Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) já ter considerado como inconstitucional uma legislação semelhante, um Projeto de Lei (PL) que proíbe o uso da chamada "linguagem neutra" ou "linguagem inclusiva" em materiais didáticos nas escolas públicas e privadas de Belo Horizonte, poderá ser aprovado pela Câmara Municipal da capital mineira. O texto, de autoria do ex-vereador e hoje deputado federal Nikolas Ferreira (PL), tramita desde fevereiro de 2021, tendo passado por várias comissões antes de ir ao Plenário. A votação em 2º turno ocorreria nesta quinta-feira (13 de abril), mas o texto foi tirado da pauta e passará por apreciação em outro momento.
A votação "simbólica" do PL 54/2021 estava prevista para começar às 15h, porém, foi adiada. Em sua justificativa ao propor a lei, Ferreira alegava que a linguagem não-binária deveria ser proibida para garantir aos estudantes o "direito ao aprendizado da língua portuguesa com base nas orientações nacionais de educação, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa e na gramática" aprovada com a reforma ortográfica.
A linguagem inclusiva é caracterizada pela troca dos artigos femininos e masculinos por letras "neutras", como o "x", o "e" e, até mesmo, a "@". Alguns exemplos, bastante usados principalmente nas redes sociais são: todes, todxs ou tod@s no lugar de todos e "ile" ou "elu" no lugar de ele/ela. O objetivo é incluir as pessoas que não se identificam com nenhum dos dois gêneros - como os não binários, e intersexuais -, bem como evitar a "subordinação" dos pronomes femininos aos masculinos, já que, segundo as normas da língua, no plural, o pronome O se sobrepõe ao A.
Com a proibição, as instituições de ensino que decidirem por usar a linguagem poderão receber "sanções administrativas" que serão definidas por um decreto municipal. Em fevereiro de 2023, o ministro Edson Fachin, do STF, derrubou uma lei de Rondônia que proibia o uso da linguagem neutra nas escolas do estado. Na ocasião, os 11 ministros da Corte declararam que a lei estadual feria a Constituição, pois cabe à União legislar sobre normas de ensino.
Tuty Veloso Coura, que é psicóloga atuante nos movimentos sociais ligados à saúde mental desde 2019 e se identifica como trans não binária, defende que, se aprovada, a lei estará desprotegendo uma parcela da população que entende que essa linguagem é necessária, tudo isso sob o argumento de estar "protegendo" as crianças e adolescentes.
"(A lei) estaria cerceando o direito à liberdade de expressão destas pessoas. É bem problemático tentar barrar qualquer tipo de comunicação. Importante lembrar que a linguagem inclusiva, que a gente gosta de chamar de neo linguagem, é entendida como lugar de romper com uma certa estrutura de poder, a estrutura patriarcal, que é colocada na nossa língua quando a gente tem o masculino hegemônico, pois ele é utilizado para representar todas as pessoas", argumenta.
"Querem barrar algo que não é usado", diz psicóloga sobre lei
Por outro lado, Tuty lembra que além de inconstitucional, a lei do ex-vereador de BH também é "inútil", já que, atualmente, é extremamente raro ver o uso desta linguagem em escolas do ensino tradicional, seja público ou privado.
"Querem barrar uma coisa que não está sendo usada. Mas, na verdade, isso (linguagem neutra) vai chegar até eles (estudantes), independente de qualquer lei. Até mesmo porque os adolescentes não estão em uma redoma. Eles estão na internet, eles transitam em outros lugares. Como que alguém vai frear a linguagem? Ela é de uma construção coletiva, está sempre em constante mutação", pontua a psicóloga.
Nesta quinta-feira, Tuty estará na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para participar de uma audiência pública que debaterá o registro civil de pessoas não binárias em Minas Gerais, na Comissão de Direitos Humanos. "Apesar de pouco efetiva, se você tiver uma proibição aprovada, isso pode acabar por validar um preconceito das pessoas", finaliza.
Associação Brasileira de Linguística é contra a proibição
Em 2021, quando foi aprovada a lei que proibia a linguagem neutra nas escolas de Rondônia, a Associação Brasileira de Linguística (Abralin) chegou a divulgar um posicionamento contrário à legislação. Os linguistas são os profissionais que estudam a linguagem verbal humana, incluindo a evolução das línguas e os desdobramentos que ocorreram e ocorrem nos diferentes idiomas do planeta.
Para entidade, a proibição do uso desta linguagem inclusiva impõe o que eles chamaram de "silenciamentos" que "desconsideram as complexas relações entre língua e sociedade e interferem na construção de uma política educacional emancipadora e reflexiva".