Oito anos se passaram desde a primeira vez que Maria Verônica, de 34 anos, encontrou a dona Maria, hoje com 59 anos. À época, as duas viviam em Conceição, um distrito rural de Carangola, na Zona da Mata.

Para atender a mulher, moradora de um bairro muito distante do posto de saúde local, era preciso que a técnica em enfermagem deixasse a unidade médica e fosse de moto até a casa dela. "Foi paixão à primeira vista", conta Verônica, como prefere, bastante emocionada. 

Há mais de seis meses, a vida das duas amigas tão próximas virou do avesso. Internada com hipertensão, um sério quadro de desidratação e um recente diagnóstico de câncer, dona Maria foi abandonada à própria sorte depois que sua filha disse que não poderia cuidar dela.

Comovida, Maria Verônica a convidou para viver em sua casa e, legalmente, cuida dos processos para finalmente adotar a senhora. 

História de amor

Sempre vigilante com a saúde da dona Maria desde que se conheceram, Verônica vivia com o filho de 14 anos, seu pai e sua mãe, numa casa próxima à da senhora e dela recebia visitas constantes. Dadas as condições em que vivia com a filha e o genro, a idosa nem sempre conseguia comprar a comida necessária à sua sobrevivência.

"Nós já tínhamos uma amizade muito grande e ela sempre pedia a mim os alimentos, arroz, feijão, às vezes era uma fruta", conta Verônica. 

No entanto, há alguns meses, dona Maria deixou de aparecer em sua casa por um período de quase cinco dias e justamente naquele ínterim, a mãe de Verônica percebeu que não saía mais fumaça do fogão à lenha da casa da vizinha.

"Eu decidi pegar minha moto e subir o morro para ir à casa da dona Maria. Quando eu cheguei lá, era uma verdadeira cena de terror. Cachorro amarrado com arame farpado na beirada da cerca, a casa toda revirada, ficamos sabendo depois que entraram e roubaram móveis de lá. Chamei ela, chamei a filha e ninguém respondia, quando decidi entrar para a casa", relata.

Depois que passou pela porta da cozinha, aberta para quem quisesse entrar, encontrou a dona Maria caída no quarto. "Ela estava na beirada da cama, não sei se ela rolou, se ela caiu, ninguém sabe explicar, a princípio achei que ela estava morta", completa. 

Assim, Verônica precisou pedir ajuda para resgatar a amiga e levá-la para o Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital Evangélico de Carangola. Ao longo de todo o caminho, a idosa não se mexia e só apresentou seus primeiros reflexos quando a transferiram do carro para a maca.

"Quando a internamos, comecei a procurar a filha dela e só depois de dois dias que ela voltou para casa com o marido. Fui até lá, falei com eles que ela estava hospitalizada, questionei a falta de cuidados e pedi que a filha fosse até lá para cuidar dela. Nesse período, a dona Maria estava muito confusa, falava que o ventilador estava pegando fogo, que queria descer da cama. Ela precisava de um acompanhante", conta Verônica.

No entanto, foi frente a essa urgência que recebeu a primeira negativa da filha da idosa. Cinco dias após a internação, dona Maria foi submetida a uma tomografia e o exame constatou o câncer que cresce entre coração e pulmão.

"Eu voltei novamente à casa da filha, falei sobre a situação da mãe e a mulher me disse que não deveria procurá-la mais, que não tinha condições e que não ia ficar com uma pessoa 'tomada por câncer'. Então eu decidi levar a dona Maria para a minha casa". 

Isso aconteceu há cerca de cinco meses e, àquela época, Verônica e o filho de 14 anos tinham acabado de se mudar para Carangola, onde o menino teria melhores condições para estudar.

"Chamei meu filho, falei 'ó, eu preciso que você me dê forças, preciso que me apoie na decisão que tomei'. Avisei que adotaríamos a dona Maria e que teríamos que abrir mão de coisas, que eu não poderia mais comprar algumas coisas para ele... Ele topou".

No dia seguinte, ela procurou a idosa no hospital, com quem ficava nos dias em que não trabalhava. "Peguei a mão dela e falei 'preciso que a senhora me responda uma coisa, mas é muito sério. A senhora quer ir morar comigo quando sair daqui?".

O afeto entre as duas foi a única resposta para a pergunta e, dois meses depois, quando foi liberada pela equipe médica, dona Maria foi viver no apartamento com Verônica e seu filho. Médicos, enfermeiros, funcionários e amigos, comovidos com a história, ajudaram a mobiliar a casa que àquela época contava apenas com cama, geladeira e fogão.

Um mês após a alta, dona Maria ainda ganhou uma festa de "mêsversário", feita por companheiros que estiveram presentes durante todo o desenlace. 

"Ela fala comigo que o dia em que ela realmente voltou a viver foi quando entrou na minha casa. Depois que ela chegou, passou por algumas recaídas e voltou a ser internada. Hoje ela está passando mal, mas nós vamos indo, medicando, cuidando dela. A dona Maria transformou a minha vida. Ela acha uma graça quando meu filho a chama de 'vó'", conta Verônica. 

Antes da senhora deixar o Hospital Evangélico, sua filha assinou uma declaração atestando a Verônica e à assistente social da unidade que abria mão da mãe e que a tutela da idosa poderia permanecer a cargo da outra. Agora, a técnica em enfermagem é acompanhada por um advogado para oficializar judicialmente a adoção.