Além da esperança de que o surto de coronavírus possa cessar em todo o mundo, Marilsa Moreira, de 46 anos, também guarda a expectativa de receber abraços pelo seu aniversário, comemorado em 5 de março. A data marcou o primeiro dia que a mineira, natural de Ipatinga e residente em Torino, na Itália, precisou ficar em casa em decorrência da pandemia. O isolamento social dificultou não só o carinho físico de amigos pela data, mas também vem causando muitas dificuldades no país com mais mortes pela COVID-19 no mundo.
Pensando nisso, a mineira criou a página "Mãos que ajudam na Itália" para gerar uma rede de solidariedade e apoio a brasileiros, demais estrangeiros e também italianos no país europeu. A iniciativa é recente, do último domingo (22), e pretende ajudar quem está enfrentando dificuldades por falta de emprego, comida, produtos de higiene e remédios, dentre outras necessidades. Em contato com a reportagem, Marilsa conta o episódio que a motivou a pensar formas de ajudar, mesmo em quarentena com a família em casa.
"Um amigo italiano do meu esposo ligou para ele dizendo que estava em casa com a família e não tinha mais o que comer. Que estava sem serviço e não sabia o que fazer. Comecei a pensar que hoje tenho um café para tomar, mas não sei que dia volto a trabalhar. É um pai de família que tem dois filhos em casa. Liguei para outras pessoas, que me disseram que tinham comida só pra esta semana. Temos amigos entrando em desespero, em depressão, e a gente conversa por vídeo-chamada pedindo calma. Pensei que poderia fazer algo pra ajudar", relata.
As pessoas interessadas em ajudar podem fazer contato através da página @maosqueajudam.it e obter mais informações no movimento que está no Instagram. Para quem está longe e deseja se unir à campanha, a ajuda financeira é a saída mais viável. Foi criada uma 'vakinha' online e quem quiser contribuir pode acessar este link.
"Um pai e uma mãe de família fazendo a quarentena em casa e sabendo que tem arroz, feijão, um leite e um pão vão ficar mais tranquilos. Não ter e não poder sair pra buscar é muito triste", comenta Marilsa.
Apreensão lá e cá
Marilsa mora com o esposo, Francisco Monteiro, e com Rafaela Moreira, de 8 anos, uma das duas filhas. Ela e a família tiveram que mudar toda a rotina. A esteticista tinha três ocupações: trabalhava três dias da semana numa casa cuidando de idosos, dois dias lidava com afazeres da própria profissão, além de vender balas de coco em lugares como Milão e Bérgamo - uma das cidades italianas mais afetadas pelo coronavírus. O marido trabalha com instalação de gesso e drywall. Ela relatou a apreensão que vive na Itália.
"O alimento vai acabar, o aluguel vai vencer. Não podemos sair. É uma situação desesperadora. Só escutamos barulho de ambulância e vemos notícias ruins na televisão e na internet. A cabeça da gente parece que vai pirar. No domingo, tomando café com o meu marido, a gente agradeceu pelo nosso alimento, mas me perguntei até quando terei esse alimento. E meu amigo, e minha conhecida, e os outros brasileiros? O problema não é só a na minha casa, é no país inteiro. A gente se sente impotente", desabafa.
A outra filha de Marilsa, Tatiana Moreira, tem 25 anos e mora em Ipatinga. Assim que pensou em formas de ajudar outras pessoas na Itália, a mãe logo contactou a filha no Brasil, que tem a ajudado com a página. Tatiana estuda medicina veterinária e também está em isolamento social. A mineira relata a apreensão por acompanhar de longe a situação da família.
"É muito difícil, eu queria estar lá, mesmo que eu não pudesse fazer nada, mas queria estar perto. Me sinto 'inútil' por ver minha família, amigos e tantas famílias passando por isso e não poder ajudar. Eu tive que desativar minhas redes sociais e evitar assistir jornal, porque estava tendo muita crise de ansiedade, toda hora uma notícia ruim. Minha mãe entra no grupo de risco, minha irmãzinha tem só 8 anos mas tem problemas respiratórios", conta Tatiana.
Caos na Itália
Em balanço atualizado na tarde desta terça (25), a Itália registrou 74.386 pessoas infectadas pelo coronavírus, ficando atrás apenas da China, que soma 81.218 casos. O número de óbitos no país europeu, porém, supera todos os outros do mundo. Até então, 7.503 pessoas morreram pela COVID-19 por lá. A Espanha é quem vem atrás, com 3.434 óbitos.
O governo italiano fechou todas as fronteiras do país em 9 de março, restringindo os comércios que poderiam ficar abertos dois dias depois. Os hospitais ficaram lotados, centros de saúde tiveram de ser improvisados rapidamente e o sistema de saúde do país entrou em colapso. As ruas ficaram desertas, com a necessidade das pessoas justificarem o porquê de suas saídas.
Um medida do governo italiano para evitar aglomerações é a necessidade de uma autorização para as pessoas irem para as ruas. Na maioria dos casos, elas só podem sair em situações de trabalho e saúde. A polícia local pode abordar todos que estiverem fora de suas residências, sob pena de multa e até prisão. Na casa de Marilsa, o marido conseguiu uma autorização para a família, e apenas uma pessoa pode sair para ir ao supermercado, por exemplo.
Questionada sobre o que pretende fazer assim que tudo se normalizar, a mineira se emocionou e recordou a lembrança do dia 5 de março.
"Acho que vou pra Igreja, vou correr e ajoelhar. Também quero receber abraços de aniversário, o que não pude receber pela quarentena", conta.