O relacionamento de Luísa*, 35, com o marido sempre foi conturbado. Em 15 anos juntos, o engenheiro nunca tinha batido na mulher, mas os insultos e humilhações eram diários. A “tranquila” convivência mudou quando a mãe de duas filhas resolveu cursar direito, há cinco anos. “A gente se acostuma com as agressões. O meu basta se deu quando ele tentou me enforcar. Acho que queria me matar”, lembra.
Segundo o “12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a violência contra a mulher vem crescendo, diferentemente de outros crimes que tiveram queda em Minas, como os homicídios em geral. No Estado, o número de lesões corporais no ambiente doméstico contra mulheres saltou de 21.798 em 2016 para 22.670 em 2017, um aumento de 3,4%. No Brasil, são mais 600 casos por dia.
Outros tipos de violência contra a mulher também cresceram. Por dia, são 14 estupros no Estado. Os casos saltaram de 4.692 em 2016 para 5.199 no ano passado, aumento de 10,8%. A taxa desse crime por 100 mil habitantes aumentou 10,2% de um ano para o outro, chegando a 24,6 em 2017.
Para o coordenador de projetos do FBSP, David Marques, os números de violência são ainda maiores que os contabilizados. “Estima-se que no máximo 10% dos casos são registrados. Ou seja, estaríamos falando de uma cifra real de 600 mil estupros que efetivamente aconteceram no país em 2017”, afirmou.
“Essa violência tem impacto na vida das mulheres, na produtividade, no filho. Não pode ser tratada como um problema doméstico. É um problema público. E as instituições policiais têm que estar bem preparadas para acolher essa mulher”, completou o coordenador.
Os dados mostram crescimento também das tentativas de estupro em Minas. Em 2016, foram 613 casos, contra 628 no ano seguinte, um aumento de 2,8%. Os feminicídios passaram de 134 para 145, 8,2% a mais.
Para a psicóloga, professora da Faculdade de Ciências Médicas e integrante do Conselho de Psicologia de Minas Gerais Cláudia Natividade, a violência contra a mulher tem um componente de tolerância, já que a sociedade ainda é muito machista. “As mulheres, muitas vezes, ficam acuadas e envergonhadas. Em conversas com amigas ou familiares, elas ouvem que ‘homem é assim mesmo’ ou ‘casou tem que aguentar’. Esse conformismo cria uma cultura de tolerância à violência contra a mulher”, explica.
Segundo a especialista, o feminicídio acaba sendo a forma mais radical de violência, mas, antes, a mulher já havia sido agredida. “Essa agressão acontece sempre por homens que adotam medidas extremas de controle sobre a mulher”, diz a psicóloga.
Projeção
Dados. As piores taxas são de SC, com 225,9 casos de violência contra a mulher a cada 100 mil habitantes, MS (207,6) e RO (204,9). Como DF, ES, MT, RR e TO não cederam dados à pesquisa, o cenário nacional deve ser pior.
Registros de crimes caem, diz governo
O aumento dos dados de violência contra a mulher mostra que as vítimas estão denunciando mais, segundo Jorge Tassi, professor da Una e especialista em segurança pública. “Essa violência contra a mulher sempre existiu, porém cada vez mais ela está aparecendo, e as mulheres estão usando mais a sua voz”, diz.
A Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) informou, no entanto, que os registros de estupro estão em queda em Minas: foram 770 de janeiro e julho de 2018, frente a 797 do mesmo período de 2017, redução de 3,39%. Nesse período, na capital, a queda foi de 21,77%: de 147 para 115 casos. Na região metropolitana, a redução foi de 11,19% – de 295 para 262.
“(A violência contra a mulher) é um tipo de problema que precisa ser tratado não como problema doméstico, mas público. Ele não afeta só a mulher, mas toda a família, a produtividade da mulher, os filhos”, afirmou David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A Polícia Civil destacou como ação para enfrentar a violência contra a mulher a criação do aplicativo Alerta MG, em que cadastradas podem, em caso de risco, acionar uma central com policiais.
* Nome fictício