Do alto da tragédia em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, a major Karla Lessa, que pilotava o helicóptero do Corpo de Bombeiros, avistou populares apontando para uma local em meio ao mar de lama.
Do lado de baixo estava Talita Cristina de Souza, de 15 anos, com a bacia fraturada. Ela é uma das vítimas do rompimento da barragem I da mina Córrego do Feijão na última sexta-feira (25). Sem conseguir se levantar por causa da fratura e coberta pela lama, ela ficou camuflada no local e gritando. A major foi a primeira piloto dos bombeiros a chegar na tragédia.
"Quando eu cheguei eu soube de um local que tinha uma pousada e comecei a sobrevoar por lá. Populares que estavam em uma parte mais alta de onde ficava essa pousada indicavam para baixo e de dentro do helicóptero a gente tentava entender o que eles apontavam, mas não víamos nada. A moça estava muito coberta pela lama", contou a major.
Segundo ela, foi depois que duas pessoas desceram pela lama no intuito de resgatar Talita que a major e os outros dois bombeiros que estavam com ela conseguiram avistar a adolescente. Talita gritava muito e outros funcionários da Pousada Estância conseguiram ver onde ela estava.
"Esse resgate foi uma das coisas mais difíceis que fiz na minha vida. Não tinha como pousar por causa da lama e eu tinha que manter o helicóptero relativamente perto das pessoas para que conseguíssemos resgatá-la para dentro do helicóptero. Eu tive que me manter muito calma porque qualquer erro poderia ser fatal", declarou.
Segundo a major o fato de não ter como imobilizar a paciente complicava muito. "O bombeiro desceu da aeronave pisou em um tronco e foi tentando caminhar até ela. Quando ele pisava na lama ia afundando. Foi preciso amarrar uma corda embaixo das axilas da menina e subir com ela para a aeronave", disse.
O resgate emocionante foi gravado pela Tv Record. Nele é possível ver que o helicóptero teve que permanecer por alguns minutos no ar até conseguir fazer o resgate da vítima. Não dava para pousar na lama. "Tem que haver uma parceria e muita confiança entre o piloto e os bombeiros que descem para fazer o resgate, por que naquela situação qualquer erro meu tira a vida deles", explica.
Depois de ser colocada dentro do helicóptero, Karla contou que Talita estava consciente e falou que familiares dela também foram arrastados pela lama. Na hora Karla viu que a adolescente tinha fraturado a bacia e o fêmur.
Logo após levar Talita e deixá-la no posto de resgate onde seria transferida para o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, a major fez um novo resgate de vítima presa na lama. E dali em diante ela começou um trabalho que se inicia às 5h30 da manhã e vai até 22h, intercalado com dias de folga.
"Esses resgates são muito difíceis e por mais que sejam vidas humanas ali, eu tenho que esvaziar minha cabeça e me manter muito concentrada na pilotagem", ressaltou. Karla foi a primeira piloto dos bombeiros a chegar em Brumadinho por helicóptero.
Ela contou que assim que viu a dimensão da tragédia a primeira coisa que pensou foi: "Vão ter muito mais vítimas aqui do que em Mariana. Eu já tinha tido a informação que a lama tinha pegado o refeitório e também a pousada, então eu sabia que o resgate tinha que ser feito de forma rápida porque cada dia que passa a gente sabe que a chance de encontrar pessoas vivas diminui", considerou a major.
Segundo ela, apesar das perdas, acaba sendo reconfortante quando vítimas ou até mesmo corpos são encontrados. "A gente ao menos dá uma resposta para essas pessoas que estão sofrendo tanto. Essa é a função dos bombeiros. Por isso o trabalho é tão intenso. Há muitos perigos e riscos de contaminação, mas isso é o mínimo que podemos fazer para essas pessoas" afirmou.
Nos helicópteros a operação é feita por meio de coordenadas geográficas de locais onde podem haver mais vítimas ou onde bombeiros são deixados para buscas em meio a lama. Segundo ela, os bombeiros precisam não se envolver com as vítimas e serem profissionais para conseguir salvar as vítimas.
"Eu só fico sabendo do que aconteceu só quando chego em casa pela imprensa. É ali que tenho a dimensão de tudo que está acontecendo, mas quando estou trabalhando tenho que ser extremamente profissional, mesmo vendo a dor das pessoas, para não atrapalhar meu trabalho", concluiu.
Karla está na corporação há 18 anos é engenheira civil e é a única mulher piloto dos Bombeiros, ela atuou também no rompimento das barragens em Mariana, em 2015, quando 19 pessoas morreram.