Apesar de os resultados do uso de hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes com coronavírus serem animadores, até o momento, as evidências científicas não permitem recomendar qualquer medicamento para tratar pessoas infectadas.

Essa é a conclusão de pesquisadores do Centro Colaborador do SUS para Avaliação de Tecnologias e Excelência em Saúde (CCATES), projeto da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que publicaram uma nota técnica sobre o assunto. Para os especialistas, o tratamento sintomático e de suporte ainda deve ser a primeira alternativa.

A nota foi divulgada para fornecer informações de qualidade, com base em evidência científica, a gestores do SUS. Para embasar o texto, os pesquisadores analisaram uma série de estudos disponíveis sobre tratamentos de Covid-19 nas principais revistas e bases de dados que publicam artigos científicos, utilizando a metodologia da revisão sistemática. Até o momento da publicação, existiam mais de 80 ensaios clínicos sendo realizados no mundo.

Entre os estudos analisados, está um de pesquisadores chineses que demonstrou que a cloroquina foi altamente eficaz na redução da replicação viral. Um editorial escrito por pesquisadores franceses discutiu a relação de risco-benefício potencialmente favorável, a alta segurança e o baixo gasto deste tratamento no contexto atual de surto.

"Embora os resultados com a hidroxicloroquina pareçam animadores, o pequeno tamanho amostral, pequeno tempo de acompanhamento e a falta de estudos com metodologia robusta não permitem afirmar sobre a segurança, eficácia e efetividade dos fármacos estudados", diz a nota técnica. "Mais estudos são necessários para que os dados possam ser generalizados e para se confirmar se os benefícios dessas terapias ultrapassam os riscos. Para os indivíduos infectados pelo SARS-CoV2, o tratamento atualmente recomendado é sintomático e de suporte", afirmam os pesquisadores.

"Há indícios de que o medicamento possa ser efetivo, mas o que está publicado até agora ainda não permite chegar a uma conclusão segura. A gente precisaria de mais dados para afirmar isso com segurança", afirma a professora da Faculdade de Farmácia da UFMG e uma das revisoras da nota técnica, Juliana Alvares-Teodoro.

Na última sexta-feira (27), o Ministério da Saúde publicou uma nota informativa em que diz que a cloroquina será disponibilizada como terapia adjuvante no tratamento de pacientes hospitalizados e com formas graves de Covid-19, para uso com base em critérios médicos. O profissional de saúde deve avaliar caso a caso e utilizar o fármaco se entender que ele pode ser benéfico para o paciente. A princípio, 3,4 milhões de unidades de cloroquina e hidroxicloroquina serão distribuídas a todos os Estados do país.

Segundo o Ministério da Saúde, o uso de cloroquina "é um tratamento de baixo custo, de fácil acesso e também facilmente administrado", e os laboratórios públicos brasileiros têm capacidade de produzir o medicamento em larga escala.

"É possível que ele seja um bom medicamento, então vamos fazer testes com um grupo muito específico, que está mais grave e internado há um tempo, para ver se essas pessoas se beneficiam desse tratamento. É assim que a gente descobre o que de fato funciona e o que não funciona", diz a professora Juliana Alvares-Teodoro.

Ela ressalta que, como a cloroquina já é utilizada para tratar malária no Brasil, as reações adversas que ela pode provocar são conhecidas. "Há reações adversas associadas com o uso, mas como elas já são bem conhecidas, a equipe que acompanhar o paciente é capaz de monitorar o aparecimento dessas reações e tratá-las", afirma. A cloroquina existe há mais de 80 anos e foi desenvolvida como um medicamento antimalárico. A hidroxicloroquina, que existe desde 1955, é semelhante à cloroquina, mas menos tóxica.

De acordo com o Ministério da Saúde, os efeitos adversos relatados a longo prazo devido ao uso da cloroquina incluem retinopatia e distúrbios cardiovasculares. Segundo a pasta, o protocolo prevê cinco dias de tratamento com o medicamento, e a cloroquina e a hidroxicloroquina devem complementar os outros suportes, como assistência ventilatória e medicações para os sintomas.

"Em uma situação de pandemia como essa, em que a gente tem pacientes graves que, potencialmente, podem evoluir para óbito, usar um medicamento que apresenta possível eficácia, embora ela ainda não esteja tão comprovada, é positivo. Mas isso tem que ser feito com muita cautela, verificando os medicamentos que os pacientes usam, as possíveis interações medicamentosas", pontua a médica e pesquisadora do CCATES, Carolina Maria Fontes Ferreira.

Outro tratamento. Uma associação de dois medicamentos utilizados para o tratamento da aids, lopinavir e ritonavir, também tem demonstrado eficácia para o tratamento de Covid-19, de acordo com a professora da Faculdade de Farmácia da UFMG, Juliana Alvares-Teodoro. "Mas são necessários mais testes", destaca.