Certo dia, a escritora Carolina Dini se deu conta de que muitos dos poemas que vinha rascunhando nos últimos tempos tinham como denominador comum a presença do ambiente “cozinha” de alguma forma relacionado ao conteúdo. Foi quando se acendeu a centelha de que este poderia ser, de alguma forma, o fio condutor de seu primeiro livro de poesias (mas o quarto publicado), “Com os Dois Pés na Cadeira” (Quintal Edições, R$ 42). A obra tem prefácio da jornalista e escritora Nina Rocha e orelha da psicanalista e escritora – e conterrânea da autora (natural de Viçosa) – Kelly Gonçalves Primo. As ilustrações, por seu turno, foram delegadas à artista Bela Righi.
Depois de ter sido apresentado oficialmente em uma sessão de autógrafos no novíssimo Espaço Casca – aliás, uma parceria dela com a chef Bruna Martins, na Floresta, e voltada à realização de cursos culinários –, o livro pode ser adquirido no site da editora Quintal ou em livrarias virtuais e físicas.
Convidada a se deter sobre alguns dos poemas, Carol – que também é advogada e consultora de planejamento alimentar – opta pela “dupla” que acabou inspirando o título: “Com um Pé Voltado para a Porta” e “Com os Dois Pés na Cadeira”. “Narram a história de uma mulher envolvida em um relacionamento no qual o parceiro sempre estava à espreita para ir embora, com um dos pés voltados para a porta, indicando sua semi presença. E quando de fato a deixa, ela percebe que a relação era uma projeção romantizada. A partir disso, a personagem passa a se sentir bem com a sua própria companhia, e desfrutar as refeições que prepara para si, com os dois pés repousados na cadeira, presente naquele momento”. Esses poemas, prossegue a autora, foram escritos depois de uma aluna lhe contar como eram as refeições que tinha com um companheiro abusivo.
Outro que ela destaca, e que entende como um desdobramento dos dois citados, é “Metamorfose”. “Fala sobre a mudança que acontece quando a gente para de pensar que outras pessoas são capazes de preencher algum vazio dentro da gente”.
Há, ainda, momentos com viés político. “O Brasil precisa de políticas públicas que contextualizem a importância de a gente comer sem veneno, de valorizar a agroecologia... Por isso o livro toca nesses assuntos, que inclusive estão sempre à minha mesa”, diz.
Confira, a seguir, outros trechos da entrevista
Se tivesse que apresentar/descrever seu veio poético usando suas palavras, quais escolheria? Meus leitores dizem que os poemas que escrevo têm cheiro e sabor, e ao longo do tempo fui percebendo que é verdade. Fico feliz com essa sensorialidade, acho que posso descrever assim!
Fazendo um exercício até mesmo analítico, a que creditaria o fato de muitos de seus poemas passarem pela cozinha? O que este lugar sentimentalmente te evoca, em termos de memória? Para falar a verdade, minhas memórias mais felizes com a comida são de uma década para cá. Cresci vendo meus pais cozinhando os mais diversos pratos e essas lembranças são incríveis, mas foi só depois de me mudar para Belo Horizonte e entrar em contato com a agroecologia é que de fato fui entender a importância do alimento e do trajeto que ele faz da terra ao nosso prato. Ver os vegetais crescendo, tomando forma, ouvir os agricultores contando sobre os usos, tudo isso me emociona, então estou sempre falando sobre isso. Minha maior alegria é frequentar feiras e depois preparar meus pratos. Incentivo todo mundo que tem condições a consumir vegetais agroecológicos por isso.
E como é sua relação hoje com a cozinha, seja como um espaço de encontro, conversas, de exercer a criatividade no preparo de pratos ou mesmo profissional? Eu sou cozinheira e gosto tanto dos encontros com as pessoas que estou inaugurando este mês, em parceria com a chef Bruna Martins, o Espaço Casca, local para dar cursos culinários. Tem mais de dois anos que meu trabalho se voltou para as Consultorias de Planejamento Alimentar, que acontecem online e não vão deixar de fazer parte do meu dia a dia, mas eu também quero estar perto das pessoas, vê-las aprendendo a diminuir a distância com a comida que colocam no prato, perdendo o medo de fermentar vegetais, entendo o ponto das receitas... Eu gosto de criar banquetes com comidas vegetais que trazem memórias, então o maior elogio que posso receber como cozinheira é quando alguém come o que preparei e fala que lembrou de alguma situação ou de alguém. Os pratos que estão no imaginário brasileiro são sempre certeiros nessas horas: estrogonofe, bobó, moqueca, mexido, e por aí vai. Gosto muito de fazer releituras vegetais desses clássicos.
Além do conteúdo, claro, outro chamariz da obra são as ilustrações. Pode falar um pouco sobre elas? Eu convidei a Bela Righi, uma ilustradora belo-horizontina, para ler meu livro e desenvolver um trabalho lento de ilustração a partir dos poemas. Ela ficou meses criando no tempo e no jeito dela, por isso conseguiu traduzir com muita delicadeza o que eu queria. É muito bonito ver a dança das cadeiras nas ilustrações: elas sendo colocadas à mesa, as pessoas sentando, trocando de lugar, e depois, no fim de tudo, com a limpeza do espaço na pós comilança, as cadeiras subindo para o alto da mesa. Gostei tanto que resolvi imprimir os desenhos da Bela em A3, para que as pessoas possam comprar e emoldurar! Eu mesma vou fazer isso!
Sobre a autora *
Carolina Dini cresceu em Viçosa, interior de Minas Gerais. Cursou Direito e mudou-se para Belo Horizonte. onde trabalhou por dez anos como advogada - mas acabou deixando os processos jurídicos. Hoje, movimenta o projeto Cebola Na Manteiga (@cebolanamanteiga), criado para compartilhar receitas e ensinar as pessoas a planejarem a alimentação, em busca da autonomia alimentar. “Com Os Dois Pés na Cadeira” é sua quarta publicação, sendo o primeiro livro de poemas. (* informações contidas no material de divulgação do livro)