E assim se passaram dez anos. Foi no dia 30 de outubro de 2010 que, diante de um teatro lotado – e com direito à presença, na plateia, de figuras famosas, como Gregório Duvivier, Adriana Falcão, Virginia Cavendish e João Paulo Cuenca –, que Marcelo Jeneci adentrava o palco para mostrar o repertório de seu primeiro disco de carreira, “Feito Pra Acabar” (lançado pela Slap, selo da Som Livre), produzido por Alexandre Kassin, com arranjos do maestro Arthur Verocai.
Até ali, o paulistano tinha firmado seu nome como músico, tendo acompanhado gente do naipe de Chico César, Arnaldo Antunes e Erasmo Carlos. Portanto, a expectativa em relação ao trabalho, endossado por nomes como Marcelo Camelo (que participou do show), era grande. Daí em diante, muita coisa aconteceu. Várias faixas daquele trabalho estouraram, e o nome de Jeneci foi catapultado ao rol dos talentos de uma nova geração que emergia com alarido – e que incluía, ainda, Karina Buhr, Thiago Pethit, Tiê, Tulipa Ruiz e outros.
Uma década depois, exatamente no último 30 de outubro, o cantor e compositor paulista, hoje com 38 anos, lançou “Feito Pra Acabar: 10 anos”, uma edição comemorativa do aplaudido (por crítica e público) álbum. Mas, não, não se trata de uma reedição, pura e simples. O repertório inclui três músicas inéditas, compostas naquela época, mas finalizadas recentemente. E, pela primeira vez, o artista assina a produção musical e toca todos os instrumentos em duas faixas: “Me Sinto Bem” (Marcelo Jeneci e Isabel Lenza) e “Rara” (Jeneci e Carlos Rennó).
Tem mais: “Felicidade”, um dos hits do disco debut, ganhou agora uma versão em italiano, num dueto de Jeneci com a cantora Erica Mou. É que o artista vai lançar por lá um álbum inteiro, em parceria com a OTR Live – portanto, aqui temos uma pequena prévia. E por último, mas não menos importante, o novo disco marca o reencontro de Jeneci com Kassin e a cantora Laura Lavieri, mais precisamente na faixa “Doce Loucura”, em registro feito na casa onde o artista mora desde que deixou São Paulo em direção ao Rio de Janeiro, localizada no Alto da Boa Vista. “Acabamos nos afastando, pela saga existencial de cada um. Durante um momento a gente teve uma liga maior, vivemos muita coisa junto. Depois, veio um afastamento, que é natural e que permitiu agora esse reencontro no qual você percebe com o olhar o laço profundo que estabelecemos”, conta.
Ainda na entrevista ao Magazine, Jeneci contou que foram dez anos bem intensos. E muitíssimos bem vividos. “Porque, a partir da inauguração de um disco autoral, vem a batalha pela circulação, as turnês, o movimento de acessibilização do próprio trabalho. Isso exige da gente render mais do que um dia normalmente dá. Foram dez anos empenhados, vividos plenamente, ainda que sem saber o que estaria por vir, pois a gente não sabe de nada, não dá para prever (como as coisas se desenrolarão)”, relata.
Fato é que, nesse intervalo de dez anos, o artista lançou outros dois discos: “De Graça” (2013) e “Guaia” (2019), que o levaram a experimentações sonoras distintas do álbum no qual debutou. “Guaia”, aliás, estava no páreo do Grammy Latino, na categoria melhor álbum pop contemporâneo em língua portuguesa. Na verdade, Céu levou a estatueta, por seu “Apká!”, mas a própria indicação já demonstra os caminhos acertados pelos quais Jeneci tem se enveredado.
Uma curiosidade é que uma das faixas inéditas, “Rara”, carrega o nome da nova filha, que deve chegar em dezembro. “Fui aconselhado a perguntar a ela, ainda na barriga, qual o nome carrega, o nome pelo qual gostaria de ser chamada aqui, de ter traduzida a sua natureza pelo significado. E veio Rara”, conta ele, frisando que não se trata de uma experiência na qual um dos genitores se utiliza de voz infantilizada para conversar com a criança, e sim o tom normal, sério. “De alguma forma, entendemos o nome”, garante.
Já a ponte com a Itália, conta Jeneci, surgiu quando um amigo lhe disse: “Cara, essa canção (‘Felicidade’) poderia estar tranquilamente no Festival di San Remo (o mais célebre certame de música da Itália)”. Lançada a ideia, a versão foi feita por Ricardo Fischmann, Tomaz Di Cunto e Massimiliano de Tomassi. Antes de gravar, porém, Jeneci resolveu se dedicar ao estudo do idioma durante três meses: “Intensamente, estudando a pronúncia de cada fonema, cantando, falando, escrevendo. Só me autorizei a gravar depois que vi que não seria mais um brasileiro cantando mais ou menos em italiano”.
O cantor e compositor também lembra que a Itália foi o país que inicialmente mais sofreu com a Covid-19. Por isso, entende que “Felicidade” possa fazer sentido também por lá. “Até hoje eu recebo, e acho que vai ser assim por muito tempo, feedbacks do quanto essa música fez diferença na travessia de um e de outro, o que me deu vontade de levar isso também para a Itália. Eu podia até fazer uma versão caseira, mas resolvi fazer uma coisa grande, e agora vai ser lançado um disco, provavelmente com seis faixas. E o produtor de lá nos trouxe a Erica Mou, italiana que tem um canto muito belo. Você vê que o canto para ela é algo muito íntimo, tem todo um desenho”, diz.
O artista conta que, nesta pandemia, foi convidado a fazer a trilha sonora de um filme, que deve também virar série. “Quando fui convidado, falei: ‘Cara, vou, mas vou fazer dessas filmagens um aprendizado. Era o primeiro a chegar no set e ficava até o final do dia. Fiz disso um curso, agarrei. Acho que isso é sobre andar atento ao que vem para a gente e que muitas vezes a gente não percebe”, filosofa.
“No geral, me sinto tentando alquimizar a vida de uma maneira mais plena. E, quando olho para o disco, quando o ouço, sou sempre pego de surpresa, pois, ali, entendo estar condensada uma entrega máxima, em todos as camadas. Um esmero, uma qualidade de entrega próxima a uma pureza de expressão. E é muito comum que a gente se perca dela (dessa pureza) no meio do caminho quando se intenciona demais a nossa arte, a nossa expressão. Nesse sentido, sinto que resgatei esse mesmo vórtice de me aproximar mais do essencial”, encerra.
Ouça aqui
https://slap.lnk.to/Feito_Pra_Acabar-10_Anos
Clipe “Me Sinto Bem”