insignificância – que, no caso, refere-se à quantia de R$ 4, preço dos itens furtados. De acordo com o ministro, para o Tribunal de Justiça, fosse aplicado o princípio, seria um estímulo à prática criminosa. Schietti Cruz discorda. Ele ponderou que é necessário o judiciário avaliar o significado do crime cometido, e citou que o preço total da mercadoria equivalia a 0,47% do salário mínimo em 2017, destacando que a vítima foi uma empresa.
O encerramento da ação também se sustenta pelas afirmações do delegado de polícia que registrou a ocorrência. No documento, o policial indicou que o autor do furto de frango vivia em "condição de miséria". "É de se concluir, portanto, que as peculiaridades do caso concreto não autorizam a atividade punitiva estatal", escreveu o relator em seu voto pelo trancamento do processo.
Para o ministro Sebastião Reis Júnior, que também votou pelo fim da ação, é "absurdo" que o STJ tenha que discutir o furto de um produto de R$ 4, uma vez que o custo da tramitação do processo é maior. "Essa situação ocorre porque a advocacia e o Ministério Público insistem em teses superadas, mas também porque os tribunais se recusam a aplicar os entendimentos pacificados no STJ. No Legislativo, discute-se o aumento das penas, mas não se debate a ressocialização e a prevenção de crimes", criticou.
(Com informações do Superior Tribunal de Justiça e da Defensoria Pública de Minas Gerais)
Atualizada às 21h44.