O Decreto 17.328, que proíbe o funcionamento de comércios que exercem atividades consideradas não essenciais em Belo Horizonte como forma de prevenção do coronavírus, e a fiscalização da prefeitura não têm sido suficientes para impedir a abertura de estabelecimentos na capital.

Em três regionais da cidade visitadas por O TEMPO nesta quinta-feira (7), lojas de roupas, calçados, artigos de festas, móveis, acessórios de celular, utensílios de cozinha, entre muitos outros produtos, recebiam clientes, a maioria com apenas metade da porta aberta, para fechamento rápido em caso de vistoria de fiscais e guardas civis municipais. Em Venda Nova, no entanto, chama atenção o fato de que grandes lojas, de marcas conhecidas, estão totalmente abertas: funcionários dizem que elas receberam autorização judicial para funcionar.

Na rua Padre Pedro Pinto, uma das mais movimentadas da região, uma grande loja de departamento que vende roupas, calçados e enxovais, estava aberta normalmente, apenas controlando a entrada de clientes e disponibilizando álcool em gel. Um funcionário disse que a empresa entrou na Justiça para reivindicar a reabertura e teve o pedido deferido, há cerca de duas semanas.

“Não dava para ficar parado mais. A empresa mandou dez funcionários embora, isso nunca aconteceu antes em mais de 30 anos. Temos que trabalhar”, disse o homem. “O pessoal vem mais para pagar o crediário, mas acaba comprando algo”, completa.

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Uma loja de roupas infantis também recebia clientes, com restrição de entrada e disponibilização de álcool em gel. Uma funcionária disse que o estabelecimento recebeu autorização judicial. “Podemos funcionar normalmente, tomando as devidas precauções. No sábado, a Guarda Municipal passou aqui, quem não tinha liminar eles fecharam”, afirma. “Estamos tendo bastante movimento, até porque nesse ramo só nós estamos abertos”, completa.

Duas grandes lojas de artigo de festas e calçados também estavam funcionando e, segundo funcionários, obtiveram decisão favorável da Justiça. No entanto, alguns comerciantes admitem que estão abrindo sem nenhuma autorização: um estabelecimento que vende produtos diversos a preços mais baixos estava com uma pequena porta aberta, controlando a entrada de clientes. “Poder não pode, mas estamos trabalhando”, disse um funcionário.

Na avenida Abílio Machado, na região Noroeste de Belo Horizonte, o movimento de carros e de pessoas parecia igual ao de antes de as medidas de isolamento social e as restrições ao comércio terem sido adotadas pela prefeitura: as calçadas e os comércios estavam cheios, inclusive aqueles considerados não essenciais.

Lojas de roupas, lingeries, calçados, itens de decoração, revelação de fotos, relógios e acessórios de celular estão entre as que estão em funcionamento na avenida. Viaturas da Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte estiveram no local, e agentes vistoriaram alguns pontos. Muitos lojistas apenas fecharam os estabelecimentos momentaneamente e voltaram a abrir após a passagem dos guardas. Outros nem mesmo baixaram as portas durante a fiscalização.

“Não há coerência em filas de bancos enormes, e nós, comerciantes, não podermos vender nem da porta para fora por não sermos considerados essenciais. Os comerciantes que pagam aluguel e impostos normalmente não podem vender nem seguindo todas as recomendações, queria saber qual o critério disso”, disse o dono de uma sorveteria na avenida.

Na região Centro-Sul da capital, dezenas de lojas de calçados, roupas e todos os tipos de produtos também permanecem abertos.

Decisões judiciais

A reportagem repassou ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) os nomes das quatro lojas que alegaram ter decisão judicial para funcionar em Belo Horizonte, mas a assessoria do órgão confirmou a existência de apenas uma delas.

A autorização de abertura da loja de departamento na rua Padre Pedro Pinto, que vende roupas, calçados e enxovais, foi deferida pelo juiz Maurício Leitão Linhares, que disse, na decisão, que a Lei Federal 13.979 – que dispõe sobre as medidas de enfrentamento ao coronavírus, como isolamento e quarentena – não dá “qualquer suporte” ao Decreto Municipal 1.328, porque não estabelece “a possibilidade de fechamento de estabelecimentos comerciais e industriais”. O magistrado ainda cita “o real risco de falência da autora e de demissão de funcionários”. Ele autoriza o funcionamento do estabelecimento, desde que com respeito às normas de prevenção da doença.

Em relação à loja de roupas infantis, a Justiça informou que o juiz indeferiu o pedido de funcionamento, o estabelecimento recorreu, mas o TJ manteve a decisão do magistrado. Quanto ao comércio de artigos de festas em Venda Nova, o órgão informou que o juiz indeferiu o pedido e não foram localizados recursos. A assessoria do TJMG não localizou decisões em relação à loja de calçados.

Fiscalização da PBH

Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que não foi notificada sobre liminares. Desde o dia 20 de março, quando passou a vigorar o primeiro decreto com medidas restritivas, até esta quarta-feira (6), a Guarda Municipal realizou 19.251 abordagens de orientação a estabelecimentos comerciais, empresas e a pessoas em espaços públicos.

O número inclui as 4.669 abordagens ocorridas entre os dias 8 e 21 de abril, já sob as regras do Decreto 17.328. No total, 38 alvarás de estabelecimentos que desrespeitaram as normas foram recolhidos.

Segundo a corporação, as abordagens ocorrem durante patrulhas preventivas rotineiras feitas espontaneamente ou com base em denúncias recebidas pelos canais disponibilizados pela prefeitura, que são o telefone 156 e o Fale com a Ouvidoria, na internet.

O descumprimento das regras pode resultar no recolhimento do Alvará de Localização e Funcionamento (ALF) do estabelecimento. Em caso de insistência, o comércio pode ser interditado. Em situações de descumprimento da interdição, uma multa no valor de R$ 17.614,57 pode ser aplicada.