Na pandemia

Uma a cada cinco crianças e adolescentes tem sintomas de ansiedade ou depressão

Isolamento social potencializa sofrimento mental e emocional de jovens, porém infectologistas pedem restrições de contato sejam mantidas neste período

Por Gabriel Rodrigues
Publicado em 18 de janeiro de 2021 | 03:00
 
 
 
normal

Sem a rotina de interagir com os colegas na escola, as visitas aos parentes e vizinhos da mesma idade e, em alguns casos, passando o dia inteiro em casa enquanto os pais trabalham em home office, crianças e adolescentes sentem os efeitos psicológicos e emocionais do isolamento social. Uma pesquisa do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), baseada em respostas de cerca de 7.000 pais de crianças e adolescentes dos 5 aos 17 anos, mostra que 27% das pessoas dessa faixa etária apresentam sintomas de ansiedade ou depressão em nível clínico na pandemia, ou seja, com necessidade de avaliação profissional. 

Nesse cenário, passado quase um ano do início da pandemia e sem previsão de quando ela terminará, pais estão na berlinda, na dúvida entre fazer concessões a encontros dos filhos com outras crianças para aliviar a tensão emocional e psicológica dos pequenos ou mantê-los isolados para protegê-los do coronavírus. É uma escolha sem certo ou errado absolutos, na perspectiva de psiquiatras e infectologistas, e cada família encontra um equilíbrio próprio para lidar com esse dilema. 

“A ausência de contato social representa uma falta de estímulo para o desenvolvimento de habilidades sociais. No caso das crianças menores, elas envolvem brincar junto e aprender a compartilhar. Nas maiores e adolescentes, passam pelo desenvolvimento de amizades e namoros. Tudo isso deixa de acontecer. Sem dúvida, isso têm um impacto, e essas crianças e adolescentes precisarão se adaptar quando forem inseridas novamente nos grupos sociais”, diz o psiquiatra e professor da USP Guilherme Polanczyk, coordenador do estudo.

Outros números

O estudo da USP também levantou que:

  • durante a pandemiam 13,4% das crianças e adolescentes sentem-se solitários;
  • 37,4% não têm mais rotina no dia a dia;
  • 33% dormem menos de oito horas por dia;
  • 23,2% dormem após uma da manhã em dias de semana;
  • 80% passam mais tempo na internet;
  • 24%, por outro lado, vivem alguma mudança positiva na família neste período.

 

Hora de esperar

O infectologista pediátrico Marcelo Otsuka, que já lidou com casos graves de Covid-19 entre crianças, pondera que o melhor local para elas interagirem neste momento é nas escolas, quando as instituições puderem abrir e se o ambiente for devidamente controlado. Neste momento, contudo, ele recomenda que os pais mantenham a proibição a brincadeiras em parquinhos com amigos e visitas a casas dos colegas. “Seguro não é. É muito difícil controlar a interação das crianças, e, a partir do momento em que elas têm interação com outras em um playground, o risco de eventualmente ser contaminada e transmitir para outra pessoa aumenta muito”, alerta. 

A gerente administrativa Renata Bragança, 31, vinha permitindo que o filho, Lucca, de 6 anos, passasse pelo menos meia hora uma vez por semana com dois ou três vizinhos na área de lazer do prédio, sob supervisão estrita dela e sem tirar a máscara. “Antes, ele era super tranquilo. Se estava com o tablet e a internet caía, fazia outra coisa. Agora, fica com raiva, ele está mais irritável. É uma situação angustiante para todo mundo, não sei exatamente o que se passa na cabeça dele”, descreve. Com o novo fechamento de Belo Horizonte, iniciado neste mês devido ao aumento de casos de Covid-19 na capital, Renata pretende manter as visitas ao playground suspensas. 

É exatamente a recomendação do infectologista Estévão Urbano, membro do comitê de enfrentamento à Covid-19 da capital. Ele não condena os encontros entre crianças durante a pandemia, mas pede que eles sejam adiados em momentos de alta dos indicadores epidemiológicos. 

“Não existem estudos que mostrem a segurança do encontro entre crianças em situações de alta transmissão do vírus na comunidade. Neste momento, é melhor pecar pelo excesso. O risco de permitir esses encontros é maior que o benefício”. Além do perigo de crianças eventualmente transmitirem o vírus a familiares, elas próprias podem ser vítimas da Covid-19, embora seja um evento raro. Só em Minas, 33 crianças e adolescentes de até 19 anos morreram com a doença, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). Além disso, 40 outras de até 14 anos desenvolveram Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), inflamação associada à Covid-19 que pode levar a quadros graves.

Diálogo franco é essencial para amenizar sofrimento das crianças, diz médico

Com um filho de 11 anos e outra de 9, a professora universitária Regina Helena Alves, 63, adotou uma estratégia de formação de bolhas: sua família só tem contato com a família da madrinha do filho, já que as duas mantêm uma rotina de isolamento similar. “Meus filhos estão mais irritados e ansiosos, com certeza. Às vezes, (demonstram) uma tristeza mesmo, estão muito mais voltados a coisas individuais. Com essa necessidade e esse pedido de encontrar outras pessoas, criamos bolhas”, explica. 

É uma estratégia apoiada pelo psiquiatra Guilherme Polanczyk, porém ele lembra que permitir algum nível de contato pessoal não é o segredo definitivo para manter a saúde mental e emocional das crianças. Em casos mais graves, elas precisam de atendimento médico ou psicológico. No dia a dia, necessitam do suporte dos pais. 

“É importante que os pais conversem com as crianças. Em geral, eles têm tendência de dizer que não é nada, que está tudo bem, que a criança não precisa se preocupar, e não validam o que ela está sentindo. Os pais podem dizer, ao contrário, que ela tem razão em sentir isso, que a situação é difícil, e entender o que elas estão pensando e sentindo”, diz. Ele também pede um equilíbrio entre excesso de exposição a informações — “as crianças não precisam saber quantas pessoas morreram diariamente por Covid-19” — e conversas honestas sobre as causas e consequências da crise atual. 

O estudo do médico mostra que 80% das crianças avaliadas têm passado mais tempo na internet. Mesmo em meio ao caos que se tornou a rotina de muitas famílias, ele estimula que limites ainda sejam estabelecidos. “As crianças podem ficar entediadas, não tem problema nenhum. Elas vão criar alguma coisa nesse tempo e não precisam de animadores de festa o tempo todo”, completa. 

Saúde mental de jovens mais pobres tende a ser mais afetada

Como em quase todos os aspectos da crise de Covid-19, a medida em que a saúde mental de crianças e adolescentes é comprometida pela pandemia sofre interferência da classe social. “Famílias com menor nível socioeconômico, que estão vivendo a pandemia de forma mais intensa, pelas perdas econômicas e por um espaço menor em casa, têm crianças com maior nível de ansiedade e depressão”, pondera o psiquiatra Guilherme Polanczyk. 

A dona de casa Genilda Rocha, Genilda Rocha, 49, vive com a família no aglomerado Cabana do Pai Tomás, na região Oeste de BH, com o marido, a mãe, de 83 anos, e dois filhos, de 20 e 13. Ela diz que o espaço não é problema em sua casa, mas que muitos vizinhos vivem em residências apertadas e que as ruas do aglomerado não deixaram de ter crianças brincando umas com as outras durante a pandemia. “Nem os pais suportam ficar dentro de casa”, diz. 

Ela própria permite que o filho, Guilherme, 13, brinque com amigos na rua e abre sua casa para que ele receba companhia. “Ele estava assustado, porque via as notícias piorando nos jornais e tudo fechado. Ele ficou realmente diferente”, conta.  

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!